Porto do Rio Grande em 1908

Porto do Rio Grande em 1908

domingo, 22 de abril de 2018

NEIL GAIMAN

"Extrai-se ideias de devaneios. Extrai-se ideias do tédio. Extrai-se ideias o tempo todo. A única diferença entre os escritores e as outras pessoas é que a gente percebe quando está fazendo isso".
Neil Gaiman



sábado, 21 de abril de 2018

A PORTA “LACRADA PARA SEMPRE”


         O Noticiador foi o primeiro jornal editado em Rio Grande. Perdurou entre 3 de janeiro de 1832 e 9 de janeiro de 1836 e tinha como editor Francisco Xavier Ferreira, que faleceu de forma trágica em prisão do governo central após a eclosão da Revolução Farroupilha. Além dele, outro personagem que escrevia neste jornal morreu de forma trágica. Seu nome era Bernardo José Viegas, padre católico, político, maçon e defensor de princípios liberais. Seu assassinato ocorreu no dia 3 de outubro de 1833, quando recebeu um tiro estando na soleira da porta central da Capela de São Francisco. O assassino nunca foi preso. A porta da capela em que o padre Viegas foi alvejado foi lacrada “para sempre” conforme determinação do Bispo do Rio de Janeiro, dom José Caetano da Silva Coutinho.
      O contexto de fundo para estes acontecimentos está no período regencial, iniciado após a abdicação de D. Pedro I em 7 de abril de 1831 e que perdurou até a maioridade de D. Pedro II em 1840. No ano de 1833, o clima era de tensão no Brasil devido às iniciativas de restauradores portugueses que desejavam o retorno de D. Pedro I ao poder favorecendo os interesses lusitanos em detrimento dos brasileiros. Interessante é que a grande comemoração da Independência do Brasil não era realizada no dia 7 de setembro, mas, no dia 7 de abril, por ser a data da abdicação de D. Pedro I. O Noticiador, de forma incisiva, atacava todas as iniciativas restauradoras que teriam um caráter contrário a independência e soberania brasileira acreditando numa possível recolonização do Brasil por Portugal.
Esta história está nas edições do jornal O Noticiador do ano de 1833 e foram pesquisadas por Francisco Riopardense de Macedo no livro Diário de um Conflito (Rio Grande: Editora da FURG, 2003).

