Porto do Rio Grande em 1908

Porto do Rio Grande em 1908

quinta-feira, 31 de outubro de 2019

A VILA DA QUINTA



Estação da Quinta no final do século 19. Acervo: livro "Patrimônio Ferroviário no Rio Grande do Sul". 

Recomendo os leitores a visitarem o endereço http://estacaoquinta.blogspot.com. Neste endereço, Cledenir Vergara Mendonça, Especialista em História do Rio Grande do Sul (FURG), elaborou reflexivos textos contando um pouco da história e da cultura da Vila da Quinta. Reproduzo a seguir, o escrito referente a eventos históricos relacionados à ocupação do espaço e a organização político-administrativa da localidade. 

Conforme Cledenir, no mapa de Cano e Olmilla de 1777, a área correspondente ao atual distrito, já consta a denominação ‘Quinta do Cap. Mor’. Segundo consta a tradição oral, a origem do nome Quinta vem de uma enorme quinta de árvores frutíferas de uma residência que existia na estrada que segue para o Taim. Tratava-se de uma grande casa em estilo colonial com 12 peças, aberturas com para-peito em granito, com vestígios de mármore e na entrada, um vasto portão em forma de arco. O antigo casarão desabou a mais de 20 anos. Seu estilo arquitetônico e os materiais utilizados nos remetem aos padrões de construções dos meados do século XIX.
A quinta do Capitão Mor, quartel, local de moradia e feições militares/administrativa, fazia parte naquele de um sistema de ocupação territorial baseada nas antigas sesmarias – modelo de concessões de terras – variando entre 10 a 13 mil hectares – da Coroa Portuguesa para a ocupação e proteção de seus limites. Todos os campos do Povo Novo, Torotama e Taim estão relacionados ao nosso inicio do povoamento pelo homem europeu, firmando assim, a posse definitiva do território sul.
A geografia dos campos da Quinta esfacela-se ao longo do tempo com as contínuas divisões, vendas permutas e heranças. No inventário de Sebastião José Castanheira de 1862, a área que lhe pertencia, foi dividida em nove partes para os seus herdeiros. De acordo com as escrituras, na página 11 do inventário cita: “ huma horta de arvoredo de fructas por um conto de réis – lugar denominado Quinta.”
As significativas mudanças estruturais viriam mais tarde, com o levantamento do traçado topográfico da futura estrada de ferro. Delineava-se em 02 de dezembro, com a inauguração da Estação Férrea, um novo capítulo da organização urbana do futuro distrito. O então povoado de escassas residências adotava o nome de Estação Quinta. Agora não seria mais uma moradia de caráter militarizado com suas árvores frutíferas o referencial histórico do nome herdado, mas sim, um suntuoso prédio de alvenaria e telhas de zinco que, no trajeto ferroviário, seria um ponto de parada estratégico e obrigatório aos caminhos do sul.
Com a proclamação da República em 1889 e a Constituição de 1891, esperava-se uma verdadeira revolução democrática no país, o que acabou não acontecendo. Sem a participação popular e que desconhecia os novos ventos do regime, a política exercida na jovem República estava enclausurada ainda nos moldes monárquicos. Mulheres, analfabetos e menores de 21 anos não votavam. Em compensação, um imenso eleitorado fantasma desfilava nas urnas do país inteiro. Esse domínio a arbitrariedades diversas ao longo da República Velha tinha por base uma extensa rede de relações, cujo ponto inicial estava na estrutura agrária, no latifúndio monocultor, na grande estância e na dependência entre trabalhadores e peões com os grandes fazendeiros e senhores de terras.
Era a representação eleitoral manobrada pelo coronelismo e pelos currais eleitorais que garantiram um longo sucesso ao regime. O Rio Grande do Sul não era exceção na geografia política do país, nem mesmo os pequenos povoados e seus chefes políticos. A incipiente Estação Quinta contribuía com seus coronéis nessa ordem dominante através de apoio logístico, sustentado basicamente na sua estrutura latifundiária. Essa essência republicana convivia intimamente com seus capitães e coronéis. Era mais de 70 nomes do Partido Republicano Rio-Grandense dos distritos rurais, com a sede na povoação, agrupados no Centro Republicano em 1909.
Na ordem ou na desordem, nas concessões fraudulentas, no livre transito, nas melhorias na igreja, nas pontes ou nas estradas ou posses legais ou não de terras, passavam pelas bênçãos do poder local. As manifestações da política regional, o cotidiano da vida social e política entranhavam no modo de viver da maioria das pessoas. Tínhamos o subintendente e o subdelegado, chefes maiores da organização distrital e que representavam o último contato entre o povo e o eleitorado.
A povoação da Quinta crescia neste emaranhado de jogos de poder. Passava aos poucos a ser o contato inicial, o entorno das ações políticas, centralizada pela sua posição geográfica. Nossos chefes locais tinham suas origens na monarquia e na escravatura. Pequenos estancieiros ou grandes latifundiários, não importava, tinham em sua base econômica as atividades ligadas à pecuária.
Fiéis aos seus princípios inauguram a Sociedade e Instrução e Recreio da Quinta em 1903. Queriam um clube que dispusesse de recreação, cultura e divertimento para a elite quintense. Em 1906, surge o jornal O Gaúcho, dedicado aos interesses dos moradores da campanha. Durou até 1909. Antes disso em 1892, em frente à Estação, surgia a Fábrica de Pentes e Barbatanas, uma espécie de pioneirismo industrial no interior de Rio Grande.
No inicio dos anos de 1900, já funcionava a empresa de transportes de Quintino Machado e Manuel Cunha, que instituíram linhas regulares de três vezes ao mês ligando Quinta/Taim/Santa Vitória do Palmar, com sua diligência puxada com cavalos. Em 31 de dezembro de 1909, foi criado o 5º distrito com o nome de Julio de Castilhos pelo então Intendente municipal, Dr. Trajano Augusto Lopes. Respirava-se certo orgulho e a indispensável sensação que o melhor que havia fora do centro do município, estava no novo distrito, desmembrado do Povo Novo. O trem só não circulava com passageiros ou produtos, como era o único meio de transportes de longo curso terrestre. Circulavam também idéias e conhecimentos com uma rapidez estupenda quando comparadas às informações vindas pelos emissários a cavalo do tempo distante.
Com a oficialização e a criação jurídica do distrito, surgiu o Cartório distrital (1910) a Igreja da Penha (1912), a Escola Agrícola com os padres Josefinos (Ordem de São Jose de Murialdo) em 1915, diminutos hotéis, expansão do comércio atacadista, cooperativas de cebola e os encantos dos bailes de negros. O nome de Julio da Castilhos fora suprimido em 1916, mas somente em 1938 ficou oficializado o nome Vila da Quinta, o 5º distrito de Rio Grande.

O POVO NOVO

Inauguração da Subprefeitura do Povo Novo em 1904. Acervo: Papareia.

         A postagem anterior foi a história da Vila da Quinta. Nesta postagem, indico novamente a leitura do historiador Cledenir Vergara Mendonça e remeto ao texto que trata da Igreja do Povo Novo. Este e outros artigos organizados por Cledenir, estão disponíveis para leitura no endereço http://estacaoquinta.blogspot.com.  


