Na
semana passada apresentei um trabalho no XII Seminário Internacional de
História da Literatura (PUCRS). O assunto tratou de um poema publicado no
jornal da cidade do Rio Grande “O Mercantil” n° 19 de abril de 1836. O jornal
“O Mercantil” foi criado no ano de 1836 e sua linha editorial era voltada a
defesa do Império Brasileiro. Foi um periódico que combateu o ideário
liberal-radical dos farroupilhas através de suas matérias noticiosas e nos
relatos dos movimentos militares na própria cidade e em outras áreas do Rio
Grande do Sul. Um fator de atração para as pesquisas neste periódico é o espaço
destinado à expressão poética. Na edição do dia 25 de abril de 1836 foi
publicado “Profecias de um Velho Cacique” cujo autor anônimo se denomina “um
curioso”. O poema faz um agressivo e
ácido ataque a nomes célebres no panteão farroupilha, promovendo uma definição
dos “inimigos do Império Brasileiro” já nos primeiros meses do conflito que se
estendeu por dez anos.
O
autor, anônimo, afirma que o poema tem uma história. São as “profecias de um
velho Cacique recitadas por um de seus descendentes a um Jesuíta no distrito de
Missões (que as traduziu) as quais foram achadas entre os papéis do reverendo
Padre, na ocasião da dissolução daquela sociedade e agora dadas a luz por um
curioso”.
Criatividade
não faltou ao autor que relacionou a derrocada do projeto jesuítico-missioneiro
após a Guerra Guaranítica (pós-1756) com a Revolução Farroupilha que estava
apenas tendo início. O autor faz referência à grande parte do panteão de nomes
que foram notabilizados pela historiografia regional como agentes de construção
da identidade rio-grandense. No início do conflito que se estenderia até 1845,
é feito um feroz ataque aos “rebeldes” que “ultrajavam o Império Brasileiro”.
O
tema é exemplar para repormos o processo histórico e o separarmos da construção
de representações. Com a edificação do monumento-túmulo a Bento Gonçalves da
Silva (1900-1909), se construiu uma visão de que Rio Grande era uma cidade
farroupilha no período Imperial. De fato, muitos seguidores do liberalismo
radical estavam atuantes na cidade (como exemplo, Francisco Xavier Ferreira e o
jornal O Noticiador). Mas também havia jornais que defendiam o Império, como é
o caso de O Mercantil entre outros. A localização estratégica da Barra do Rio
Grande com o único porto marítimo da Província do Rio Grande de São Pedro
fizeram de Rio Grande um controle militar essencial para o Império Brasileiro.
A perseguição aos seguidores do liberalismo se fez desde o desencadear da Revolução
em setembro de 1835 e a tensão por uma possível invasão farroupilha terá o seu
epílogo quando da frustrada tentativa de ocupação de São José do Norte em 16 de
julho de 1840. Portanto, Rio Grande nunca foi controlada pelos farroupilhas,
mas que fez parte da organização intelectual de liberais radicais que aqui
moravam ou que dependiam do Porto Velho para viabilização de seus negócios
(pecuarista ou charqueadores insatisfeitos com as políticas imperiais). De
outro lado, a presença de comerciantes não farroupilhas dependentes do modal
marítimo ajuda a entender o apoio ao Império: o movimento farroupilha levou ao
rompimento com o governo central brasileiro que era o maior destino das
exportações brasileiras.
O
teor depreciativo e de afronta aos farroupilhas pauta o poema que foi escrito
no calor de um conflito sanguinário que estava apenas começando a tomar forma.
Um pequeno trecho é reproduzido a seguir.
“Vós, oh gentes futuras,
Escutai as minhas trovas;
Se vos parecerem duras
Consultai, tirai as provas,
Achareis verdades puras.
Passada a era de mil,
Depois de mil maravilhas,
Lá nos confins do Brasil,
Um bando de farroupilhas
Dará pasto ao gênio vil.
Há de tantas desgraças
Famílias espavoridas!
Deixando suas moradas,
Por fugir aos patricidas
De seus lares desterradas!
De meus olhos corre o
pranto,
Turva-se a vista serena;
Cheio d’assombro e
d’espanto,
Mal posso reger a pena
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