O PADRE VIEGAS

O padre Bernardo José Viegas, era do Bispado de Coimbra, vindo ao Brasil e seguindo a carreira eclesiástica. Fixou residência na então Vila do Rio Grande de São Pedro. Membro da maçonaria foi um dos fundadores da Sociedade Defensora da Liberdade e Independência Nacional. Atuou na promotoria pública, advocacia e como professor. Era um combatente da restauração e defensor do nacionalismo. No mês de abril de 1833 foi eleito Deputado junto com o amigo Francisco Xavier Ferreira e de Bento Gonçalves da Silva. Com o assassinato do padre Viegas, o jornal O Noticiador na edição de 7 de outubro, dedicou um espaço na necrologia: “Temos de noticiar aos nossos leitores o mais atroz e o mais escandaloso atentando contra as leis, contra a moral e contra a ordem e segurança individual. O cidadão Bernardo José Viegas, Presbítero Secular, brasileiro adotivo e morador nesta vila há mais de onze anos, foi vil e atraiçoadamente assassinado no dia 3 do corrente, logo ao anoitecer. Este denodado patriota tinha saído de sua casa para ir à de seus amigos conversar, como era de costume. Ao passar pela capela de São Francisco, que estava iluminada e a cuja porta se haviam lançado foguetes, o monstro que talvez o esperasse ou seguisse, tendo-o bem reconhecido, lhe disparou um tiro que poucos minutos viveu e se evadiu para ir se asilar no antro da perversidade, que longe não seria. A vida pública e particular deste cidadão não constitui o réu de outro crime se não de ser aferrado à liberdade geral, ao sistema jurado e à prosperidade da pátria que tenha escolhido: além disto, era eleitor, promotor público, professor de cadeira de ensino mútuo, presidente da Sociedade Defensora e, pelo seu talento e habilidade, advogava com crédito e honra algumas causas que lhe confiaram seus amigos e concidadãos. Isto era bastante para ter inimigos e irritar a função retrógrada de alguns Chic... que quer ser preponderante nesta vila e tratar destes negócios com exclusão, e este é também o motivo, segundo é público, por que perpetraram semelhante assassinato. Monstros! Que dano vos fazia este infeliz? Assim se atacam as leis? Assim se ataca a segurança pública? E as garantiras do homem em sociedade? E ficará impune este horroroso acontecimento? Ficará, pois que a impunidade está na ordem do dia, e a polícia em total abandono.
Brasileiros! Este atentado pede vingança, mãos sacrílega se mancharam no sangue do nosso compatriota, de um cidadão pacífico e inerme. Não sejais indiferentes à enormidade de tal crime. A liberdade não consiste só em palavras, porém em sustentar os nossos direitos sagrados, atropelados na pessoa do Sr. Viegas, o delito atroz nele praticado ameaça as nossas vidas e a existência da pátria livre: os assassinos passeiam entre nós, marcam as suas vítimas, quem sabe se nós seremos a segunda? Brasileiros, coragem, vingança. O tribunal de júri está a instalar-se, a junta de paz está em exercício, os malvados querem atirar-vos! Avante! E se o senhor Bernardo José Viegas acabou a sua carreira vítima dos seus liberais sentimentos, elevai templos a sua memória: cobri-vos de luto”.
O jornal também denunciou que dois dias após o assassinato, foi dado um tiro para dentro de uma casa e passou a circular a informação de uma lista em que várias pessoas seriam eliminadas, o que desencadeou um período de medo na Vila. Acreditava-se que a próxima vítima poderia ser Francisco Xavier Ferreira, o qual fez a seguinte manifestação: “Ao meu conhecimento chegou, e a passada noite fui ocular testemunha, que vós, desde a infeliz noite do bárbaro assassinato do Padre Bernardo José Viegas, zelosos da conservação dos meus já cansados dias, tendes rondado efetivas e prolongadas horas a minha casa, dispostos a defender a minha vida, ameaçada pela mesma califa retrógrada que cortou o fio à existência do inocente patriota. Este generoso e voluntário sacrifício muito tem penhorado o meu coração assaz atribulado pelo execrando atentado de 3 de outubro pelo terror que espalhou nesta vila e, sobretudo pela crise em que vejo o nosso país digno, certamente, de melhor sorte, porém, sendo desonroso ao cidadão brasileiro sucumbir a desgraças quando se trata da salvação da pátria, muito me animo para dar-vos os mais sinceros agradecimentos pela parte ativa que tendes tomado na proteção da minha existência e, em retribuição a tão assinalado favor, vos ofereço, cidadão patriotas, a minha pequena fortuna e tudo quanto possuo para ajudar-vos a sustentar a ordem e a tranqüilidade pública, e defendermos a liberdade, a independência, o trono do Senhor Dom Pedro Segundo, com exclusão expressa e formas de outra qualquer pretendente, e a Constituição do Império, com as reformas federativas legais. O Supremo Árbitro do Mundo vos guarde. Cidadãos Patriotas, Rio Grande, 8 de outubro de 1833”.

A acirrada disputa entre liberais e restauradores foi se acentuando, num período dos mais turbulentos da história do Brasil, ligado as rebeliões provinciais que passam a questionar a estrutura de dominação concentrada no Governo Central. O foco foge dos restauradores portugueses e passa a voltar-se contra a centralização político-administrativa conservadora que seria questionada em discursos liberais e pelas armas com a Revolução Farroupilha em setembro de 1835, num prelúdio dos dez anos dramáticos do confronto entre imperiais e farroupilhas.

Jornal O Noticiador criado em 1832 de orientação liberal radical. 

Capela de São Francisco. Fotógrafo Amilcar Fontana, 1912.

A porta central é que foi "lacrada para sempre". Acervo: papareia. 

PILHAGENS E OUTRAS HISTÓRIAS


         Não canso de repetir que os jornais são vitrines para conhecer o passado. Obviamente que uma vitrine que precisa ser interpretada a partir do presente e que não reflete a realidade em si, cuja veracidade é construída num processo infinito e inesgotável. Lançando o olhar presente sobre o jornal ‘Diário do Rio Grande’, é possível depreender relações sociais e culturais de certa época e que estão estampadas nas manchetes e matérias. Situações corriqueiras podem ganhar uma dimensão internacional, como a ‘Questão Christie’ que quase levou o Brasil e a Inglaterra a um enfrentamento militar em 1861. O conflito diplomático nasceu nas costas do Albardão com o encalhamento e saque do navio inglês ‘Prince of Wales’. O saque não era um caso isolado como se depreende do naufrágio do navio francês Marie Emma. Pilhadores do litoral Extremo-Sul do Brasil e notícias cotidianas da cidade do Rio Grande, como a inauguração do Hospital Beneficência Portuguesa, é o cardápio selecionado para esta edição.