O Povo Novo surgiu em 1763 sendo um povoamento constituído por lavradores luso-açorianos formado durante a invasão espanhola no Rio Grande de São Pedro entre 1763 a 1776. O assentamento estava localizado à margem da Estrada Real da Palma, onde os espanhóis colocaram parte dos colonos luso-açorianos que não conseguiram retirar-se ante a invasão. Carreiros, Paulista e Mangueira foram os outros núcleos para assentarem colonizadores sem condições de fuga ou que por escolha, decidiram permanecer em Rio Grande. O historiador João Borges Fortes realça essa possibilidade, afirmando “[...] que em conseqüência da invasão alguns teriam ficado em suas terras na Vila do Rio Grande; outros fugiram para Santa Catarina e que a maior parte teria acompanhado o governador Elói de Madureira em seu êxodo para Viamão”
Assim sendo o núcleo da Torutama, que já existia anteriormente (a Fazenda Real na ilha da Torutama), recebeu a maior parte das famílias portuguesas, formando o Pueblo Nuevo del Torutama nas terras pertencentes a Manoel Fernandes Vieira, que se retirou durante o domínio espanhol.
Quando da restauração das terras portuguesas, o antigo proprietário retoma a área, originárias estas das primeiras doações de sesmarias na região, as 112 famílias de lavradores e criadores são transferidos para o Rincão d’El Rey, a área hoje compreendida pelo atual distrito. Desenhava-se assim um novo processo de firmação fundiária e social quanto ao domínio português pós- tratado de Santo Idelfonso de 1777, ao menos nesta região.
Com a mudança, no ano de 1777, “[...] alguns destes portugueses e outras famílias foram habitar o novo lugar duas léguas distantes, e aí edificaram uma casa para celebrar missa [...]”. Regularizou-se a posse da terra a moradores que possuíam títulos e animais – eram 91 – e também os que não tinham a posse de terra durante a invasão, somando 47 proprietários, mas não fora uma ação imediata este processo de estabilização. Miséria, caos e indefinições marcaram o período de estruturação do povoado, quando somente em 1785 os proprietários regularizaram suas propriedades com doações de terras pela Coroa Portuguesa. As datas de terra prometidas (1 data=272hectares) viraram para a maioria pequenas áreas que raramente ultrapassavam os 10 hectares, verdadeiros minifúndios com assentamentos demorados. Porém, quando instalados, ocorreram pressões por parte dos latifundiários que possuíam sesmarias (equivalente a 13.000 hectares). Conforme um morador do período, “fizeram-nos e, não por exceção, abandonar terras ou pagar pelas que legalmente lhe pertenciam por doação governamental.”
Por Provisão Eclesiástica de 07/02/1785, cria-se a Capela Curada de Nossa Senhora das Necessidades do Povo Novo, tendo como capelão o Padre Manoel dos Santos Rezende, nomeado em 05/12/1785. Os Livros de assento de Batismo, livres ou de escravos, de Casamento e Óbitos, começam em 1792 e estão na Mitra Diocesana em Rio Grande. Em 1795 a Capela foi elevada a Curato dependente da Matriz do Rio Grande, a Igreja de São Pedro. Por lei da Assembléia Provincial de 06/05/1846, lei nº 35, Povo Novo é elevado a Paróquia, criando assim a Freguesia do Povo Novo. Estivera pregando no local o padre jesuíta Tiago Villarupia e o primeiro pároco Raimundo Tarrago, foi nomeado em abril de 1847 .
Nesse sentido é importante citar o único padre colado, o padre Estevão de Semiglia, nomeado em 27/10/1856, sendo apresentado por decreto do Governo em 25/02/1865 e confirmada canonicamente a 4/3/1865 por D. Sebastião Dias Laranjeira, que criara a Vara Eclesiástica em junho de 1863.
O desenvolvimento viria em um primeiro ciclo com a cultura do trigo. Assim ficou demarcada a opulência econômica no final da década de 1780 com o plantio de 7.472 hectares de trigo no Povo Novo até a retração da cultura nos campos a partir das primeiras décadas dos anos 1800. Aos poucos, a produção de bois para as charqueadas em Pelotas e culturas de subsistência voltadas para o abastecimento da Vila do Rio Grande, identificavam igualmente o modelo produtivo característico desenvolvido pela Província desaparecendo a produção em larga escala da cultura do trigo.
A Freguesia ia se desenvolvendo. Os negros cativos equivaliam a 40% do universo dos moradores, com predominância de açorianos e seus descendentes, formaram um mosaico cultural e social que aproximava a localidade com Pelotas.
Em 12/12/1913, a capela deixou de ser a sede da Paróquia, sendo esta transferida pelo Bispo de Pelotas para a Igreja de Nossa Senhora da Penha, no nascente distrito de Julio de Castilhos, hoje Vila da Quinta. Quanto às reformas solicitadas, e isto não significa inserções arquitetônicas no mesmo período, cita-se na ata da Câmara Municipal do Rio Grande em 13/02/1856, que a Igreja precisava ser reformada, pois o “telhado estava arriado, imagens defeituosas e precisando de 5 banquetas completas para os 5 altares” e a reclamação que os 6 contos de réis decretados pela Assembléia Provincial ainda não havia chegado. Já no ano de 1878, forma-se uma comissão na povoação para novos melhoramentos na Igreja das Necessidades. É bem provável que pequenas obras tenham sido feitas, porém no ano de 1958, quando ocorre o tombamento lateral e da cobertura, a Igreja foi reconstruída seguindo o mesmo estilo e tipificação arquitetônica.

O TREM PARA O CASSINO

Cartão do Estúdio Fontana mostrando a chegada no trem na Avenida Rio Grande no Balneário Cassino em 1908.
Acervo: Museu da Cidade do Rio Grande. 

         Podemos começar o novo ano pegando um trem. Porém o movimento dele não é em direção ao futuro, mas no sentido do passado. Estou me referindo ao trem que partia de Rio Grande em direção à estação balnear Vila Sequeira, cuja primeira viagem ocorreu ha 119 anos no passado. Os primeiros viajantes faziam parte de um momento até então único no Brasil: era o nascimento do banho de mar que surgiu a partir da racionalidade empresarial em edificar a estrutura logística do deslocamento por trem e a estrutura hoteleira na latitude 32° sul. O imaginário ou pano de fundo para o surgimento de um balneário estava além do Atlântico, nas praias francesas de Biarritz e Deauville, espaços burgueses de culto ao banho de mar medicinal. 

        Inicialmente, foram as locomotivas Andorinha e Formiga que puxavam os vagões de passageiros que estavam ávidos para contemplarem o novo modismo e prazer que foi a invenção da praia de banhos. O Balneário foi projetado em 1885 e a obra ferroviária teve início em janeiro de 1889. À inauguração com passageiros ocorreu em 26 de janeiro de 1890. A República estava nascendo no Brasil e a primeira praia de banhos planificada também. 

