Porto do Rio Grande em 1908

Porto do Rio Grande em 1908

sexta-feira, 29 de dezembro de 2017

ANO NOVO

Ritualizar os fazeres cotidianos e dar sentido a existência com o recurso ao sobrenatural e ao mítico foi fundamental para a sobrevivência humana! Das sociedades de caçadores e coletores para as comunidades agrícolas dos últimos dez milênios, radicais transformações se processaram e conduziram a tentativa humana de dominar os ciclos do tempo e ritualizá-los com danças, cantos, oralidades e festejos pagãos ou cristãos.  As colheitas ensejaram à criação de calendários a partir da observação da marcha das estrelas e da sequência das estações do ano. Esta observação era essencial para propiciar ou inviabilizar os plantios ou as colheitas.
Festejar o Ano Novo é buscar, tal qual nos plantios, estar em sintonia com um ciclo de renovações em que o negativo/superado é deixado no passado e o novo passa a ser construído a partir do dia primeiro do ano que tem início. A domesticação do tempo passou pelo calendário onde a temporalidade é domesticada e convertida numa seqüência de dias e meses envoltos em datas festivas/religiosas/cívicas em que navegamos com mais segurança no complexo desenrolar de eventos que muitas vezes nos surpreendem e outras vezes nos arrastam: é a busca do equilíbrio frente aos eventos indomáveis que conduziram a busca filosófica e espiritual da sabedoria.
Os seres humanos são produtores de cultura material e imaterial que se manifesta, por vezes, em ritualizações e construções simbólicas da passagem do tempo enquanto uma marcha de superação das mazelas. A ilusão de transcendência flutua entre o ilusório e o necessário!
Empresas, inclusive em Rio Grande, distribuíam aos seus clientes calendários (ainda distribuem) e cartões de boas vindas ao novo ano. Alguns destes cartões reproduziam imagens de pontos turísticos da cidade. Neste sentido, as imagens de espaços públicos se voltavam ao passado daquilo que compunha o cotidiano local e que transmitia referenciais de segurança, de beleza, de ligação com gerações do passado/presente. O Ano Novo se alimentava desta caminhada anterior de referenciais de memória local e almejava manter vivo estes “lugares” materiais do dia-a-dia.



Cartão de 1940. Acervo: Walter Albrecht. 

Cartões de 1951, 1952 e 1953 da Casa Foto. Acervo: papareia. 






1909

         Uma das principais empresas do ramo da fotografia e do cartão-postal em Rio Grande foi o Ateliê Fontana fundado em 1882 pelos irmãos Amilcar Eugênio Fontana e Carlos Eugênio Fontana. Um número significativo de imagens fotográficas de “paisagens da cidade” foi feita por estes fotógrafos e fazem parte do acervo de instituições como a Biblioteca Rio-Grandense e a Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. São reproduzidas três fotografias de Rio Grande em 1909 e que foram feitas por Amílcar Fontana, pois, seu irmão já havia falecido.
As imagens são da rua Marechal Floriano em dia comemorativo; da rua Riachuelo próximo a Estação Marítima e uma fotografia panorâmica obtida da torre do prédio da Alfândega e sendo identificável, ao fundo, a Igreja da Conceição na Praça Sete de Setembro.

         Ilustrações: Ateliê Fontana. Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.



terça-feira, 19 de dezembro de 2017

A CIDADE VISTA DE CIMA

Desde o a primeira década do século 20, os cartões-postais procuraram também retratar a cidade do Rio Grande vista de um ponto mais alto. O local mais procurado era a torre da Alfândega que permitia fotografar o cais do Porto Velho, o Mercado Público, a Praça Xavier Ferreira e os prédios do entorno histórico.
Com o nascimento da aviação comercial brasileira em 1927, quando da implantação da Linha da Lagoa ligando Rio Grande a Porto Alegre, imagens inéditas da cidade puderam ser colhidas através da lente fotográfica. É o caso de uma antiga fotografia, possivelmente do ano de 1927, mostrando a visão da cidade que se tinha a bordo de um avião. Numa cidade plana como Rio Grande um olhar vertical permite vislumbrar um detalhamento da paisagem inviável na horizontalidade. A pequena península ocupada pela urbanidade crescente se mostrava cercada pelas águas da Lagoa dos Patos, pelo Saco da Mangueira e no horizonte estava o portentoso Oceano Atlântico.
Na década de 1930-40, o sobrevôo de avião permitiu a produção de fotografias que viraram cartões-postais do centro urbano. Na década de 1950, a empresa Foto Postal Colombo sobrevoou a cidade e colheu espetaculares imagens que evidenciavam o crescimento urbano e a presença dos casarões antigos que começavam a ceder espaço para os edifícios.