“Acha-se terminada a arrecadação dos salvados do brigue francês Marie Emma, apreciados mais ou menos em vinte contos de réis. (...) Sabendo S.S. (dr. Juiz de Direito) que a distância de 8 léguas do lugar do naufrágio aonde se achavam, vagava um indivíduo por nome Antonio Joaquim de Lima, conhecido por Bolo, que intitulando-se comandante de polícia assaltara ao capitão Boncheron e o saqueara bem como a sua senhora, piloto e mais tripulação, dirigiu-se para ali o sr. Dr. Canarim (Juiz do Comércio da 2. Vara) a frente de uma escolta do corpo de polícia e debaixo de um tempo tormentoso, passando banhados muito cheios efetuou a captura de Bolo sem a menor resistência, graças as acertadas providencias tomadas por S.S. por que é sabido que Bolo não é trigo limpo. Preso e escoltado o indigitado chefe dos salteadores dos náufragos do brigue francês Marie Emma, foi conduzido para esta cidade debaixo das vistas do mesmo sr. Dr. Juiz do Comércio e acha-se recolhido a cadeia civil. (...) e será sem dúvida um exemplo que muito moralizará o lado do sul da barra, que até aqui tem sido olhado com terror pelos contínuos roubos de que tem sido vítimas os navios naufragados em toda aquela costa”. 30 de junho de 1860.

“Os salvados do carregamento, lancha, casco e mais objetos pertencentes a barca inglesa Prince of Wales, produziu em leilão a quantia de um conto e trezentos mil réis mais ou menos. O casco foi vendido por 20$000!”. 3 de julho de 1861.

“A requisição do sr. Dr. Juiz Municipal da 2. Vara Antonio Ferreira Garcez, foi preso no Albardão e acha-se recolhido a cadeia desta cidade, o índio Mariano, para indagação sobre o saque dos salvados da barca inglesa naufragada naquelas praias Prince of Wales.” 6 de julho de 1861.

“Hoje pelas 10 horas da manhã terá lugar no salão da sociedade Euterpina, a eleição para a diretoria do Asilo Coração das Órfãs Desvalidas que se vai criar nesta cidade sob o título de Asilo do Coração de Maria.” 15 de agosto de 1861.

“Vende-se uma crioula de 19 anos com uma filha de um ano de idade, bonita figura, sadia, sem vícios, sabendo cozer perfeitamente, engomar, bordar e todo o mais serviço de uma casa; para ver e tratar no escritório de João Francisco a rua da Praia n. 131A . 19 de agosto de 1861.

“Fugiu um escravo de nome João Cipriano, estatura baixa, grosso de corpo, cara larga e fala grossa, tem os pés bastante arruinados de figos (moléstia), que não priva de andar com facilidade, porém é visível pelos pés um tanto grossos. Levou ponche preto, chapéu da mesma cor e calça preta; supõe-se seguir para a campanha pelo caminho de Sant’Ana ou por qualquer ponto para passar o Estado Oriental na linha; o dito crioulo é campeiro, domador, etc. Quem o apreender e levá-lo nesta cidade a Antonio José de Azevedo Machado ou em Pelotas a Machado & Belchior Xarqueadores, será bem gratificado.” 31 de agosto de 1861.

“Grande tem sido a matança de cães por parte da municipalidade nestes três últimos dias; cremos que se terão morto para mais de cem e, ao que nos informam, a carnificina continua. Cumpre agora que a câmara seja cuidadosa no destino que terá de dar a esses cadáveres, para que não sejam encontrados de quatro em quatro, atrás dos quintais ou em vários pontos do Pântano, junto a cidade. A câmara deve ordenar que esses animais mortos sejam queimados ou então enterrados muito além das trincheiras ou na Ilha dos Marinheiros, por que um tão grande número de corpos em putrefação pode empestar a atmosfera e causar sérios perigos. Antes que o mal cresça. Corte-se-lhe a cabeça”. 13 de setembro de 1861.