        Partindo das proximidades da linha do Parque (atual Parque do Trabalhador) o trem da Companhia de Bonds Suburbanos da Mangueira passava por algumas estações como a Junção, Vieira, Senandes e Bolaxa, antes de chegar a Vila Sequeira. Várias denominações a linha recebeu até a desativação na década de 1960: Cia. E. F. do Rio Grande à Costa do Mar (julho de 1890-1892); Cia. Carris e E. F. da Costa do Mar (1892-1895); Cia. de Carris Urbanos de Rio Grande (1895-1900); Southern Brazilian R. G. do Sul Ry. Co. Ltd. (1900-1905); Cie. Auxiliaire des Chemins de Fer au Brésil (1905-1920); V. F. Rio Grande do Sul (1920-c.1964). 

        Os termos iniciais de Mangueira e Costa do Mar eram utilizados junto com Vila Sequeira, o nome oficial do Balneário nas duas primeiras décadas. Talvez a denominação mais antiga para esta área do Balneário Cassino foi Mangueira, pois já consta em plantas do século 18. O Hotel Cassino como ponto central de acolhimento de veranistas, já no final da década de 1910, passou a ter o seu nome associado a todo o Balneário. 

        A primeira estação era um pequeno prédio de madeira substituído no final da década de 1920 pelo atual prédio de alvenaria que funciona como posto de informações turísticas. 

      Em frente ao Hotel Cassino, surgiu o Quadro, um conjunto formado por casas geminadas para aluguel e posterior venda. A nova urbanidade estava constituída tendo como artéria a avenida Rio Grande, um espaço elitizado onde os casarões começam a ser construídos a partir de 1890. Os veranistas desfilavam por este espaço onde as casas eram edificadas em estilos arquitetônicos da França, Alemanha, Inglaterra, Portugal, Itália... Espaços arquitetônicos multiculturais e de elevados custos mas cuja origem remonta ao forte comércio de exportação e importação radicado junto ao Porto do Rio Grande desde a primeira metade dos 1800, complementado pelo capital industrial aqui surgido a partir da década de 1870.

O CHALET DOS DOIS BICOS

Gravura do Chalet dos Dois Bicos em 1890 publicada no jornal O Bisturi. Acervo: Biblioteca Rio-Grandense. 

         
Uma das construções mais exóticas construídas no Balneário Cassino foi o Chalet dos Dois Bicos. Quando surgiu, onde se localizava, em que ano foi demolido e qual a sua funcionalidade?
         Comecemos a partir da sua funcionalidade. Com a inauguração do Balneário em janeiro de 1890, o afluxo do público impõe a necessidade do fornecimento de comida aos veranistas. Atividade em parte realizada pelo Hotel Casino que em seu restaurante servia refeições para os hóspedes. Já no mês de março, frente à intensa demanda, foi contratado o gourmet René Pascal do Hotel Paris, para suprir os sabores da mesa. Porém, o Hotel Casino não ficava junto a praia, sendo necessário percorrer algumas centenas de metros a pé, a cavalo ou pegando o bonde puxado a burros que levava até outra antiga construção: o Chalet dos Dois Bicos. O chalet, inicialmente, era um restaurante a beira-mar, a última construção antes do deleite das águas do Oceano Atlântico. Neste local, quase tocado pelas águas, os veranistas faziam refeições e provavam petiscos com o sabor do mar. Porém, no ano de 1908, o Chalet era a residência de um importante político rio-grandense: o maragato Ramiro Barcelos, nada menos que o autor do livro Antonio Chimango, que lançava pesadas críticas (sem citar nomes...) ao governador do Rio Grande do Sul Antonio Augusto Borges de Medeiros e popularizava o termo chimango. Portanto, o chalet também foi utilizado como residência. O período de ocupação e a data de sua demolição é incerta...
         Mas se não sabemos o epílogo da construção, uma publicação do ano de 1890 (O Artista) nos traz a gravura mais antiga existente do Chalet. Ele já estava aí quando nasceu o Balneário e ao lado dele, as estruturas de madeira para troca de roupa pelos banhistas. Poucos metros à frente estava a água. É claro que às inúmeras histórias cotidianas aí ocorridas viraram silêncio. Mas desvendamos o ano de seu nascimento, 1890, a sua funcionalidade como restaurante e posteriormente, residência de um destacado político. Mas onde ele se localizava é um dos itens mais interessantes para os estudos históricos relativos a linha de praia do Cassino. A Avenida Rio Grande tinha terrenos e casarões no lado direito e esquerdo, com um canteiro central, num formato próximo ao atual. O Chalet não ficava a direita nem à esquerda, mas no centro da avenida, aproximadamente, num ponto onde hoje a av. Rio Grande cruza com a av. Atlântida. Se as águas ficavam relativamente próximas ao Chalet, a linha média da água deveria ficar no máximo na altura do atual Barracão. A localização em que estava, também é um fator que justifica a necessidade de sua demolição.
Constatamos que nestes últimos 129 anos, o recuo do Oceano em centenas de metros, foi muito expressivo na Praia do Cassino. É claro que nada comparado com o cenário de recuo marinho que se tinha há 17.000 anos atrás, durante o período glacial, quando o Balneário Cassino teria que ser construído 70 km mar adentro em relação a localização atual. Mas esta é outra história...
Cartão produzido pelo Estúdio Fontana com a imagem do Chalet dos Dois Bicos no ano de 1908.
Acervo: Museu da Cidade do Rio Grande. 

CONHECIMENTOS SOBRE O CASSINO ANTIGO

Cartão com a chegado do trem na Avenida Rio Grande no Cassino. Cerca de 1905. Acervo: Museu da Cidade do Rio Grande. 


Proponho aos leiotres uma atividade diferente. Um teste de conhecimentos gerais sobre o Cassino Antigo, ou seja, acontecimentos históricos das primeiras décadas do Balneário. São quinze questões afirmativas a serem respondidas com Certo ou Errado.  

1)O Cassino é o primeiro balneário brasileiro que nasceu planificado, ou seja, primeiro ele foi projetado e criada a infraestrutura logística de transporte por trem e de hotelaria, para posterior inauguração em 26 de janeiro de 1890. 

2)O Balneário surgiu inspirado em balneários franceses como Biarritz e Deauville.

3)A justificativa de tal empreendimento era promover o banho de mar medicinal, pratica  que era moda na Europa no século 19.

4)Inicialmente, o nome oficial do Balneário era Vila Sequeira, em referência ao administrador do empreendimento. Antonio Sequeira era o diretor-gerente de uma companhia de bondes urbanos criada em Rio Grande em 1884. A linha de trem ligando Rio Grande ao Balneário teve neste empresário um dos seus idealizadores e posterior administrador.

5)Nos primórdios o Balneário também era chamado de Costa da Mangueira, Costa do Mar e Estação Balnear.

6)Quando o Cassino foi inaugurado, a escravidão ainda estava em vigor no Brasil.

7)O Balneário foi inaugurado ainda durante a Monarquia Brasileira ou no chamado Período Imperial.

8)Construído em 1890, o Quadro era constituído por quarenta casas destinadas a aluguel e posteriormente para venda. Descaracterizado de sua arquitetura original ocupa o quarteirão entre as Ruas Oswaldo Cruz, Lisboa, Alfredo Ferreira Rodrigues e Avenida Rio Grande.

