Porto do Rio Grande em 1908

Porto do Rio Grande em 1908

terça-feira, 30 de maio de 2017

A REVOLUÇÃO INDUSTRIAL

Na Inglaterra, na interpretação do historiador Eric Hobsbawn, os parâmetros do que se poderia chamar de uma Revolução Industrial remontam a 1760. No Brasil, país fundado na herança colonial da grande propriedade agrícola e escravista voltada a exportação, este processo começa a se desencadear na segunda metade do século 19. Rio Grande estava em sintonia com as transformações industriais da economia brasileira e gaúcha que buscava romper o exclusivismo de um setor econômico primário (pecuária e agricultura).
O capital e o trabalho produziram não apenas produtos e consumo, mas também uma dialética do conflito entre operários e empresariado. As indústrias foram um fator de aceleração no desenvolvimento urbano e crescimento populacional local. A indústria gaúcha esteve voltada ao mercado regional e nacional desde o seu surgimento nas últimas décadas do século 19. Na cidade do Rio Grande, ela se caracterizou por apresentar grandes estabelecimentos, com índices de capital e mão-de-obra empregada acima das médias e com diversificação de ramos industriais (tecidos, charutos, tecelagem, alimentícias, frigoríficos etc). A cidade marítima, através da facilidade de escoamento pelo porto, destacou-se no processo de implantação e consolidação da Industrialização no Rio Grande do Sul.
O exército anônimo de operários proliferava frente à produção de bens não duráveis voltados ao mercado interno brasileiro. A grande indústria, como é o caso da Rheingantz, da Ítalo-Brasileira, da Swift ou da Leal Santos, introduziu a especialização da produção e a mecanização em larga escala. Nas primeiras décadas do século 20, a multiplicação das indústrias e as contradições envolvendo as relações entre patrões e operários, conduziu a conflitos e articulações equalizadoras da questão social oriunda do equilíbrio tênue entre capital e trabalho. Charles Chaplin no filme Tempos Modernos captou, na estética cinematográfica, este novo contexto mundial que Rio Grande participou ativamente.
A indústria têxtil Rheingantz surgiu em 1874 e foi uma referência em nível de Brasil em termos de construção de um espaço para a atividade industrial inserido na vida diária do trabalhador que morava junto à empresa. Outra indústria que despontou em nível local foi a Leal Santos & Cia que foi constituída em 1890 voltando-se à fabricação de biscoitos e conservas alimentícias, especialmente carnes, peixes, camarões, frutas e legumes. Os produtos eram vendidos no mercado interno brasileiro e as carnes enlatadas eram também exportadas para a Europa. A tecnologia de ponta e a divisão do trabalho num estabelecimento frigorífico constituiu um referencial prático do anseio da sociedade burguesa. A Companhia Swift, fundada nos Estados Unidos, implantou seu parque industrial em Rio Grande, junto ao Porto Novo, em 1917. Podendo abater até 1.000 reses por dia e empregando 1.500 funcionários, o frigorífico tinha por meta congelar ou resfriar, assim como aproveitar os subprodutos do gado, voltando-se ao mercado europeu e norte-americano. A presença destas indústrias e de várias outras, fez surgir à denominação de Rio Grande como a cidade das chaminés. No equilíbrio entre a sobrevivência e o lucro, estruturavam-se as lógicas do capital e as resistências dos trabalhadores num cenário social que insere Rio Grande nos ideários revolucionários anarco-sindicalistas e socialistas. Neste confronto também surgiu à questão social na ótica católica com os círculos operários e a concepção cristã do uso social do capital. Esta concepção foi defendida pelo rio-grandino Carlos Santos quando era sindicalista e deputado-classista na década de 1930-40.