“Delegacia. Foram presos e recolhidos a cadeia por ordem do delegado: o marinheiro do patacho Cyro José Luiz Alves, por insultar uma patrulha; Joaquim Batista Estrela, por estar de orgia as 2 horas da noite; o pardo Frederico, escravo de Antonio Ferreira Pontes por andar fugido; a parda Cipriana, escrava de D. Maria Emilia, pelo mesmo motivo; o preto Antero, escravo da Santa Casa, a requisição do mordomo da mesma; Felisberto, escravo de João José Fernandes dos Reis, a requisição de seu senhor para ser castigado. Foram soltos: Antonio Xavier Monteiro, Pedro, escravo do Dr. Machado e a parda Maria Cipriana.” 14 de setembro de 1861.

“Sociedade Portuguesa de Beneficência. Tendo a diretoria deliberado comemorar o aniversário de S.M. El Rei de Portugal o sr. D. Pedro V, no dia 16 do corrente, convida-se aos srs. Sócios e ao público em geral para assistirem a missa que se há de celebrar na segunda feira, às 10 horas da manhã, no novo hospital na praça da Geribanda, casa que foi do falecido Rocha. O secretario. J. Duarte.” 14 de setembro de 1861.

“Ontem efetuou-se a inauguração do novo hospital da Sociedade de Beneficência tendo lugar pelas 10 horas a missa já anunciada a que assistiram além da diretoria da sociedade em corporação, o sr. general comandante da guarnição, o presidente da câmara municipal, muita famílias e grande número de sócios, tocando durante a cerimônia religiosa a banda de música do sr. José Maria Gomes. O novo hospital esteve todo o resto do dia até alta noite a exposição dos visitantes, que em grande número ali afluíram e se deleitavam ao som das bela peças que tocava a música, em ver a ordem e aceio das enfermarias, decoração da capelinha e de mais peças do novo estabelecimento.” 16 de setembro de 1861.


Rua Marechal Floriano com Francisco Marques em 1889. Acervo: Biblioteca Rio-Grandense.



sexta-feira, 20 de abril de 2018

CARTÕES-POSTAIS DO MERCADO PÚBLICO

A construção do Mercado Público da cidade do Rio Grande foi ordenada em 1841 pelo Dr. Saturnino de Souza Oliveira, Presidente da Província do Rio Grande do Sul. Em 1847, este projeto já estava implementado, mas suas dimensões eram pequenas em relação ao Mercado atual.
Desde 1847 há referência a obras que deveriam ser realizadas para ampliar o Mercado existente que não comportava o consumo de uma população de 12 mil habitantes no ano de 1852. A ampliação da área do Mercado para os patamares atuais é fruto destas obras iniciadas na primeira metade da década de 1850.
         Em 6 de setembro de 1853, relatório da Câmara Municipal destacava que o Mercado Público tornava-se mais acanhado à proporção que a população aumentava (...) “desta forma, em pouco tempo, ele se tornará insuficiente. Ora, tendo a Câmara de fazer construir um mercado ou banca de peixe, onde este possa ser vendido, com o asseio que exige a civilização de uma das principais cidades da província, atendeu como lhe cumpria a estas duas necessidades. O plano da Câmara é: fazer o mercado do peixe com disposições de ser aproveitado para fazer parte do aumento do mercado atual, quando as circunstâncias imperiosamente o exijam. Para levar a efeito este projeto pede a Câmara autorização para despender 3.000$000”.
De fato, o valor final dos gastos quando de sua conclusão em 1863, superaram 113 contos de réis. O Mercado Velho, durante e após a construção do Novo Mercado, continuou funcionando na área central até 1888 quando o vazio central ficou livre sendo utilizado pelos tabuleiros dos feirantes temporários.
O Mercado, de planta retangular, foi recebendo obras a partir da década de 1940, concluídas em 1959, as quais descaracterizaram parte de sua arquitetura original. A parte interna que originalmente tinha a cobertura aberta foi fechada sendo construídos chalés. A localização do Mercado é junto ao Cais do Porto Velho e tem uma das faces voltada para a Praça Xavier Ferreira, denominada popularmente - no século XIX – de Boulevard Rio-Grandense.



Mercado Público entre as décadas de 1910-1920. Acervo: GERODETTI & CORNEJO.

Mercado Público entre as décadas de 1910-1920. Acervo: Leonardo Barbosa.