9)A primeira empresa responsável pelo transporte por trem teve o nome de Bonds Suburbanos da Mangueira.

10)Uma das primeiras locomotivas que levavam veranistas para o Balneário Cassino era chamada mosquito e era elétrica.

11)A estrada de rodagem surgiu na década de 1920. Nos primórdios dos anos 1940 foi colocado asfalto trazido do México na atual estrada que liga Rio Grande ao Cassino.

12)Os chalés construídos na avenida Rio Grande tinham, muitas vezes, hasteadas em suas fachadas as bandeiras dos países de seus proprietários.

13)Empresários do ramo industrial como Rheingantz e Poock, construíram chalet no Cassino.

14)O chalet de madeira mais antigo ainda existente no Cassino pertenceu a João Raffo e recua a 1890.

15)O Chalet dos Dois Bicos, edificação que já não existe, surgiu em 1900 e sempre teve a função de residência.




Respostas:

1)Certo.
2)Certo.
3)Certo.
4)Certo.
5)Certo.
6) Errado. Desde 1884, o número de escravos no Brasil cairá drasticamente. Oficialmente, a escravidão encerrou em 13 de maio de 1888, menos de dois anos antes da inauguração do Balneário.
7) Errado. A República no Brasil foi proclamada em 15 de novembro de 1889. O Balneário foi inaugurado ainda no calor do fim da Monarquia, mas já dentro do Período Republicano.
8)Certo.
9)Certo.
10) Errado. Uma das locomotivas era denominada Formiga e como as demais, era a vapor.
11)Certo.
12)Certo.
13)Certo.
14)Certo.
15) Errado. Surgiu em 1890 e inicialmente foi um restaurante a beira-mar.

BALNEÁRIO CASSINO

Balneário Cassino. Cartão de 1908. Acervo: Museu da Cidade do Rio Grande. 

 Em 26 de janeiro de 1890 foi inaugurado o Balneário Cassino. Em Rio Grande, a ideia de criação de um balneário marítimo e com fins medicinais surgiu em 1885. Foi constituída uma empresa responsável pela construção da estrada de ferro ligando Rio Grande com um balneário planificado. Simultaneamente, foi edificado um hotel chamado Cassino, hoje Hotel Atlântico, foi inaugurado em 1890 e finalizado em 1898, contando com 136 quartos. Era um espaço de sociabilidade das elites do Rio Grande do Sul sendo organizadas festas, saraus, apresentações teatrais e exibição de filmes nos primórdios do cinema. Fator de atração também era o restaurante e a sala de jogos.
         A estrada de ferro foi construída pela Companhia Carris Urbanos do Rio Grande e as obras perduraram entre janeiro de 1889 até 26 de janeiro de 1890, quando ocorreu o primeiro transporte de passageiros, acontecimento que inaugurou o Balneário. A linha férrea ligava o Parque Rio-grandense (no atual Parque do Trabalhador), até as proximidades do Hotel Cassino. A linha funcionou até a primeira metade da década de 1960. O transporte servia para deslocamento de passageiros, materiais de construção e produtos alimentícios. Inicialmente existiu uma edificação de madeira. O prédio atual foi construído na década de 1920.
Somente em 1927 passou a funcionar a linha de ônibus, utilizando a estrada de saibro que foi substituída pelo asfalto trazido do México no início da década de 1940.
O Balneário teve várias denominações como Costa da Mangueira, Costa do Mar, Estação Balnear e a oficial, Balneário Vila Sequeira. A partir de 1910, foi sendo popularmente denominado de Cassino, devido ao hotel com este nome.
Junto a avenida Rio Grande, dezenas de casarões foram construídos reproduzindo modelos arquitetônicos de países europeus. Em sua idealização, se buscou criar no extremo sul do Brasil um balneário inspirado nas praias de banho da Europa.

A PRIMEIRA APRESENTAÇÃO DO BIOSCÓPIO

bioscópio em 1900. Acervo: Jean-Claude-Perez.