terça-feira, 16 de maio de 2017

O RELÓGIO DO APOCALIPSE

O “Relógio do Apocalipse” ou também denominado de “Relógio do Juízo Final” (Doomsday Clock) foi criado em 1947 e mantido pelo comitê de diretores do Bulletin of the Atomic cientists da Universidade de Chicago. A aproximação dos ponteiros da meia-noite são um alerta para a destruição da espécie humana com a eclosão de uma guerra nuclear. O relógio é uma metáfora ao fim dos tempos. A idealização partiu de cientistas que ajudaram a desenvolver as primeiras armas atômicas ligadas ao projeto Manhattan, inclusive Albert Einstein. Atualmente, o Boletim de Cientistas Atômicos é composto por físicos e cientistas ambientais de vários países além do Conselho de Patrocinadores, do qual fazem parte 15 detentores de prêmios Nobel.
O relógio é atualizado periodicamente e teve início durante a Guerra Fria em 1947, com o ponteiro fixado em 7 minutos para a meia-noite. Os acontecimentos mundiais que poderiam desencadear um conflito nuclear aproximaram o relógio do apocalipse no planeta e momentos de menor tensão distanciaram os ponteiros.
Em 1953, no contexto de testes com dispositos termonucleares desenvolvidos pelos Estados Unidos e pela União Soviética o relógio, foi ajustado a 2 minutos para a meia-noite, menor marca já registrada! A segunda menor marca está sendo registrada agora: no dia 26 de janeiro de 2017 o relógio foi ajustado para 2,5 minutos do apocalipse! Podemos pensar que isto é um exagero e em parte pode ser assim analisado pois “é melhor prevenir do que remediar” e “até exagerar do que minimizar”. Mas qual é o cenário conjuntural que levou a isto?
Certamento o foco está na maior nação do planeta, onde o nacionalismo está em alta e as afirmações do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, lembram a volta de uma política republicana do “big stick” (grande porrete). Os comentários de Trump a respeito de armas nucleares e uma possível renovação da corrida armamentista entre os EUA e a Rússia, além do enigma da relação com a Coréia do Norte e com a China, são fatores de tensão mundial. No ar está pairando uma descrença nas perspectivas em barrar o aquecimento global com medidas políticas de restrição nas emissões industriais de CO2. O temor de cientistas como o físico Stephen Hawking, é de que o aquecimento global terá um poder mais destruidor do que um conflito nuclear, levando a guerras locais e internacionais pelo controle dos recursos que irão escassear num planeta que insanamente avança para 10 bilhões de habitantes até 2050. Uma visita a série Jerichó (canal CBS/2008) é uma interessante aproximação dos conflitos que podem surgir quando a disponibilidade de alimentação/água e energia se torna insuficiente para manter as necessidades das comunidades e nova cartografia do poder é elaborada.
Certamente, é um novo contexto histórico que está surgindo num cenário persistente de guerra ao terror e de expansão de ações fundamentalistas na Europa, a qual começa a sentir a fragmentação da Zona do Euro com a saída da Inglaterra e com movimento neste sentido de setores franceses. Num período de interligações econômicas que globalizaram relações planetárias, o mundo continuará a assistir ao jogo de forças entre a expansão industrial chinesa (promovedora do gradual sucateamento do proletariado internacional) e a xenofobia oficial que poderá convulsionar os EUA que é um país fortemente marcado pela soma de migrantes de todo o planeta. Certamente, o jogo de forças entre EUA, Rússia e China, levará a concessões estratégicas que impeçam que os ponteiros cheguem à meia-noite num conflito militar de grandes dimensões. O cenário mais preocupante é que barrar a corrida industrial e de ampliação do consumo não interessa a estas grandes potências! Continuaremos a assistir com um grande ponto de interrogação até quando persistirá o equilíbrio climático e quanto o sistema já está comprometido; se as mudanças se arrastarão por décadas ou se o caos poderá se instalar num período curto. No melhor cenário, o clima da Terra sofrerá modificações mínimas. No pior cenário, Jerichó se tornará realidade!


domingo, 14 de maio de 2017

A VILA E A BARRA DO RIO GRANDE DE SÃO PEDRO


       Para analisarmos a situação da Vila e da barra do Rio Grande de São Pedro após a expulsão dos espanhóis ocorrida em 1776, documentos escritos por Sebastião Bettamio e por Francisco Roscio são de expressiva importância. Sebastião Bettamio nascido em Lisboa exerceu o cargo de secretario da Junta da Fazenda do Rio Grande do Sul em 1775 regressando ao Rio de Janeiro em 1779. Escreveu Notícia particular do Continente do Rio Grande do Sul (1780), onde são descritas povoações, a situação econômica e social e também as medidas necessárias para garantir a defesa militar. 