Na década de 1970, as tomadas aéreas se proliferam ainda mais. Os cartões-postais aqui reproduzidos desta década mostram, num deles, a cidade já num período de verticalização arquitetônica com a proliferação de edifícios no centro urbano e a estrutura do Porto Novo do Rio Grande ao fundo. O outro postal focaliza a estrutura portuária do Porto Novo e especialmente o Bairro Getúlio Vargas, além da área do Regatas e arredores, num período em que o 5° Comando Naval ainda não havia se instalado em Rio Grande.

Ilustração: Cartões-postais de Rio Grande na década de 1970. Acervo: Papareia.




1954

       O ano de 1954 foi muito tenso no Brasil! A crise política ligada ao Presidente Getúlio Vargas teve seu desfecho com o suicídio do Presidente no mês de agosto. No cenário internacional a Guerra Fria e o desenvolvimento de armas nucleares são uma tônica permanente. Em Rio Grande, a crise econômica e o desemprego devido ao fechamento/redução de trabalhadores nas indústrias marcaram as notícias e os editoriais do jornal Rio Grande. Os debates políticos são acirrados e sistemáticos. Aqueles que viveram o período poderão recordar de alguns anúncios/personagens que marcaram a cidade na década de 1950 e seguintes. As imagens foram reproduzidas do jornal Rio Grande do primeiro semestre de 1954. Quem se lembra delas?













segunda-feira, 18 de dezembro de 2017

A ESTAÇÃO MARÍTIMA

A Estrada de Ferro Rio Grande-Bagé foi inaugurada em 1884. A última estação desta Estrada de Ferro foi inaugurada em 12 de julho de 1888: a Estação Marítima. Conforme informações reproduzidas do site http://www.estacoesferroviarias.com.br  era Marítima que saíam os trens que levavam ao ramal de Cassino, para o balneário na Vila Siqueira. Na estação de Junção, a linha se bifurcava, seguindo para Pelotas na principal e para o ramal, na outra. No início dos anos 2000 já estava em ruínas e atualmente nas restaram vestígios da edificação localizada no final da Rua Riachuelo (atual local em que os veículos aguardam para pegarem a balsa para São José do Norte).
          A Marítima era um último destino da Linha Cacequi-Marítima (1.117km). A linha foi construída em partes: pela Southern Brazilian Rio Grande do Sul Railway Company Limited, sucessora de uma série de concessões anteriores, a Bagé-Marítima, em 1884. De Cacequi a São Gabriel, em meados de 1896 e de São Sebastião a Bagé, no final do mesmo ano, ambos pela E. F. Porto Alegre-Uruguaiana. Em 1900, a união São Sebastião-São Gabriel completaria o trecho Bagé-Rio Grande. Era uma linha de grande utilidade, pois transportava gado e charque para o porto do Rio Grande, apesar de, no final do século 19, ter baixo movimento por causa dos altos preços do frete, dos maus serviços e da interrupção do serviço dos trens pela Revolução Federalista. Os trens de passageiros partiam de Livramento, em outra linha, chegavam a Cacequi e dali até Bagé. Em Bagé, havia que se trocar de trem para chegar a Rio Grande. Uma série de variantes foi entregue entre 1968 e os anos 1980 - Pedras Altas, Três Estradas, Pedro Osório, Pelotas - que encurtaram e melhoraram seu traçado, eliminando diversas das estações originais. Até 1982 as linhas ainda transportavam passageiros, quando o serviço foi interrompido devido ao desabamento de uma ponte em Pedro Osório; uma nova linha foi construída logo depois. O transporte de passageiros retornou algum tempo depois, mas com trens mistos, que duraram até meados dos anos 1990.


Cartão-postal por volta de 1920. 


Linha Cacequi-Marítima (1940).

Cartão-postal da Marítima por volta de 1912. R. Strauch/Livraria Rio-Grandense.   

Marítima em primeiro plano à esquerda. Revista Tudo, 1935.

