Porto do Rio Grande em 1908

Porto do Rio Grande em 1908

segunda-feira, 30 de outubro de 2017

VERSOS ANTI-FARROUPILHAS NOS PRIMÓRDIOS DA REVOLUÇÃO

Na semana passada apresentei um trabalho no XII Seminário Internacional de História da Literatura (PUCRS). O assunto tratou de um poema publicado no jornal da cidade do Rio Grande “O Mercantil” n° 19 de abril de 1836. O jornal “O Mercantil” foi criado no ano de 1836 e sua linha editorial era voltada a defesa do Império Brasileiro. Foi um periódico que combateu o ideário liberal-radical dos farroupilhas através de suas matérias noticiosas e nos relatos dos movimentos militares na própria cidade e em outras áreas do Rio Grande do Sul. Um fator de atração para as pesquisas neste periódico é o espaço destinado à expressão poética. Na edição do dia 25 de abril de 1836 foi publicado “Profecias de um Velho Cacique” cujo autor anônimo se denomina “um curioso”.  O poema faz um agressivo e ácido ataque a nomes célebres no panteão farroupilha, promovendo uma definição dos “inimigos do Império Brasileiro” já nos primeiros meses do conflito que se estendeu por dez anos.
O autor, anônimo, afirma que o poema tem uma história. São as “profecias de um velho Cacique recitadas por um de seus descendentes a um Jesuíta no distrito de Missões (que as traduziu) as quais foram achadas entre os papéis do reverendo Padre, na ocasião da dissolução daquela sociedade e agora dadas a luz por um curioso”.
Criatividade não faltou ao autor que relacionou a derrocada do projeto jesuítico-missioneiro após a Guerra Guaranítica (pós-1756) com a Revolução Farroupilha que estava apenas tendo início. O autor faz referência à grande parte do panteão de nomes que foram notabilizados pela historiografia regional como agentes de construção da identidade rio-grandense. No início do conflito que se estenderia até 1845, é feito um feroz ataque aos “rebeldes” que “ultrajavam o Império Brasileiro”.
O tema é exemplar para repormos o processo histórico e o separarmos da construção de representações. Com a edificação do monumento-túmulo a Bento Gonçalves da Silva (1900-1909), se construiu uma visão de que Rio Grande era uma cidade farroupilha no período Imperial. De fato, muitos seguidores do liberalismo radical estavam atuantes na cidade (como exemplo, Francisco Xavier Ferreira e o jornal O Noticiador). Mas também havia jornais que defendiam o Império, como é o caso de O Mercantil entre outros. A localização estratégica da Barra do Rio Grande com o único porto marítimo da Província do Rio Grande de São Pedro fizeram de Rio Grande um controle militar essencial para o Império Brasileiro. A perseguição aos seguidores do liberalismo se fez desde o desencadear da Revolução em setembro de 1835 e a tensão por uma possível invasão farroupilha terá o seu epílogo quando da frustrada tentativa de ocupação de São José do Norte em 16 de julho de 1840. Portanto, Rio Grande nunca foi controlada pelos farroupilhas, mas que fez parte da organização intelectual de liberais radicais que aqui moravam ou que dependiam do Porto Velho para viabilização de seus negócios (pecuarista ou charqueadores insatisfeitos com as políticas imperiais). De outro lado, a presença de comerciantes não farroupilhas dependentes do modal marítimo ajuda a entender o apoio ao Império: o movimento farroupilha levou ao rompimento com o governo central brasileiro que era o maior destino das exportações brasileiras.
O teor depreciativo e de afronta aos farroupilhas pauta o poema que foi escrito no calor de um conflito sanguinário que estava apenas começando a tomar forma. Um pequeno trecho é reproduzido a seguir.  
“Vós, oh gentes futuras,
Escutai as minhas trovas;
Se vos parecerem duras
Consultai, tirai as provas,
Achareis verdades puras.

Passada a era de mil,
Depois de mil maravilhas,
Lá nos confins do Brasil,
Um bando de farroupilhas
Dará pasto ao gênio vil.

Há de tantas desgraças
Famílias espavoridas!
Deixando suas moradas,
Por fugir aos patricidas
De seus lares desterradas!

De meus olhos corre o pranto,
Turva-se a vista serena;
Cheio d’assombro e d’espanto,
Mal posso reger a pena

Ao lembrar-me estrago tanto (...)”.





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