Porto do Rio Grande em 1908

Porto do Rio Grande em 1908

segunda-feira, 30 de outubro de 2017

CARTÕES E MEMÓRIAS

Acabo de finalizar o meu último livro e convido a todos os leitores interessados a acessarem o meu blog “historiaehistoriografiadors.blogspot.com.br”. O título do livro é: “Ricardo Strauch: um pioneiro dos cartões-postais no Brasil”. A pesquisa foi exaustiva, mas, os resultados foram promissores! Nos últimos anos tenho feito o levantamento de cartões-postais para deixar registrada cientificamente a importância que Rio Grande teve no pioneirismo da cartofilia no Brasil. A qualidade dos cartões produzidos na cidade deve ser divulgada assim como as amplas possibilidades de leituras do passado urbano e rural que os cartões propiciam investigar.
Um editor que me chamou a atenção foi Ricardo Strauch que se estabeleceu no ramo de editoração no ano de 1887. A Livraria Rio-Grandense/R. Strauch teve uma longa vida até seu fechamento em 1942. No final do século 19 e primeiras duas décadas do século 20, foram produzidos um grande número de cartões nesta Livraria. Após longa pesquisa, mas que não esgotou as coleções lançadas, consegui ter acesso a imagem de cinqüenta e sete cartões-postais. Estes cartões estão sendo reproduzidos no livro como uma forma de preservação de uma memória iconográfica que está sendo perdida ou que é desconhecida de grande parte da população local.
O filósofo Walter Benjamin relacionava os cartões com princípios de globalização cultural e suas imagens multifacetadas permitiam viajar pelos mais diferentes pontos do planeta sem sair do lugar. Obvio que toda produção imagética está permeada por representações, inserções e exclusões de cenários e personagens, mas está repleta de lugares do cotidiano e até de lugares de memória (no olhar do tempo presente). Benjamin era um colecionador de cartões-postais, sem abandonar ele transcendeu o olhar crítico para apenas entronizar o prazer da viagem mental pelo patrimônio e culturas dos continentes.     
O livro que está sendo lançado é uma coleta de cacos da história (fragmentos de imagens) e buscou evidenciar o cartão-postal como fonte para o estudo da história e de outras ciências. Mas também procurou preservar e fazer conhecer as experiências avançadas que nasceram em nossa urbe e que circularam pelo planeta: através das imagens clicadas por fotógrafos e coloridas/retocadas artisticamente, Rio Grande se fez conhecer nas mais diferentes cidades e nacionalidades. E diria que no presente, olhar para estas imagens é ver a dialética do tempo que preserva/desconstrói espaços públicos; é olhar para personagens anônimos das ruas e saber que várias gerações já os sucederam e pensar na contribuição que deixaram; é difícil ficar indiferente ao pensar nas trajetórias de vida/patrimônio e nas expectativas da cidade que queremos no presente.

Portanto, está feito o convite para conhecer a obra que está disponível gratuitamente neste blog. 