CLUB DE REGATAS RIO GRANDE

O Club de Regatas completou 120 anos de fundação! Era o dia 22 de agosto de 1897 quando se formaliza a criação do clube (esportivo, lazer...) com maior longevidade na história local.
Rio Grande, no final do século 19, apresentava uma economia dinâmica voltada à movimentação portuária. Os segmentos ligados ao comércio de exportação e importação e a indústria estiveram em sintonia com práticas internacionais nos campos do esporte, lazer e cultura. Esta contemporaneidade e até pioneirismo em relação aos maiores centros brasileiros em diferentes épocas, evidencia que modalidades diversas foram pensadas e implementadas na cidade.
 Um destes casos é o Club de Regatas Rio Grande que tem propiciado por gerações a saudável prática dos esportes e aquilo que é essencial nesta cidade marítima: voltar-se as águas que cercam a cidade e definem a sua identidade.
No ano seguinte a fundação do Regatas, talvez por inspiração nesta nova agremiação, foi fundado em Pelotas um Club de Regatas (que não é o atual Clube fundado em 1914...).  O jornal Correio Mercantil (Pelotas) do dia 25 de junho de 1898, traz a seguinte notícia: “O Echo do Sul do Rio Grande reclama da direção da Southern que faça correr um trem de excursão para esta cidade (Pelotas) no próximo domingo 3 de julho quando o club de regatas daqui realiza a sua festa marítima inaugural”.

O espírito esportista organizado e voltado às águas remonta ao século 19 e pelo Estuário da Lagoa dos Patos circulou (circula), além de mercadorias e sociabilidades, a cultura esportista.  
Ilustrações: fotografias retiradas de https://regatasriogrande.wordpress.com/; Estatuto do Clube (Biblioteca Rio-Grandense).






domingo, 17 de dezembro de 2017

ARSÉNE ISABELLE E OS GAÚCHOS

O comerciante francês Arséne Isabelle (Viagem ao Rio da Prata e ao Rio Grande do Sul. Rio de Janeiro: Livraria Editora Zelio Valverde S.A., 1949), percorreu o Rio Grande do Sul e o Prata entre 1833-1834. De ideologia liberal, deixou inúmeras impressões desta viagem. O período em que ele percorreu o extremo sul do Brasil e o Prata é imediato a eclosão da Revolução Farroupilha que convulsionou por 10 anos a Província do Rio Grande do Sul. O termo gaúcho é pejorativo entre os farroupilhas e Isabelle também reproduz uma visão negativa do comportamento social destes grupos que foram uma forte base da construção da identidade platina e rio-grandense.
Os escritos deste viajante trazem informações sobre comportamento social, vestuário e cotidiano das populações platinas. Arséne Isabelle disfarçou-se de “gaúcho” para não chamar a atenção ao chegar a Paysandu (Uruguai) em 1834. A roupa consistia em “jaqueta marrom, colete branco chiripá azul-celeste, bombacha branca, com franjas, sob as calças de casimira azul, e um poncho inglês colocado negligentemente sobre o ombro esquerdo. Levava, além disso, o cigarrito de papel na boca, o facão passando na cintura do chiripá, atrás das costas, e o chapéu a médio lao... Juro que tinha o aspecto de um honesto bandido. Haviam me aconselhado a desembarcar assim, a fim de não provocar suspeitas da parte dos gaúchos, que não veriam com bons olhos o aparelhamento bélico que levávamos para caçar”.
O viajante francês descreve os gaúchos como foras da lei e afirma que os índios guaranis “antes dóceis se uniram aos arrogantes charruas e a alguns gaúchos criminosos, para pilhar, devastar em comum todas as estâncias, assim como as povoações do interior, a fim de venderem os animais e os couros roubados aos portugueses e brasileiros, que achavam muito cômoda essa maneira de enriquecer, ao mesmo tempo iam alimentando com ela o ódio que ainda sentem pelos chamados espanhóis”.
Considerou a hospitalidade concedida aos estrangeiros satisfatória e “quase toda a gente de certa cultura, na América do Sul, acolhe bem os estrangeiros e lhes oferece a mais generosa hospitalidade. Mas não acontece assim fora das cidades, onde a educação dos homens se limita, a saber, laçar ou bolear os animais com destreza, a domar um cavalo e a montá-lo com garbo. Esses homens, meio selvagens vêem com desagrado os estrangeiros”.
Deixando o Uruguai e se deslocando pelo Rio Grande do Sul “nada tínhamos a temer na terra brasileira, nem dos animais, nem dos homens, ao contrário do que acontecia no país [Uruguai] que tínhamos percorrido. Citaram-nos muitas pilhagens, cometidas havia pouco tempo, e nos garantiram que tínhamos tido sorte em escapar do ataque dos índios errantes, que rondam as margens do Uruguai para assaltar os viajantes”.
Um dos espaços cotidianos mais tradicionais destas sociedades é a pulperia um local lúdico, etílico, mas também de acaloradas discussão políticas. Isabelle traz a seguinte definição de pulperia: “espécie de botequim e cabaré ao mesmo tempo, onde se vêem cavalos de gaúchos amarrados a um poste, enquanto os donos jogam cartas, a escondidas, [...] ao qual são tão afeiçoados, que chegam a jogar a própria camisa. Ainda é bom quando o jogo termina sem briga, pois, do contrário, a disputa será resolvida no meio da praça com as longas facas de que estão sempre armados”.