       A VILA DE SÃO PEDRO POR SEBASTIÃO BETAMIO (1780): “É situada duas léguas da barra do Rio Grande de S. Pedro, caminhando rio acima. É vila desde o ano de 1751, e é a única que há em todo o continente. Foi sempre a capital, e a ele pertence à câmara que hoje se acha em Porto Alegre. Até o ano de 1763, que foi invadida pelos castelhanos, se havia trabalhado bastante para a fazer rica, o que ainda se deixa perceber, não obstante a destruição que lhe causou o mau trato que teve em treze anos, que foi ocupada pelos castelhanos, pois ainda lhe restam para memória um bom Templo, a casa de residência dos governadores, o Armazém Real, o Hospital e o corpo da guarda, tudo feito de tijolo, além de outros edifícios particulares, que suposto fossem feitos de pau a pique (único modo com que ali se fabrica) e se achassem todos muito arruinados quando felizmente foi reconquistada a vila no ano de 1776, contudo mostravam a grandeza e aceio com que tinham sido feitos. A maior parte dos moradores que hoje a ocupam são os que vieram de Buenos Aires, e pertenciam a Praça da Colônia. Atualmente está comandada por um sargento-mor debaixo das ordens do Governador. Tem armazéns reais e marinha. Os armazéns reais estendem-se também aos que há da parte do norte do rio, onde há um oficial para o cuidado dos mesmos armazéns. Nota: Esta vila, que tanto tem custado à coroa Portuguesa, parece de justiça se conserve, e se passe para ela à capital, mudando-se de Porto Alegre as pessoas que formam o Estado Civil, e restituindo-se a antiga posse em que estavam na vila. Dirão que o terreno é indigno pelas muitas areias que formam combros formidáveis, e que estes cada vez mais se vão aproximando à vila, sepultando os edifícios dela, o que não duvido sucede, e sucederá se não houver algum trabalho para os impedir. Se, porém, considerarem as utilidades que se seguem de ser ali a capital do continente, somente pela proximidade da barra e sem atender as mais que resultam aos povos vizinhos, que são já em grande número, vir-se-á a conhecer que se deve empregar todo o cuidado na conservação e aumento daquela vila, e que ainda a pretenderem mudá-la para outro sítio, se seguem grandes perdas nos edifícios que se deixam, especialmente, não havendo de dentro do sangradouro da Lagoa Mirim terreno que não seja areento, e que em pouco tempo, conservando-se sem benefício, se não converta igualmente em combros de areia, como hoje existe a vila de S. Pedro, que os não tinha em algum tempo, nem tão grandes, nem tem próximos, como há muitos moradores antigos dali, que ainda existem e o confessam. Sendo a mudança para o campo chamado das Pelotas, onde o terreno é melhor, e tem pedra, há os descontos de ficar distante da barra mais de dez léguas; e não se poder fortificar, ou guardar pela parte do campo sem uma numerosa guarnição. É bem verdade que o continente nada o guardará, se não uma paz sólida e permanente; mas a vila sempre é mais defendida, e se pode cobrir com alguma fortificação no sítio chamado o Estreito, onde já houve uma cortina, ou obra que tanto valha. Todas estas razões fazem evidente que na vila é que se deve trabalhar, e por todos os meios que parecerem conducentes para o seu estabelecimento, povoação, aumento e cultura”.