AVIAÇÃO COMERCIAL NO BRASIL: 90 ANOS

Visitei (no dia 03-10-2017) a Exposição organizada pelo Centro Philatélico do Rio Grande (fundado em 1931). O Centro está lançando uma Folha Comemorativa aos 90 anos da Aviação Comercial no Brasil e uma coleção de selos (Correios) para demarcar o pioneirismo da aviação com participação decisiva de comerciantes da cidade do Rio Grande. Documentos e objetos relativos aos primórdios da aviação comercial fazem parte deste rememorar que deverá ficar exposto para visitação no prédio da Justiça Federal.
Na Exposição que ocorreu junto aos Correios conversei com o Sr. Alfredo Perez e em nome dele estendo os parabéns a todos os que contribuíram para demarcar esta data magna da aviação brasileira.   
Há dez anos, tratei deste tema em três matérias do Memória & História. As informações eram passadas pelo amigo Walter Albrecht. Ele foi um protagonista dos fatos que colocaram a cidade que ele tanto se dedicou em sua vida pública no centro do processo de criação da aviação comercial. Este tema sempre será motivo de lembrar este cidadão exemplar e dedicado a qualificar e valorizar a sua terra natal.
Foi no ano de 1927 que estes eventos transcorreram, mas, tiveram início no ano anterior.  Em 19 de novembro de 1926, Rio Grande foi à primeira cidade do Brasil a receber um avião comercial que vinha do Uruguai. Hans Luther, ex-chanceler da Alemanha, tinha a missão de divulgar na América Latina avião comercial enquanto meio de transporte. Ele foi recebido pela colônia alemã no Clube Germânia e cumpriu seu papel de difundir a aviação alemã como confiável e plantou a semente em buscar estabelecer parcerias para capitalização. A visita teve desdobramentos, pois, dias após a visita de Luther, uma assembléia foi realizada na empresa Fraeb & Cia com a presença de vários comerciantes locais e de um representante do Condor Syndikat (subsidiária da Lufthansa e representante da Alemanha). Este núcleo inicial acabou se tornando acionistas quando da criação da Varig.
No dia 3 de fevereiro de 1927, o Condor Syndikat (que era representada em Rio Grande pela C. Albrecht & Cia) inaugurou o vôo entre Rio Grande e Porto Alegre com escala em Pelotas: a primeira linha comercial do Brasil! Também no dia 3 de fevereiro foi inaugurada a primeira estação de embarque e desembarque e oficina para aviões comerciais no Brasil. Localizava-se na rua Presidente Vargas 673 (em prédio já demolido) e que tinha por fundos o Saco da Mangueira onde ocorria os pousos e as decolagens.
A inauguração oficial da Linha da Lagoa (primeira linha comercial, regular e diária no Brasil) se deu em 22 de fevereiro de 1927. O hidroavião Atlântico saiu da cidade do Rio Grande, decolando do Saco da Mangueira, às 6:45. Fez uma escala em Pelotas e o destino era Porto Alegre, sobrevoando a Lagoa dos Patos entre 20 e 30 metros de altura. Para a época, uma velocidade de cruzeiro de 160 km/h deveria dar a sensação para os passageiros de estar num “supersônico”.
No dia 28 de março é inaugurado o primeiro Serviço Postal Aéreo administrado pelo Condor Syndikat com selos editados em Berlim. A segunda linha comercial área brasileira remete ao dia 27 de abril ligando Rio Grande com Santa Vitória do Palmar.
 Constatamos que antes da criação da Varig, que ocorreu em Porto Alegre em 7 de maio de 1927, desde o dia 3 de fevereiro já ocorriam vôos comerciais. A Condor Syndikat foi o trampolim para a criação da Varig que teve como primeira administração oito pessoas de Porto Alegre, oito de Rio Grande, duas de Pelotas, três do Rio de Janeiro e uma da Alemanha. Acionistas de Rio Grande eram os segundo maiores investidores. O Diretor Gerente eleito foi Otto Ernest Meyer e o seu suplente Carlos Albrecht Júnior. O mesmo hidroavião Atlântico que foi utilizado nos vôos em Rio Grande foi adquirido pela Varig para atividades em Porto Alegre (é a primeira aeronave no Registro Aeronáutico Brasileiro).
Carlos Albrecht Júnior foi um articulador e viabilizador dos primeiros passos da Condor Syndikat e da Varig. Faleceu, prematuramente, em 1930. Seu filho, Walter Albrecht, me relatou que ele foi socorrer um hidroavião acidentado no Saco da Mangueira num dia chuvoso e frio. Nos dias seguintes teve uma forte gripe que nas semanas seguintes confluiu para o mal do século: a tuberculose. O Relatório de 1930 da Diretoria da Varig fez referência ao seu falecimento: “Quase todos vós conhecestes esse nosso representante em Rio Grande, Sr. Carlos Albrecht Júnior, e sabeis com que forte interesse e incansável aplicação o mesmo participou da fundação e desenvolvimento da Varig. (...) Vários dirigentes de empresas atestam o respeito e a admiração que os mesmos lhe devotam, por tudo que fizera nos primórdios da aviação comercial no Brasil”.  