O CARTÃO-POSTAL MAIS CARO DO MUNDO

No dia 9 de novembro de 1918 um jovem escritor francês faleceu vítima da gripe espanhola que fustigava a França, sendo enterrado no cemitério de Père-Lachaise em Paris. Seu nome é Guillaume Apollinaire que estava se consolidando como o maior representante das vanguardas do início do século XX.
Pablo Picasso era seu amigo pessoal e inclusive foi testemunha de casamento de Apollinaire. No dia 5 de setembro do “ano da peste” Picasso enviou um cartão-postal com uma imagem no anverso da cidade de Pau (sudoeste da França) e no verso o endereçamento foi acompanhado de um “desenho cubista da série natureza morta” que, contemporaneamente, se tornou uma obra de arte valiosa.
O cartão-postal foi leiloado em 2015, na Alemanha, pela Casa de Leilões Gärtner com um custo final para o comprador de 200 mil euros tornando-se o cartão-postal mais caro já comercializado.
O cartão nunca chegou às mãos do escritor francês, pois o espanhol Picasso endereçou como “Dom Guillermo Apollinaire” resultando na devolução pelo Correio Francês.  Apollinaire, ainda convalescendo dos ferimentos que sofreu durante a I Guerra em que serviu como combatente pela França (estilhaços na cabeça e perfuração do pulmão), nunca viu o cartão (que poderia ser entregue em mãos por Picasso), pois, teve a sua vida ceifada pela gripe no angustiante novembro de 1918. Picasso compareceu ao seu enterro, mas já era tarde para entregá-lo ao amigo.
Os dramas ligados a epidemia de Gripe Espanhola circularam pelos continentes e fizeram parte do cotidiano de multifacetadas culturas e estratos sociais. Seja um camponês, um operário, um presidente eleito do Brasil (Rodrigues Alves), uma criança, um jovem sadio ou um idoso: a gripe arrastou para a cama parte considerável da população do planeta e conduziu para os cemitérios um número desconhecido que as diferentes fontes quantificam entre 20 e 60 milhões de pessoas. 
Este ano de 2018 assinala o centenário da Gripe Espanhola a pandemia que assolou o planeta, desencadeou o medo e evidenciou a fragilidade dos sistemas de saúde. Apesar da gripe ainda ser um inimigo que não perdeu sua periculosidade, as pesquisas desenvolvidas nos últimos 100 anos propiciaram grandes avanços, especialmente, através da prevenção vacinal da gripe.
Neste centenário da Gripe Espanhola o tema será tratado em outras matérias ao longo do ano e estou preparando um livro que será lançado em agosto.
*Guillaume Apollinaire (1880 - 1918) foi um poeta francês, dramaturgo, escritor de contos, romancista e crítico de arte de ascendência polonesa. Apollinaire é considerado um dos principais poetas do início do século 20, bem como um dos defensores mais apaixonados do cubismo e um dos antepassados ​​do surrealismo.
Guillaume Apollinaire.




Cartão-postal suiço retratando os confrontos da I Guerra Mundial (1915).