         Em nível de experiências pioneiras, a cidade do Rio Grande tem muitas histórias a contar. Entre elas, aqui ocorreu à primeira apresentação do bioscópio no Rio Grande do Sul. Mas a primeira pergunta que surge é: o que é um bioscópio? O bioscopo Inglez ou bioscópio é um aparelho ótico utilizado para reproduzir imagens ou fotografias, sendo um ancestral dos projetores de cinema.
Glênio Nicola Povoas no artigo Filmagens pioneiras no Rio Grande do Sul aconteceram em 1904 (In: Sessões do Imaginário. Porto Alegre: FAMECOS, PUCRS,  nº 8, agosto 2002), nos conta como ocorreram as primeiras apresentações do bioscópio no Brasil e na cidade do Rio Grande.
Vindo de Recife, em novembro de 1902 José Filippi apresenta um bioscópio inglês no Teatro Maceioense, em Maceió. No ano seguinte, outra referência a José Filippi revela temporada de sua Companhia de Arte e Bioscopo Inglês no Theatro Hauer em Curitiba. Exibindo um repertório de vistas fixas e animadas, a Companhia de Arte estreou em 23 de agosto de 1903, um domingo, e encerrou oito semanas depois, também no domingo, 18 de outubro. Dia 19, José Filippi partiu para Antonina. O espetáculo contava com um cosmorama e “cinematographo”. O repertório de Filippi incluía, neste momento, entre outras, a seguintes vistas animadas, segundo a imprensa curitibana: O sonho de Natal, grande revista colorida fantástica em 20 quadros; Vida e morte de N. S. Jesus Cristo, em 19 admiráveis quadros animados e coloridos; vistas animadas do Rio de Janeiro e de Guaratinguetá; o poema bioscópico em duas partes A fada da primavera; Guerra do Transwaal; Jubileu e funeral em Londres da rainha Vitória; Catástrofe da Martinica; A experiência do aeronauta brasileiro Augusto Severo e seu balão Pax. Por esta programação, além do repertório internacional majoritário, fica explicitado que Filippi também possuía material nacional, muito provavelmente filmado por ele, como é o caso das vistas animadas do Rio e de Guaratinguetá. Seriam dele as primeiras imagens rodadas em Curitiba durante esta temporada: Vista animada do grande préstito realizado [em 25 de agosto] em Curitiba no centenário do nascimento do imortal brasileiro Duque de Caxias.
Alguns meses depois, José Filippi faz uma temporada semelhante a do Paraná, mas, desta vez no Rio Grande do Sul. Sua Companhia de Arte e Bioscopo Inglês estreou na cidade do Rio Grande em 24 de fevereiro, uma quarta-feira, ficando em cartaz até 20 de março de 1904, domingo. Era um momento em que esta cidade do extremo sul do Brasil ainda vivia um apogeu cultural e social iniciado em meados do século XIX. O teatro que hospedou a Companhia de Arte, o Sete de Setembro, tinha sido inaugurado em 1832 e nesta altura já tinha passado por várias reformas. Um dos muitos jornais rio-grandinos, noticiou: “Estreou ontem no Sete de Setembro com boa casa o bioscope do sr. José Filippi. O trabalho agradou muito não sendo poucos os aplausos merecidamente dispensados ao talentoso artista. No gênero é o que há de bom, cumprindo notar que pela primeira vez tivemos ocasião de apreciar ‘vistas invertidas’, a vida às avessas, que provocou geral hilaridade. Os quadros históricos e religiosos, devido a pincéis de afamados pintores da antiguidade são de incomparável beleza e fixidez. Principiou o espetáculo com a exibição dos retratos dos drs. Rodrigues Alves, Júlio de Castilhos, Borges de Medeiros e Barão do Rio Branco, sendo este muito aclamado pelos espectadores. Foi uma boa noitada. Para sábado estão anunciadas diversas novidades, entre elas a chegada à esta cidade do senador Pinheiro Machado (O Artista. 25 de fevereiro de 1904).
Como em Curitiba, Filippi usou do mesmo expediente da filmagem local para atrair o público e o fez logo nos primeiros dias de sua chegada, aproveitando a passagem do senador Pinheiro Machado e sua família, que aconteceu em 23 de fevereiro, um dia antes da estréia da Companhia de Arte. O cruzaltense José Gomes Pinheiro Machado (1851-1915) vinha do Rio de Janeiro, a bordo do paquete Santos. Houve uma festiva recepção do Partido Republicano, fundado e presidido por ele. O senador seguiu no mesmo dia para Pelotas, em trem expresso. Filippi filmou a agitação em torno do festejado senador e deve ter feito tomadas de pontos da cidade como faz supor outra nota da imprensa. “No Sete de Setembro, o sr. José Filippi fará à noite nova apresentação do seu apreciado bioscopo. Entre esses aparecerão os quadros com as vistas animadas do Rio Grande, por ocasião da chegada a esta cidade do senador Pinheiro Machado. Concorrência animadora afluirá certamente àquela casa. É o que desejamos (O Artista, 10 de março)”. Estas notas autenticam o registro mais antigo de uma filmagem no Rio Grande do Sul, na cidade do Rio Grande (em 23 de fevereiro de 1904) e exibição (em 10 de março de 1904).
Entre filmagem e exibição, demorados 16 dias, o que levou um dos críticos locais a escrever curiosa nota: “No espetáculo de amanhã as vistas do desembarque do senador Pinheiro Machado, não serão movimentadas como dissemos, o que acontecerá em outras funções, visto como o trabalho para conseguir aquele resultado é um tanto moroso. Contudo não perderá do seu valor, graças a sua atualidade e nitidez” (Echo do Sul, 26 de fevereiro de 1904). O crítico de O Artista escreveu no dia 29 do mesmo mês, que ficou fascinado com a Companhia de Arte e Bioscopo Inglês. “Com boa casa realizou ontem no Theatro Sete de Setembro, o excelente Bioscopo, que ora nos visita. Em ambos os espetáculos foram exibidos vistas de belíssimo efeito e importância, sobretudo as do Sonho de Natal, que mereceu justos aplausos e As ruínas de Roma, que agradaram muitíssimo. Inegavelmente o Bioscopo do sr. José Filippi, merece ser apreciado pelo nosso público, que culto como o sabe ser, confirmará plenamente com seus aplausos, a merecida fama de que veio precedida.
No espetáculo de sábado agradaram imensamente os panoramas de Veneza, e as vistas animadas cômicas provocaram geral hilaridade”. O mesmo crítico, no dia 7 de março, complementa: “O distinto artista sr. José Filippi deve estar satisfeito pelo merecido acolhimento que tem tido do nosso público na exibição dos seus trabalhos de vistas animadas e fixas superiores em perfeição, nitidez e valor histórico de algumas, às demais de igual gênero que aqui têm aparecido. À função de ontem afluiu uma concorrência e extraordinária de tal modo que a bilheteria viu-se forçada a suspender a venda de entradas. Entre os quadros apresentados agradou muito A luta mortal entre o touro e o leão, que é uma reprodução animada e natural da emocionante cena passada na Praça de Touros em Rubaix. Amanhã, o sr. José Filippi projeta os quadros em fotografia animada representando a paixão e morte de Jesus Cristo”. A renda líquida da Companhia de Arte nesta primeira temporada gaúcha foi de 8:400$000 [8 contos e 400 mil réis]. De Rio Grande, seguiu para a vizinha Pelotas, conforme anunciou o Diário Popular do dia 23 de março: “Chegou ontem do Rio Grande, acompanhado dos seus associados e auxiliares, o sr. Giuseppe Filippi, o qual obteve ali esplêndido resultado nas suas exibições”.

A CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DO AMOR MATERNO


 
Família da elite brasileira no período colonial. Acervo: Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.
     A investigação histórica não apenas busca objetos que levem a conhecimentos sobre a política e a economia. A História possibilita observar às sociedades humanas ao longo do tempo desconstruindo a noção de absoluto e de suposto senso comum nas diferentes expressões culturais no presente. Exatamente isto! O tempo presente não é o tempo passado. Às construções imaginárias contemporâneas tem trajetórias de tênue equilíbrio cuja verdade sempre faz parte de um processo arbitrário que o aparato jurídico faz valer como verdade. Ou seja, práticas culturais e relações de gênero são dinâmicos no passado, construídos no presente e normatizados no aparato político-jurídico de cada sociedade. A verdade absoluta é sempre questionável e os discursos são representações da realidade.
         Em termos práticos podemos colocar as mais diferentes questões e não obtermos respostas tão óbvias quanto o senso comum poderia indicar. Uma destas questões diz respeito ao amor materno como um fim em si mesmo, inquestionável e de milenar duração. O que o conhecimento histórico pode nos dizer sobre isto?
         A noção de funções e papéis sociais são representações. Conforme Pichón-Rivière estas noções constituem um imaginário social dado por ideias, imagens e estereótipos, isto é, representações simbólicas compartilhadas com certa homogeneidade pelas pessoas da época histórica de que se trata. Mas no campo histórico, como situar esta teorização?        
Elisabeth Badinter no livro Um Amor conquistado: o mito do amor materno (RJ, Nova Fronteira, 1985), ao investigar a evolução das atitudes maternas na França do século 18 fez uma surpreendente descoberta: “1780: o tenente de polícia Lenoir constata, não sem amargura, que das 21 mil crianças que nascem anualmente em Paris, apenas mil são amamentadas pela mãe. Outras mil, privilegiadas, são amamentadas por amas-de-leite residentes. Todas as outras deixam o seio materno para serem criadas no domicílio mais ou menos distante de uma ama mercenária. São numerosas as crianças que morrerão sem ter jamais conhecido o olhar da mãe. As que voltarão, alguns anos mais tarde, ao teto familiar, descobrirão uma estranha: aquela que lhes deu à luz. Nada prova que esses reencontros tenham sido vividos com alegria, nem que a mãe tenha se apressado em saciar uma necessidade de ternura que hoje nos parece natural.”
Badinter afirma que o amor materno foi por tanto tempo concebido como instinto e comportamento que é parte da natureza da mulher, seja qual for o tempo ou o meio que a cercam. “Aos nossos olhos, toda mulher, ao se tornar mãe, encontra em si mesma todas as respostas à sua nova condição. Como se uma atividade pré-formada, automática e necessária esperasse apenas a ocasião de se exercer. Sendo a procriação natural, imaginamos que ao fenômeno biológico e fisiológico da gravidez deve corresponder determinada atitude maternal”.
Para a autora o amor materno não é inato mas adquirido ao longo dos dias passados ao lado do filho e pelos cuidados dispensados. O amor materno não constitui um sentimento inerente à condição de mulher, ele não é um determinismo, mas algo que se adquire. Ele é um produto da evolução social desde princípios do século 19, quando a nova ética burguesa e a sociedade patriarcal burguesa se tornam hegemônicas, pois antes disto, nos séculos 17 e 18 o próprio conceito do amor da mãe aos filhos era outro: as crianças eram normalmente entregues, após o nascimento, às amas, para que as criassem, e só voltavam ao lar depois dos cinco anos. Dessa maneira, como todos os sentimentos humanos, ele varia de acordo com as mudanças socioeconômicas da história.
Na investigação levantada por Balandier, se questiona se o amor materno é um instinto, uma tendência feminina inata, ou é um comportamento social, variável de acordo com a época e os costumes. “A variabilidade desse sentimento, depende da cultura, das ambições ou das frustrações da mãe. O amor materno é um sentimento humano como outro qualquer e como tal incerto, frágil e imperfeito, que está ligado à forma como cada sociedade concebe a maternidade. Contrariando a crença generalizada em nossos dias, ele não está profundamente inscrito na natureza feminina”. Observando-se a evolução das atitudes maternas, verifica-se que o interesse e a dedicação à criança não existiram em todas as épocas e em todos os meios sociais. “O Amor, no reino humano, não é simplesmente uma norma. Nele intervém numerosos fatores que não a respeitam. Ao contrário do reino animal, imerso na natureza e submetido ao seu determinismo, o humano — no caso, a mulher — é um ser histórico, o único vivente dotado da faculdade de simbolizar, o que o põe acima da esfera propriamente animal. Esse ser de desejo é sempre particular e diferente de todos os outros. Que os biólogos me perdoem a audácia, mas sou dos que pensam que o inconsciente da mulher predomina amplamente sobre os seus processos hormonais. Aliás, sabemos que a amamentação no seio e os gritos do recém-nascido estão longe de provocar em todas as mães as mesmas atitudes. Parece-me que devemos deixar a universalidade e a necessidade aos animais e admitir que a contingência e o particular são o apanágio do homem. Hoje, uma mulher pode desejar não ser mãe: trata-se de uma mulher normal que exerce a sua liberdade, ou de uma enferma no que concerne às normas da natureza? Não teremos, com excessiva freqüência, tendência a confundir determinismo social e imperativo biológico? Quanto a mim, estou convencida de que o amor materno existe desde a origem dos tempos, mas não penso que exista necessariamente em todas as mulheres, nem mesmo que a espécie só sobreviva graças a ele. Primeiro, qualquer pessoa que não a mãe (o pai, a ama, etc.) pode maternar uma criança. Segundo, não é só o amor que leva a mulher a cumprir seus deveres maternais. A moral, os valores sociais, ou religiosos, podem ser incitadores tão poderosos quanto o desejo da mãe.”.
Nesta interpretação, o amor materno não é um instinto, não é dado, nem é garantido de antemão, mas exige empenho e investimento fundado numa relação amorosa e saudável com os filhos. Felizmente o amor materno existe, não enquanto um produto universal feminino, mas como uma construção que depende de cada mulher: pode estar ausente por opção ou não se expressa por fatores inerentes à personalidade psicossocial.
Este é um tema polêmico mas extremamente atual frente às novas demandas de um planeta cuja população cresce vertiginosa e irresponsavelmente, aproximando-se dos 7,6 bilhões de habitantes. O Brasil, apenas nos últimos 10 anos, aumentou em 20 milhões a sua população tornando obsoleta a música cantada na Copa de 1970: “90 milhões em ação...” Agora somos 190 milhões em ação... Entre a procriação acelerada e o amor materno, a ciência histórica surge como uma ferramenta que investiga o passado com o intuito de refletir sobre o presente. 

A CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DA INFÂNCIA

Caling (1896). Autor William-Adolphe_Bouguereau.