Ilustrações: pulperia platina e gaúchos no Prata. Juan Leon Pallière, década de 1850. (Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro).




O TRATADO DE SANTO ILDEFONSO

Este tratado foi assinado entre Portugal e Espanha em 01 de outubro de 1777 na cidade espanhola de San Ildefonso. O objetivo era buscar uma solução pacífica para uma série de conflitos envolvendo as duas potências ibéricas no Brasil e no Prata.
O tratado evidenciou uma situação de fragilidade militar de Portugal que acabou cedendo os Sete Povos das Missões (no RS) e também a Colônia do Sacramento do Rio Prata (fundada pelos portugueses em 1680) para os espanhóis. Portugal recebeu em troca a devolução da Ilha de Santa Catarina (ocupada pelos espanhóis) e a legitimação da metade leste do Rio Grande do Sul. Ocorreram outras determinações para algumas áreas de fronteira/fricção luso-espanhola, mas vamos nos restringir ao Rio Grande do Sul e a Colônia do Sacramento.
Este Tratado criou um espaço cultural que foi muito repetido nas incursões literárias e historiográficas no Rio Grande do Sul: os Campos Neutrais. Entre o Taim e a fronteira do Chuí não poderia ocorrer povoamento português ou espanhol para evitar conflitos e reacender o espírito belicoso. Cerca de 150 km de extensão do bioma pampa e duas grandes lagoas de água doce compunham a paisagem. Índios, gauchos e ocupantes clandestinos mantiveram uma dinâmica cultural (pampeana) e econômica (contrabando) que foi modificada na década de 1820 com uma distribuição/regularização das terras já no Brasil independente.
A seguir é feita reprodução de três artigos do Tratado no que diz respeito ao sul do Rio Grande do Sul.     


TRATADO PRELIMINAR DE LIMITES - Sto. ILDEFONSO Dona Maria I (Portugal) / Carlos III (Espanha) - 1.Outubro.1777
ART. IV
Para evitar outro motivo de discórdias entre as duas Monarquias, qual tem sido à entrada da Lagoa dos Patos ou Rio Grande de S. Pedro, seguindo depois por suas vertentes até o rio Jacuí, cujas duas margens e navegação teem pretendido pertencer-lhes ambas a Corôas, convieram agora em que a dita navegação e entrada fiquem privativamente para a de Portugal, estendendo-se seu domínio pela margem meridional até o arroio Taim, seguindo pelas margens da Lagoa da Mangueira em linha reta até o mar; e pela parte do continente, irá a linha desde as margens dita Lagoa de Merim, tomando a direção pelo primeiro arroio meridional, que entra no sangradouro ou desaguadouro dela, e que corre pelo mais imediato ao forte português de S. Gonçalo; desde o qual, sem exceder o limite do dito arroio, continuará o domínio de Portugal pelas cabeceiras dos rios, que correm até o mencionado Rio Grande e o Jacuí, até que passando por cima das do rio Ararica e Coiacuí, que ficarão da parte de Portugal e as dos rios Piratiní e Abiminí, que ficarão da parte da Espanha, se tirará uma linha, que cubra os estabelecimentos portugueses até o desembocadouro do rio Peperiguassú no Uruguai; e assim mesmo salve e cubra os estabelecimentos e missões espanholas do próprio Uruguai, que hão de ficar no atual estado em que pertencem à Corôa de Espanha; . . .
ART. V
Conforme ao estipulado nos artigos antecedentes, ficarão reservadas entre os domínios de uma e outra Corôa as Lagoas de Merim e da Mangueira, e as línguas de terra que medeiam entre elas e a costa do mar, sem que nenhuma das duas nações as ocupe, servindo só de separação; de sorte que nem os portugueses passem o arroio de Taim, linha reta ao mar até a parte meridional, nem os espanhóis os arroios de Chuí e de S. Miguel até a parte setentrional: . . .
ART. VI
A semelhança do estabelecido no artigo antecedente, ficará também reservado no restante da linha divisória, tanto até a entrada no Uruguai do rio Peperiguassú, quanto no progresso que se especificará nos seguintes artigos, em espaço suficiente entre os limites de ambas as nações, ainda que não seja de igual largura a das referidas lagoas, no qual não possam edificar-se povoações, por nenhuma das duas Partes, nem construir fortalezas, guardas ou postos de tropas, de modo que os tais espaços sejam neutros, pondo-se marcos e sinais seguros, que façam constar aos vassalos de cada nação o sítio, de que não deverão passar . . .