quinta-feira, 19 de abril de 2018

O VALE DO DOURO

      A primeira região vitícola regulamentada é o Alto Douro no norte de Portugal. A paisagem do Vale do Rio Douro é constituído por encostas íngremes e solos pobres e acidentados. O trabalho humano para desenvolver atividades agrícolas do tipo mediterrâneo permitiu o desenvolvimento de um ecossistema onde as características do terreno são aproveitadas de forma exemplar, com a modelação da paisagem em socalcos, preservando-a da erosão e permitindo o cultivo da vinha.
         Nesta região é produzido o renomado vinho do Porto e outros vinhos de qualidade apreciada pelos consumidores em inúmeros países. O vinho do Porto é um vinho natural e fortificado, produzido exclusivamente a partir de uvas provenientes da Região Demarcada do Douro, a cerca de 100 km a leste da cidade do Porto, espaço portuário onde ocorria a exportação do produto.
       A fixação das populações que modelaram a paisagem recua a ocupação romana, e dele resultou uma realidade viva e em evolução, ao mesmo tempo testemunho do passado e motor do futuro, solidamente ancorado na otimização dos recursos naturais e na preservação das ambiências.
    Historicamente o Douro teve ocupação humana desde o Paleolítico Superior a cerca de 20 mil anos, inclusive com expressões artísticas: as pinturas rupestres. A presença da uva na região remonta há pelo menos quatro mil anos, pois foram escavadas grainhas carbonizadas (pequenas sementes). Os romanos ocupam a região no século I d.C. ocorrendo à intensificação da agricultura devido à construção de uma rede de estradas e pelas numerosas pontes que o Império construiu. O plantio da uva passa a ter destaque econômico que promove o surgimento de vilas agrárias especializadas no cultivo. A partir do século V, com a decadência da ocupação romana, as terras do Vale do Duro foram ocupadas por suevos e visigodos, povos bárbaros que são cristianizados. No século XVIII ocorre a ocupação muçulmana que marcará profundamente a Península Ibérica. Com as guerras movidas contra a ocupação árabe e a conseqüente independência, o reino português é criado em cinco de outubro de 1143, tendo por primeiro D. Afonso Henriques (1109-1185). Portugal começava a se projetar como um Estado Nacional que nos séculos seguintes se lançaria as aventuras marítimas e desenvolveria as tecnologias náuticas mais avanças daquela época.
          Na região do Douro, durante a Baixa Idade Média, nos séculos XII e XIII, a Ordem de Cister construiu mosteiros como o de São Pedro das Águias que edificou granjas nas encostas do Rio Douro e fortaleceu a presença da cristandade. A produção do vinho continuou a desenvolver-se, graças ao seu transporte para o Porto, através do rio Douro. As descobertas marítimas (séculos XV e XVI) promoveram o aumento da circulação no rio, uma vez que as viagens requeriam grandes quantidades de vinhos fortes para saciar os marinheiros. Avançando no tempo, entre os séculos XVII e XIX a Inglaterra passou a ser o principal consumidor dos vinhos produzidos no Douro, o que resultou na assinatura do Tratado de Methuen, em 1703, no qual o Reino Unido concedia direitos preferenciais aos vinhos portugueses, com a contrapartida de Portugal permitir a entrada livre dos tecidos britânicos em Portugal. O Marquês de Pombal criou a primeira região vitícola regulamentada do mundo, demarcando o Douro Vinhateiro (1757-1761), através da colocação de grandes marcos de granito, no terreno, com a palavra “Feitoria”.
          Entre crises e inovações biológicas e químicas, a região Douro recebeu na década de 1970, novas técnicas de plantio da vinha, em patamares, com muros de xisto delimitando os níveis. Em 2001, a UNESCO considerou o Alto Douro Vinhateiro fosse considerado Patrimônio Mundial da Humanidade (https://www.unescoportugal.mne.pt/pt/temas/proteger-o-nosso-patrimonio-e-promover-a-criatividade/patrimonio-mundial-em-portugal/alto-douro-vinhateiro).

Ilustrações: carros de bois e as pipas de vinho do Porto em Vila Nova de Gaia, 1905; azulejos portugueses na Estação ferroviária do Pinhão retratando cenários do Vale do Rio Douro e a viticultura. Acervo: http://www.cruzeiros-douro.pt










quarta-feira, 11 de abril de 2018

PALLIÈRE


Imagens platinas e do bioma pampa (que caracteriza grande parte do Rio Grande do Sul além do Uruguai e Argentina), foram retratadas pelo aquarelista Jean Pallière. Seus trabalhos são um documento do modo-de-vida característico da campanha/zona costeira do Rio Grande do Sul no século XIX. Com mais intensidade nas áreas de fronteira com o Uruguai e Argentina mas com hábitos disseminados por grande parte do meio rural Rio-grandense daquele século, os retratos de Pallière mostram cenários cotidianos e personagens que edificaram os elementos fundadores do vida rural, da presença indígena e da construção histórica do gaúcho platino/rio-grandense.
Jean Leon Pallière Grandjean Ferreira (Rio de Janeiro RJ 1823 - Paris, França 1887) foi litógrafo, aquarelista, decorador e professor. Muda-se para Paris em 1830, dando início aos seu aprendizado artístico. Em 1848, retorna ao Rio de Janeiro onde estuda na Academia Imperial de Belas Artes com novas viagens para a Europa. De volta ao Brasil, em 1855, no ano seguinte, muda-se para Buenos Aires, onde leciona desenho na Escuela Normal del Colegio de Huérfanos, e, dois anos mais tarde, vai para o Chile. No início da década de 1860, percorre o litoral brasileiro, visitando Bahia, Rio de Janeiro, Paraná e Santa Catarina. Em 1864, publica o Album Pallière. Escenas Americanas. Reducción de Cuadros, Aquarelles y Bosquejos, composto de cerca de 50 litografias de trabalhos realizados em suas viagens (http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa23476/jean-leon-palliere).
Além da qualidade da pintura de Pallière, sua obra tem uma dimensão social que possibilita realizar estudos dos hábitos, indumentárias, técnicas, lúdico e sexualidade das sociedades platinas oitocentista.

Ilustrações: La Pulperia; baile; Pulperia; gaúcho e chinoca. Jean Pallière (período de 1855-1866).