Porto do Rio Grande em 1908

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sábado, 21 de abril de 2018

PILHAGENS E OUTRAS HISTÓRIAS


         Não canso de repetir que os jornais são vitrines para conhecer o passado. Obviamente que uma vitrine que precisa ser interpretada a partir do presente e que não reflete a realidade em si, cuja veracidade é construída num processo infinito e inesgotável. Lançando o olhar presente sobre o jornal ‘Diário do Rio Grande’, é possível depreender relações sociais e culturais de certa época e que estão estampadas nas manchetes e matérias. Situações corriqueiras podem ganhar uma dimensão internacional, como a ‘Questão Christie’ que quase levou o Brasil e a Inglaterra a um enfrentamento militar em 1861. O conflito diplomático nasceu nas costas do Albardão com o encalhamento e saque do navio inglês ‘Prince of Wales’. O saque não era um caso isolado como se depreende do naufrágio do navio francês Marie Emma. Pilhadores do litoral Extremo-Sul do Brasil e notícias cotidianas da cidade do Rio Grande, como a inauguração do Hospital Beneficência Portuguesa, é o cardápio selecionado para esta edição.

“Acha-se terminada a arrecadação dos salvados do brigue francês Marie Emma, apreciados mais ou menos em vinte contos de réis. (...) Sabendo S.S. (dr. Juiz de Direito) que a distância de 8 léguas do lugar do naufrágio aonde se achavam, vagava um indivíduo por nome Antonio Joaquim de Lima, conhecido por Bolo, que intitulando-se comandante de polícia assaltara ao capitão Boncheron e o saqueara bem como a sua senhora, piloto e mais tripulação, dirigiu-se para ali o sr. Dr. Canarim (Juiz do Comércio da 2. Vara) a frente de uma escolta do corpo de polícia e debaixo de um tempo tormentoso, passando banhados muito cheios efetuou a captura de Bolo sem a menor resistência, graças as acertadas providencias tomadas por S.S. por que é sabido que Bolo não é trigo limpo. Preso e escoltado o indigitado chefe dos salteadores dos náufragos do brigue francês Marie Emma, foi conduzido para esta cidade debaixo das vistas do mesmo sr. Dr. Juiz do Comércio e acha-se recolhido a cadeia civil. (...) e será sem dúvida um exemplo que muito moralizará o lado do sul da barra, que até aqui tem sido olhado com terror pelos contínuos roubos de que tem sido vítimas os navios naufragados em toda aquela costa”. 30 de junho de 1860.

“Os salvados do carregamento, lancha, casco e mais objetos pertencentes a barca inglesa Prince of Wales, produziu em leilão a quantia de um conto e trezentos mil réis mais ou menos. O casco foi vendido por 20$000!”. 3 de julho de 1861.

“A requisição do sr. Dr. Juiz Municipal da 2. Vara Antonio Ferreira Garcez, foi preso no Albardão e acha-se recolhido a cadeia desta cidade, o índio Mariano, para indagação sobre o saque dos salvados da barca inglesa naufragada naquelas praias Prince of Wales.” 6 de julho de 1861.

“Hoje pelas 10 horas da manhã terá lugar no salão da sociedade Euterpina, a eleição para a diretoria do Asilo Coração das Órfãs Desvalidas que se vai criar nesta cidade sob o título de Asilo do Coração de Maria.” 15 de agosto de 1861.

“Vende-se uma crioula de 19 anos com uma filha de um ano de idade, bonita figura, sadia, sem vícios, sabendo cozer perfeitamente, engomar, bordar e todo o mais serviço de uma casa; para ver e tratar no escritório de João Francisco a rua da Praia n. 131A . 19 de agosto de 1861.

“Fugiu um escravo de nome João Cipriano, estatura baixa, grosso de corpo, cara larga e fala grossa, tem os pés bastante arruinados de figos (moléstia), que não priva de andar com facilidade, porém é visível pelos pés um tanto grossos. Levou ponche preto, chapéu da mesma cor e calça preta; supõe-se seguir para a campanha pelo caminho de Sant’Ana ou por qualquer ponto para passar o Estado Oriental na linha; o dito crioulo é campeiro, domador, etc. Quem o apreender e levá-lo nesta cidade a Antonio José de Azevedo Machado ou em Pelotas a Machado & Belchior Xarqueadores, será bem gratificado.” 31 de agosto de 1861.

“Grande tem sido a matança de cães por parte da municipalidade nestes três últimos dias; cremos que se terão morto para mais de cem e, ao que nos informam, a carnificina continua. Cumpre agora que a câmara seja cuidadosa no destino que terá de dar a esses cadáveres, para que não sejam encontrados de quatro em quatro, atrás dos quintais ou em vários pontos do Pântano, junto a cidade. A câmara deve ordenar que esses animais mortos sejam queimados ou então enterrados muito além das trincheiras ou na Ilha dos Marinheiros, por que um tão grande número de corpos em putrefação pode empestar a atmosfera e causar sérios perigos. Antes que o mal cresça. Corte-se-lhe a cabeça”. 13 de setembro de 1861.

“Delegacia. Foram presos e recolhidos a cadeia por ordem do delegado: o marinheiro do patacho Cyro José Luiz Alves, por insultar uma patrulha; Joaquim Batista Estrela, por estar de orgia as 2 horas da noite; o pardo Frederico, escravo de Antonio Ferreira Pontes por andar fugido; a parda Cipriana, escrava de D. Maria Emilia, pelo mesmo motivo; o preto Antero, escravo da Santa Casa, a requisição do mordomo da mesma; Felisberto, escravo de João José Fernandes dos Reis, a requisição de seu senhor para ser castigado. Foram soltos: Antonio Xavier Monteiro, Pedro, escravo do Dr. Machado e a parda Maria Cipriana.” 14 de setembro de 1861.

“Sociedade Portuguesa de Beneficência. Tendo a diretoria deliberado comemorar o aniversário de S.M. El Rei de Portugal o sr. D. Pedro V, no dia 16 do corrente, convida-se aos srs. Sócios e ao público em geral para assistirem a missa que se há de celebrar na segunda feira, às 10 horas da manhã, no novo hospital na praça da Geribanda, casa que foi do falecido Rocha. O secretario. J. Duarte.” 14 de setembro de 1861.

“Ontem efetuou-se a inauguração do novo hospital da Sociedade de Beneficência tendo lugar pelas 10 horas a missa já anunciada a que assistiram além da diretoria da sociedade em corporação, o sr. general comandante da guarnição, o presidente da câmara municipal, muita famílias e grande número de sócios, tocando durante a cerimônia religiosa a banda de música do sr. José Maria Gomes. O novo hospital esteve todo o resto do dia até alta noite a exposição dos visitantes, que em grande número ali afluíram e se deleitavam ao som das bela peças que tocava a música, em ver a ordem e aceio das enfermarias, decoração da capelinha e de mais peças do novo estabelecimento.” 16 de setembro de 1861.


Rua Marechal Floriano com Francisco Marques em 1889. Acervo: Biblioteca Rio-Grandense.



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