           Conforme o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (1998), as crianças possuem uma natureza singular, que as caracterizam como seres que sentem e pensam o mundo de um jeito muito próprio. Na construção do conhecimento, as crianças se utilizam das mais diferentes linguagens e exercem a capacidade que possuem de terem idéias e hipóteses originais sobre aquilo que procuram desvendar. Este conhecimento é fruto de um intenso trabalho de criação, significação e ressignificação.
         As crianças ao longo da História da sociedade ocidental sempre foram vistas dotadas de uma natureza singular e criadora? No texto a seguir vamos constatar que esta visão da infância é relativamente recente.
         Um dos primeiros olhares da trajetória histórica desta questão foi feita por Philippe Áries História social da criança e da família. (Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1973), que fez um estudo da iconografia da era medieval até a moderna, observando as representações da infância na Europa Ocidental, com ênfase na França. Ele constatou do “não lugar” da criança nas representações artísticas. Na Idade Média, não ocorria uma separação clara entre ser criança e ser adulto. As crianças recebiam tratamento diferenciado apenas nos primeiros anos de vida, por dependeram do cuidado das mães ou amas para a sobrevivência. A transição do desmame era tardio e o ingresso no mundo dos adultos era abrupto, com o contato com os mais velhos para a aprendizagem de ofícios que serviriam para a sobrevivência. Até o século XII, as crianças raramente eram retratadas nos quadros e quando ocorria, era com trajes de adultos. A alta mortalidade infantil poderia explicar a pouca atenção dada às crianças. A chance de morrerem nos dois primeiros anos de vida era alta, o que reduzia a noção de apego, em especial, pela morte abrandada pelo imaginário religioso ligado aos anjinhos que tinham o seu lugar garantido no céu. O sociólogo Gilberto Freire destacou a banalização da morte infantil no Brasil em seu livro Casa Grande e Senzala: “A verdade é que perder um filho pequeno nunca foi, para a família patriarcal a mesma dor profunda que para uma família de hoje. O anjo ia para o céu. Para junto de Nosso Senhor, insaciável em cercar-se de anjos”.
Para o historiador Philipe Áries, as crianças eram tratadas como adultos em tamanho menor. Não havia vestimentas específicas e os assuntos e brincadeiras sexuais envolviam crianças e adultos. A noção de privacidade era frágil ou inexistente: “Na sociedade medieval o sentimento de infância, não existia – o que não quer dizer que as crianças fossem negligenciadas, abandonadas ou desprezadas. O sentimento da infância não significa o mesmo que afeição pelas crianças: corresponde à consciência da particularidade infantil, essa particularidade que distingue essencialmente a criança do adulto, mesmo jovem. Essa consciência não existia”. Antes do século XVI, a consciência social não admite a existência autônoma da infância como uma categoria diferenciada do gênero humano. Passado o estrito período de dependência física da mãe, as crianças se incorporavam ao mundo dos adultos. No Brasil colonial e imperial, o mundo do trabalho começava muito cedo para a maioria das crianças, àquelas que não faziam parte dos setores mais privilegiados. O trabalho começava aos seis anos de idade para as crianças brancas pobres e para as crianças escravas.
O conceito de infância irá se desenvolver a partir dos séculos XVI a XVIII, através da lenta e gradual escolarização. Este processo é que evidenciará a necessidade da compreensão das especificidades desta fase do desenvolvimento. O intuito mais amplo era o de ensinar, moralizar e disciplinar as crianças. O processo de separação entre crianças e adultos tem início junto com as bases da privacidade. Assuntos de adultos deveriam ser mantidos em segredo frente à imaturidade infantil para compreendê-los. A construção do conceito de infância terá como conseqüência uma à incapacidade plena (social e, posteriormente jurídica) e, os mecanismos de proteção-repressão das crianças. As ideias de proteção, amparo e dependência fazem surgir à infância, buscando-se formas educacionais para formar adultos socialmente aceitos. Disciplina e difusão da cultura passam a ser essenciais e a dimensão infantil do lúdico fica para segundo plano. Um ditado da época afirmava; “Quem não usa a vara, odeia seu filho. Com mais amor e temor castiga o pai ao filho mais querido. Assim como uma espora aguçada faz o cavalo correr, também uma vara faz a criança aprender”.
Observamos que na maior parte da história ocidental, as crianças não foram consideradas como uma categoria a parte do mundo dos adultos. Mantinham contato precoce com todo o imaginário e práticas cotidianas ligadas a miséria e a opulência dos diferentes segmentos sociais. Em nível de trabalho ou sexualidade, a precocidade era evidente. Em nível de intensa fertilidade, a alta mortalidade era vista de forma banal e justificada pelo imaginário religioso. A separação do mundo da infância do mundo dos adultos pautou-se pela imposição da autoridade e a imposição da censura, tendo como veículo fundamental o processo educativo rígido. Escolas pedagógicas avançaram muito a discussão e as práticas educativas, esfacelando grande parte destes referencias nascidos no século XVII ligadas ao rigor no acompanhamento educativo, ao mesmo tempo buscando preservar o mundo da infância e exigindo olhares diferenciados aos educandos.
Nas últimas décadas do século XX acelerou o processo em que o aparato jurídico e pedagógico da um estatuto privilegiado para o mundo infantil que deveria preservar suas especificidades de faixa etária. Mas o processo da informação e consumo de ideias e produtos chegou a situações incontroláveis através das multimídias disponíveis como a televisão e a internet. Entre a participação direta das crianças na vida familiar até o cerceamento desta participação, hoje se assiste o acesso ilimitado a informação pelas crianças no contexto da globalização, sem a tutoria de um adulto. O mercado de trabalho e do consumo levou às mulheres a incorporação neste projeto, rompendo a barreira do espaço da casa, da “rainha do lar”, que vive, teoricamente, para zelar pelos filhos. Por questões de mentalidade e não de realidade do processo histórico, a mulher é a referência social da tutela dos filhos, mas sendo a guardiã da separação entre a infância e a idade adulta, este papel fica comprometido. Ou seja, a dinâmica da construção da infância é histórica, constituída por bases materiais e imateriais que definem diferenciados papéis sociais dependendo de cada sociedade. Assunto de extrema relevância pois para falar do óbvio, a sociedade do futuro é aquela que se constrói a partir do tempo presente.

1822, O INESGOTÁVEL ANO DA INDEPENDÊNCIA

A Proclamação da Independência. François-René Moreaux (1844). Acervo: Museu Imperial do Rio de Janeiro.

          O tema “1822” está sendo revisitado por historiadores nas vésperas dos 200 anos da Independência do Brasil. A constatação que não apenas o processo da Independência é uma construção mas que os personagens e acontecimentos também fazem parte de uma construção tem sido abordado com mais insistência. Um dos autores que tem trazido esta discussão é Laurentino Gomes no livro 1822, que considera que estes acontecimentos estão permeados de mitos e fantasias.
         Antes de entrarmos no ideário presente no livro do autor é preciso enfatizar que realmente muitas idealizações estão ligadas a edificação dos eventos da Independência que permite repensar estas ações. Se parecemos ingênuos no desconhecimento dos fatos, não podemos ser ingênuos acreditando que os discursos, as construções historiográficas, a construção de um Estado Nacional, seja no Brasil ou em qualquer outro país, não tenha elementos de construção mítica que dê sentido a determinada ação dos personagens. Os Estados e as Nações são construções ligadas a simbologias e imaginários que criam identidades aos agentes que dirigiram os processos. Este processo é dinâmico e inesgotável pois a independência de uma nação está sempre em construção. Feita esta observação, vejamos as interessantes questões levantadas por Laurentino Gomes.
         Para o autor, não ocorreu uma avalanche cívica nacional no ano de 1822. Poucos foram os brasileiros que, de fato, desejavam o rompimento dos vínculos com Portugal. A mobilização neste sentido, era tênue do norte ao sul do Brasil. O rompimento político com Portugal ainda era precoce, pois a maioria das lideranças defendia a manutenção do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarve, condição administrativa criada em 1815. Os comerciantes de açúcar, algodão, ouro, tabaco e os traficantes de escravos, que eram os segmentos mais ricos, estavam em sua maioria estabelecidos no Rio de Janeiro e em Salvador. A condição de Reino Unido favorecia o reconhecimento internacional destes comerciantes inclusive na Europa, o que favorecia o seu enriquecimento. Arriscar numa aventura de romper esta condição era temerário.
         O apressamento do processo de Independência ocorreu pela conjuntura política em Portugal e não no Brasil. Com a invasão de Portugal pelas tropas de Napoleão Bonaparte, parte da Corte portuguesa se desloca para o Brasil (1808) e aqui a Monarquia de Bragança instala a sede das possessões colônias portuguesas sob liderança de D. João. Os portugueses que se vieram para o Brasil passam a ter os privilégios do antigo monopólio do comércio colonial em detrimentos dos portugueses que não conseguiram fugir. Posteriormente, é criado o Reino Unido que fortalece esta relação. Em Portugal, a longa guerra de independência é travada para expulsar franceses e posteriormente ingleses, reconstruindo o país. A Revolução Liberal do Porto (1820), exige o retorno de D. João VI e a recolonização do Brasil em nome dos privilégios dos portugueses realmente residentes em Portugal. A radicalização do processo leva a elite brasileira a pensar o rompimento com Portugal a fim de preservar o seu status quo, porém, o projeto da Independência não estava maduro e tinha tudo para fracassar se não fosse liderado pelo próprio herdeiro da coroa de Portugal: D. Pedro.
         Laurentino Gomes também afirma que em 1822 o país tinha todas as condições para fracassar enquanto nação soberana, de território íntegro e dimensões continentais. As rivalidades entre as províncias era prenúncio de uma guerra civil que poderia fragmentar o território brasileiro. A economia era agrária dominada pelo latifúndio e pelo tráfico negreiro. De cada três brasileiros, um era escravo. A maioria da população vivia em condições de pobreza ou miséria. Somente uma em cada dez pessoas sabia ler e escrever. Com a ida de D. João VI para Portugal em 1821, os cofres ficaram vazios faltando dinheiro, navios, soldados e armamento para sustentar uma guerra contra os portugueses. Para Laurentino Gomes, o sentimento de medo contra uma insurreição escrava e a guerra civil entre as províncias, foi o fator de unificação da elite brasileira formada por monarquistas e republicanos, liberais e absolutistas, federalistas e centralizadores, maçons e católicos, comerciantes e senhores de engenho, civis e militares, charqueadores e pecuaristas, padres e advogados. Neste contexto de diversidades é que surge o personagem unificador que foi aclamado como D. Pedro I. A maioria dos brasileiros era constituída por escravos, analfabetos e pobres, à pequena elite imperial formada em Coimbra e outros centros europeus, conduziu o processo inicial de formação do estado nacional brasileiro. Em meio ao pipocar de repúblicas emancipadas da Espanha em todas as fronteiras do Brasil, o país preservou a monarquia tradicional dando continuidade a família de Bragança na América porém, na condição de país independente que enfrentou conflitos internos contra portugueses que desejavam o vínculo com Portugal.       
O novo país que nascia realizou uma guerra da Independência que se estendeu até 1825, começando a construir as simbologias que edificaram a nacionalidade brasileira, com personagens e mártires. O Brasil Nação e a identidade nacional começavam um lento processo de construção que se estende até o presente. Entre a tradição que é rememorada e a contemporaneidade com seus desafios desintegradores no campo da globalização, 1822, ainda é um tema instigante e muito mais complexo do que podemos imaginar.    