Reproduzo os cinco selos e a capa da Folha Comemorativa editada pelo Centro Philatélico do Rio Grande. A “Folha” traz um histórico do Pioneirismo da Cidade do Rio Grande na Aviação Comercial no Brasil e tem uma tiragem de mil unidades numeradas. O material além de demarcar os eventos também se torna um documento histórico de uma época em que Rio Grande antecipou o futuro e acreditou no sonho do homem voar num veículo mais pesado que o ar. 









JACOB RHEINGANTZ

 “A agricultura será a salvação da Província do Rio Grande; e os seus filhos que isso reconhece, muito terão feito na Assembléia Provincial para animar o seu desenvolvimento. O lado norte da Província tendo abraçado com fervor esse ramo de vida, acha-se hoje florescente, enquanto que o sul definha por cuidar meramente do gado vacum. Verdade é que se fizeram algumas experiências com as projetadas colônias do Monte Bonito e do Fragata, mas, ou por falta de vontade ou por esterilidade do terreno, nenhuma das duas chegou a vingar! Hoje as coisas têm tomado outro rumo e, ao que parece, o município de Pelotas passará em breve a ter um estabelecimento colonial graças aos esforços de um estrangeiro ativo e laborioso, o sr. Jacob Rheingantz que, compenetrando-se dessa necessidade, tomou a deliberação de ir à Europa engajar braços”. Diário do Rio Grande, 9 de janeiro de 1858.

            No dia 10 de agosto de 1817 nascia Jacob Rheingantz em Sponheim (Prússia Renana) atual Alemanha. Seu nome está ligado ao empreendimento de fundação da Colônia de São Lourenço (1858), mas seus filhos, especialmente, Carlos Guilherme Rheingantz deixou um legado na cidade do Rio Grande em termos de empreendedorismo industrial com a primeira fábrica de tecidos do Brasil.     
Jacob residiu em Rio Grande e Pelotas, atuando no ramo comercial e divulgando a necessidade em trazer imigrantes alemães e pomeranos para o Rio Grande do Sul. Eram colônias agrícolas em minifúndios onde toda a família trabalhava a terra. A mentalidade da época era o escravismo e o latifúndio pecuarista/a atividade charqueadora, bases do Rio Grande do Sul tradicional. Neste sentido, Jacob Rheingantz buscou trazer para a Serra dos Tapes e para a Metade Sul a experiência que havia sido iniciada pelos colonos alemães em São Leopoldo e posteriormente, em diversas localidades do vale dos rios.
Jacob conheceu Maria Carolina Von Fella, que nasceu a bordo de uma fragata dinamarquesa que adentrara a Barra do Rio Grande em novembro de 1829. Ela era filha única do irlandês Barão Carlos Adams Von Fella. No ano de 1848, Jacob e Maria Carolina casaram e nos anos seguintes tiveram dez filhos. O primeiro, nascido em abril de 1849, teve o nome projetado nacionalmente: o comendador Carlos Guilherme Rheingantz, proprietário da primeira grande indústria gaúcha. Apenas para lembrar de outro filho de Jacob que teve participação destacada em Rio Grande foi Oscar Felipe Rheingantz (advogado, promotor público e administrador na Rheingantz/União Fabril).  
Jacob Rheingantz morreu do coração aos 60 anos de idade na cidade de Hamburgo.
Ilustrações: Jacob e Maria Carolina em 1848; Jacob Rheingantz. Acervo: http://familiarheingantz.blogspot.com.br



Carlos Guilherme Rheingantz, 1889. 