sábado, 13 de maio de 2017

40 DIAS ENTRE SACRAMENTO E RIO GRANDE

A ligação entre os dois pontos que a geopolítica portuguesa buscou integrar aos seus domínios coloniais, a Colônia do Sacramento (1680) na margem do Rio da Prata e Rio Grande que só surgiu em 1737, foram descritas num roteiro elaborado pelo fidalgo português Domingos da Filgueira. No ano de 1703 ela partiu de Sacramento com o objetivo de descrever as condições de deslocamento até Laguna em Santa Catarina. A busca de um corredor de povoamento, consolidando a posse portuguesa no sul do Brasil e no Prata, justifica a elaboração deste roteiro.
Entre a Colônia do Sacramento e Rio Grande, nenhuma povoação foi registrada neste início do século 18. O roteiro abarca o atual litoral do Uruguai e do Rio Grande do Sul, num percurso de automóvel a partir da cidade do Rio Grande até a cidade de Colônia que pode ser feito em aproximadamente oito horas. Na época foi realizado em quarenta dias, enfrentando as precárias ou inexistentes passagens, os alagadiços, as chuvas e os animais selvagens, tudo ditado no ritmo temporal lento dos passos da mula. As disputas diplomáticas e as lutas envolvendo o controle deste território entre espanhóis e lusos, estendeu-se por todo o século em que Filgueira elaborou o seu roteiro.
Objetivamente, quem tornou viável a ligação entre o Prata e as feiras de gado em São Paulo foi Cristóvão Pereira de Abreu em 1727, através da edificação de obras de infra-estrutura, como a construção de pontes, garantindo o deslocamento de tropeiros e comerciantes ligados a atividade de apressamento do gado e de animais de tração.
As primeiras informações do desbravador ao sair de Sacramento até chegar a Castilhos, é de que se gastam aproximadamente vinte e quatro dias neste percurso, sendo necessário andar sempre “dois a dois com as espingardas sempre na mão e prontas por causa das onças”, passando a noite em cuidadosa vigia e com o fogo aceso.
         “De Castilhos [litoral norte do Uruguai] até o Rio Grande [atual cidade do Rio Grande] se gastam quinze dias e tanto que se tiverem andado três ou quatro de Castilhos, se avista um lago [Lagoa Mirim] que vai costeando a costa rio acima, obra de meia légua por baixo da dita lagoa [Lagoa dos Patos- o autor refere-se às duas lagoas como se fossem a mesma], faz a barra onde se vê um cruz que tem a era do tempo em que nós passamos e abaixo tem o porto onde nós fizemos aguada que é acima da barra do Rio Grande meia légua”. (FILGUEIRA, Domingos da. Como viajar por terra da Colônia do Sacramento à Laguna In: A conquista do Rio Grande. Porto Alegre: Riocell, 1990.
        Por volta de 1690 já há relatos de embarcações, vindas do Atlântico, adentrando na barra do Rio Grande. Apesar da ausência de moradores sedentários, cruzar o canal do Rio Grande consistia num desafio para os raros andarilhos. Para cruzar a barra do Rio Grande, Filgueira explica os passos a serem seguidos, numa receita que pode ter sido elaborada por outros transeuntes que tiveram que enfrentar este obstáculo. Devido à deposição de sedimentos, a barra estava relativamente estreita sendo possível cruzá-la em meia hora:
“Neste porto é necessário passar em jangada, que se há de fazer em ocasião de reponta da maré. E a jangada se fará de espinho branco pela forma seguinte: buscar-se-á por aquele mato madeira de espinho seca para as estivas que juntarão, e os três paus para a estiva pouco importa que sejam verdes. Hão de estes ter quinze até dezoito palmos de comprimento, far-lhe-ão duas faces, uma para baixo outra para cima. Por cima desta estiva se fará outra de madeira com travessas lançadas e amarradas uma às outras; por cima de ambas as estivas se lançarão dois paus, um por cada lado, que serve de talabardães para se armarem os remos, cujos paus serão grossos e secos, os remos serão de boga e de espinho branco verde que é mais forte e não falta; pôr-lhe-ão quatro remos, dois por banda, e a jangada tem quinze ou dezesseis palmos de comprimento, e daí para cima, conforme a quantidade de gente que houver de passar, porque esta medida é para seis passageiros”.
       Segundo Filgueira não faltavam porcos, cervos e veados pela campanha, devendo “aos cervos atirar com bala; aos porcos e veados basta munição grossa. Também não faltam pássaros pela praia”. Pelas “margens do rio Grande há muita caça de porcos e outros animais e pássaros que se podem matar e fazer provimento. Com esta prevenção nunca na minha jornada faltou carne, nem soube que cousa foi fome, que outros experimentam por sua culpa”. O desbravador também observou lobos marinhos circulando entre a barra e a praia. Infelizmente, não há referências sobre a fauna existente na atual reserva ecológica do Taim, pois fontes de 1780 descrevem a necessidade em promover caçada a onças existentes neste local.
Como conselho final, Filgueira sugere a quem desejava empreender esta jornada, deveria estar acompanhado de “dois ou três cães bons, três espingardas bem experimentadas e municiadas, duas catanas ou facas de mato, e a matalotagem que cada um puder”.