CIVILIDADE E HIGIENE


 
Extraindo um bicho-de-pé. Água-tinta do artista inglês Augustus Earle (Cenas Brasileiras, 1822).
Acervo: Biblioteca Nacional da Austrália.
          O historiador Capistrano de Abreu afirmou que no Brasil, ainda nas primeiras décadas do século 19, “da higiene pública incumbiam-se as águas da chuva, os raios de sol e os diligentes urubus”. Viajantes estrangeiros que estiveram no Brasil da primeira metade do século 1800, deixaram vários registros sobre as condições de higiene e os hábitos da sociedade brasileira.
         Assim como outros temas, o campo da higiene também é dinâmico e as práticas mudam conforme a sociedade. A historiadora Mary Del Priore (O Choque entre a civilidade e o despudor In: História Viva - O Olhar dos Viajantes 2. São Paulo: Duetto, 2010), analisou algumas fontes históricas que nos levam há dois séculos. Segundo a autora, comer com as mãos, arrotar, defecar ou urinar publicamente são hábitos banidos de nosso convívio atual. Porém, as práticas em torno das necessidades fisiológicas, assim como o uso da água e da indumentária, percorreram uma longa estrada antes de ser adestrados. E a educação do corpo teve de se dobrar as fórmulas de contenção, contrariando o desejo e os apelos da natureza.
         Conforme relatos de viajantes, as casas eram repugnantemente sujas e o chão não era lavado. Para expulsar o mau cheiro das casas, queimava-se plantas odoríferas. Os penicos estavam em toda parte e o conteúdo era jogado nas ruas e praias. O inglês John Luccock ao visitar o Rio de Janeiro em 1809, queixou-se que nas casas havia uma “tina destinada a receber todas as imundícies e refugos da casa, que, nalguns casos, é levada e esvaziada diariamente, noutros, somente uma vez por semana, de acordo com o número de escravos, seu asseio relativo e pontualidade, porém sempre carregado, já sobremodo insuportável”.
         A maioria dos habitantes livres andava pelas ruas vestido com “casacas pretas, velhas e coçadas”. Na cabeça “uma peruca empoada sobre que punham um enorme chapéu armado já sebento, geralmente ornado de um tope”. Para Luccock, o número de pessoas com aparência respeitável era pequeno. Nas refeições, as pessoas “comem muito e com grande avidez e, apesar de embebidos em sua tarefa, ainda acham tempo para fazer grande bulha. A altura da mesa faz com que o prato chegue ao nível do queixo; cada qual espalha seus cotovelos ao redor e, colocando o pulso junto à beirada do prato, faz com que por meio de um movimento hábil o conteúdo todo se lhe despeje pela boca. Por outros motivos além deste, não há grande limpeza nem boas maneiras, durante a refeição; os pratos não são trocados (...) por outro lado, os dedos são usados com tanta freqüência quanto o próprio garfo. Considera-se como prova incontestável de amizade alguém comer do prato do seu vizinho...”.
         O banho não era muito apreciado pelos homens. Os pés “são geralmente a parte mais limpa das pessoas. Os rostos, mãos, braços, peitos e pernas que, todos eles andam muito expostos em ambos os sexos, raramente recebem a bênção de uma lavada”. O homem com maior poder do Rio de Janeiro, o Vice-Rei Marques de Lavradio orgulhava-se de sua saúde afirmando conservar-se “bem sem sarnas nem perebas, moléstia que aqui padecem todos e só não tenho escapado aos bichinhos do pé, porque estes me têm perseguido barbaramente”.  
         O bicho-de-pé (Tunga penetrans) pertence à ordem das pulgas (Siphonaptera). Assim como outros insetos, a fêmea é que infecta o ser humano, penetrando na pele pelos pés e alimentando-se do sangue, podendo causar ulcerações graves e propiciando outras infecções. O inseto nativo da América do Sul, este ano também passou o veraneio no Cassino, pois casos de infectação foram registrados. O alemão Carl Seidler na década de 1820 retratou o pavor causado pelo bicho-de-pé: “Ainda me lembro bem que havia soldados que extraíam 30 a 40 saquinhos deste bicho, cheio de ovos, cada um dos quais saquinhos deixava um buraco do tamanho de uma ervilha, extração muito dolorosa e já no dia seguinte número igual se alojara, notadamente nas unhas e nos calcanhares. Para evitar isso, muitos de nós limitávamos a abrir o saquinho cheio daquela criatura do diabo e lhe deitávamos encima um pouco de mercúrio”. O desespero levava a colocação de mercúrio, uma substância extremamente tóxica para o organismo e que poderia levar a demência mental.
         A praga dos piolhos também infestava as cabeças! Após as refeições, para repugnância dos estrangeiros que relataram à cena, mulheres catavam avidamente os piolhos nas cabeças dos familiares... É preciso ressaltar que estas observações dos viajantes estrangeiros não devem ser tomadas de forma totalizadora, ou seja, que todos respeitavam rigorosamente os preceitos da “completa falta de higiene”. Possivelmente, havia exceções... Mas novos preceitos de higiene puxados pelo saber médico-higienista somente se disseminarão a partir da segunda metade do século 19. Porém, as práticas burguesas de cuidado e redescoberta com o corpo estarão em sintonia com a contramão deste processo de higienização: o rápido processo industrial que formará periferias e favelas em que as pessoas habitarão em péssimas condições de vida.
         Mary Del Priore conclui que observar as relações entre a higiene e o pudor permite refletir como os processos civilizatórios modelaram gradualmente as sensações corporais, aumentando seu refinamento, desenrolando suas sutilezas.