VERSOS ANTI-FARROUPILHAS NOS PRIMÓRDIOS DA REVOLUÇÃO

Na semana passada apresentei um trabalho no XII Seminário Internacional de História da Literatura (PUCRS). O assunto tratou de um poema publicado no jornal da cidade do Rio Grande “O Mercantil” n° 19 de abril de 1836. O jornal “O Mercantil” foi criado no ano de 1836 e sua linha editorial era voltada a defesa do Império Brasileiro. Foi um periódico que combateu o ideário liberal-radical dos farroupilhas através de suas matérias noticiosas e nos relatos dos movimentos militares na própria cidade e em outras áreas do Rio Grande do Sul. Um fator de atração para as pesquisas neste periódico é o espaço destinado à expressão poética. Na edição do dia 25 de abril de 1836 foi publicado “Profecias de um Velho Cacique” cujo autor anônimo se denomina “um curioso”.  O poema faz um agressivo e ácido ataque a nomes célebres no panteão farroupilha, promovendo uma definição dos “inimigos do Império Brasileiro” já nos primeiros meses do conflito que se estendeu por dez anos.
O autor, anônimo, afirma que o poema tem uma história. São as “profecias de um velho Cacique recitadas por um de seus descendentes a um Jesuíta no distrito de Missões (que as traduziu) as quais foram achadas entre os papéis do reverendo Padre, na ocasião da dissolução daquela sociedade e agora dadas a luz por um curioso”.
Criatividade não faltou ao autor que relacionou a derrocada do projeto jesuítico-missioneiro após a Guerra Guaranítica (pós-1756) com a Revolução Farroupilha que estava apenas tendo início. O autor faz referência à grande parte do panteão de nomes que foram notabilizados pela historiografia regional como agentes de construção da identidade rio-grandense. No início do conflito que se estenderia até 1845, é feito um feroz ataque aos “rebeldes” que “ultrajavam o Império Brasileiro”.
O tema é exemplar para repormos o processo histórico e o separarmos da construção de representações. Com a edificação do monumento-túmulo a Bento Gonçalves da Silva (1900-1909), se construiu uma visão de que Rio Grande era uma cidade farroupilha no período Imperial. De fato, muitos seguidores do liberalismo radical estavam atuantes na cidade (como exemplo, Francisco Xavier Ferreira e o jornal O Noticiador). Mas também havia jornais que defendiam o Império, como é o caso de O Mercantil entre outros. A localização estratégica da Barra do Rio Grande com o único porto marítimo da Província do Rio Grande de São Pedro fizeram de Rio Grande um controle militar essencial para o Império Brasileiro. A perseguição aos seguidores do liberalismo se fez desde o desencadear da Revolução em setembro de 1835 e a tensão por uma possível invasão farroupilha terá o seu epílogo quando da frustrada tentativa de ocupação de São José do Norte em 16 de julho de 1840. Portanto, Rio Grande nunca foi controlada pelos farroupilhas, mas que fez parte da organização intelectual de liberais radicais que aqui moravam ou que dependiam do Porto Velho para viabilização de seus negócios (pecuarista ou charqueadores insatisfeitos com as políticas imperiais). De outro lado, a presença de comerciantes não farroupilhas dependentes do modal marítimo ajuda a entender o apoio ao Império: o movimento farroupilha levou ao rompimento com o governo central brasileiro que era o maior destino das exportações brasileiras.
O teor depreciativo e de afronta aos farroupilhas pauta o poema que foi escrito no calor de um conflito sanguinário que estava apenas começando a tomar forma. Um pequeno trecho é reproduzido a seguir.  
“Vós, oh gentes futuras,
Escutai as minhas trovas;
Se vos parecerem duras
Consultai, tirai as provas,
Achareis verdades puras.

Passada a era de mil,
Depois de mil maravilhas,
Lá nos confins do Brasil,
Um bando de farroupilhas
Dará pasto ao gênio vil.

Há de tantas desgraças
Famílias espavoridas!
Deixando suas moradas,
Por fugir aos patricidas
De seus lares desterradas!

De meus olhos corre o pranto,
Turva-se a vista serena;
Cheio d’assombro e d’espanto,
Mal posso reger a pena

Ao lembrar-me estrago tanto (...)”.