O
Noticiador foi o primeiro jornal editado em Rio Grande. Perdurou
entre 3 de janeiro de 1832 e 9 de janeiro de 1836 e tinha como editor Francisco
Xavier Ferreira, que faleceu de forma trágica em prisão do governo central após
a eclosão da Revolução Farroupilha. Além dele, outro personagem que escrevia neste jornal morreu de forma trágica. Seu nome era Bernardo José Viegas,
padre católico, político, maçon e defensor de princípios liberais. Seu
assassinato ocorreu no dia 3 de outubro de 1833, quando recebeu um tiro estando
na soleira da porta central da Capela de São Francisco. O assassino nunca foi
preso. A porta da capela em que o padre Viegas foi alvejado foi lacrada “para
sempre” conforme determinação do Bispo do Rio de Janeiro, dom José Caetano da
Silva Coutinho.
O
contexto de fundo para estes acontecimentos está no período regencial, iniciado
após a abdicação de D. Pedro I em 7 de abril de 1831 e que perdurou até a
maioridade de D. Pedro II em 1840. No ano de 1833, o clima era de tensão no
Brasil devido às iniciativas de restauradores portugueses que desejavam o
retorno de D. Pedro I ao poder favorecendo os interesses lusitanos em
detrimento dos brasileiros. Interessante é que a grande comemoração da
Independência do Brasil não era realizada no dia 7 de setembro, mas, no dia 7 de
abril, por ser a data da abdicação de D. Pedro I. O Noticiador, de forma
incisiva, atacava todas as iniciativas restauradoras que teriam um caráter
contrário a independência e soberania brasileira acreditando numa possível
recolonização do Brasil por Portugal.
Esta
história está nas edições do jornal O Noticiador do ano de 1833 e foram
pesquisadas por Francisco Riopardense de Macedo no livro Diário de um
Conflito (Rio Grande: Editora da FURG, 2003).
O PADRE VIEGAS
O
padre Bernardo José Viegas, era do Bispado de Coimbra, vindo ao Brasil e
seguindo a carreira eclesiástica. Fixou residência na então Vila do Rio Grande
de São Pedro. Membro da maçonaria foi um dos fundadores da Sociedade Defensora
da Liberdade e Independência Nacional. Atuou na promotoria pública, advocacia e
como professor. Era um combatente da restauração e defensor do nacionalismo. No
mês de abril de 1833 foi eleito Deputado junto com o amigo Francisco Xavier
Ferreira e de Bento Gonçalves da Silva. Com o assassinato do padre Viegas, o
jornal O Noticiador na edição de 7 de outubro, dedicou um espaço na
necrologia: “Temos de noticiar aos nossos leitores o mais atroz e o mais
escandaloso atentando contra as leis, contra a moral e contra a ordem e
segurança individual. O cidadão Bernardo José Viegas, Presbítero Secular,
brasileiro adotivo e morador nesta vila há mais de onze anos, foi vil e
atraiçoadamente assassinado no dia 3 do corrente, logo ao anoitecer. Este
denodado patriota tinha saído de sua casa para ir à de seus amigos conversar,
como era de costume. Ao passar pela capela de São Francisco, que estava
iluminada e a cuja porta se haviam lançado foguetes, o monstro que talvez o
esperasse ou seguisse, tendo-o bem reconhecido, lhe disparou um tiro que poucos
minutos viveu e se evadiu para ir se asilar no antro da perversidade, que longe
não seria. A vida pública e particular deste cidadão não constitui o réu de
outro crime se não de ser aferrado à liberdade geral, ao sistema jurado e à
prosperidade da pátria que tenha escolhido: além disto, era eleitor, promotor
público, professor de cadeira de ensino mútuo, presidente da Sociedade
Defensora e, pelo seu talento e habilidade, advogava com crédito e honra
algumas causas que lhe confiaram seus amigos e concidadãos. Isto era bastante
para ter inimigos e irritar a função retrógrada de alguns Chic... que quer ser
preponderante nesta vila e tratar destes negócios com exclusão, e este é também
o motivo, segundo é público, por que perpetraram semelhante assassinato.
Monstros! Que dano vos fazia este infeliz? Assim se atacam as leis? Assim se
ataca a segurança pública? E as garantiras do homem em sociedade? E ficará
impune este horroroso acontecimento? Ficará, pois que a impunidade está na
ordem do dia, e a polícia em total abandono.
Brasileiros!
Este atentado pede vingança, mãos sacrílega se mancharam no sangue do nosso
compatriota, de um cidadão pacífico e inerme. Não sejais indiferentes à
enormidade de tal crime. A liberdade não consiste só em palavras, porém em
sustentar os nossos direitos sagrados, atropelados na pessoa do Sr. Viegas, o
delito atroz nele praticado ameaça as nossas vidas e a existência da pátria
livre: os assassinos passeiam entre nós, marcam as suas vítimas, quem sabe se
nós seremos a segunda? Brasileiros, coragem, vingança. O tribunal de júri está
a instalar-se, a junta de paz está em exercício, os malvados querem atirar-vos!
Avante! E se o senhor Bernardo José Viegas acabou a sua carreira vítima dos
seus liberais sentimentos, elevai templos a sua memória: cobri-vos de luto”.
O
jornal também denunciou que dois dias após o assassinato, foi dado um tiro para
dentro de uma casa e passou a circular a informação de uma lista em que várias
pessoas seriam eliminadas, o que desencadeou um período de medo na Vila.
Acreditava-se que a próxima vítima poderia ser Francisco Xavier Ferreira, o
qual fez a seguinte manifestação: “Ao meu conhecimento chegou, e a passada
noite fui ocular testemunha, que vós, desde a infeliz noite do bárbaro
assassinato do Padre Bernardo José Viegas, zelosos da conservação dos meus já
cansados dias, tendes rondado efetivas e prolongadas horas a minha casa,
dispostos a defender a minha vida, ameaçada pela mesma califa retrógrada que
cortou o fio à existência do inocente patriota. Este generoso e voluntário
sacrifício muito tem penhorado o meu coração assaz atribulado pelo execrando
atentado de 3 de outubro pelo terror que espalhou nesta vila e, sobretudo pela
crise em que vejo o nosso país digno, certamente, de melhor sorte, porém, sendo
desonroso ao cidadão brasileiro sucumbir a desgraças quando se trata da
salvação da pátria, muito me animo para dar-vos os mais sinceros agradecimentos
pela parte ativa que tendes tomado na proteção da minha existência e, em
retribuição a tão assinalado favor, vos ofereço, cidadão patriotas, a minha
pequena fortuna e tudo quanto possuo para ajudar-vos a sustentar a ordem e a
tranqüilidade pública, e defendermos a liberdade, a independência, o trono do
Senhor Dom Pedro Segundo, com exclusão expressa e formas de outra qualquer
pretendente, e a Constituição do Império, com as reformas federativas legais. O
Supremo Árbitro do Mundo vos guarde. Cidadãos Patriotas, Rio Grande, 8 de
outubro de 1833”.
A
acirrada disputa entre liberais e restauradores foi se acentuando, num período
dos mais turbulentos da história do Brasil, ligado as rebeliões provinciais que
passam a questionar a estrutura de dominação concentrada no Governo Central. O
foco foge dos restauradores portugueses e passa a voltar-se contra a
centralização político-administrativa conservadora que seria questionada em
discursos liberais e pelas armas com a Revolução Farroupilha em setembro de
1835, num prelúdio dos dez anos dramáticos do confronto entre imperiais e
farroupilhas.
Jornal O Noticiador criado em 1832 de orientação liberal radical. |
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