Porto do Rio Grande em 1908

Porto do Rio Grande em 1908

domingo, 17 de dezembro de 2017

ARSÉNE ISABELLE E OS GAÚCHOS

O comerciante francês Arséne Isabelle (Viagem ao Rio da Prata e ao Rio Grande do Sul. Rio de Janeiro: Livraria Editora Zelio Valverde S.A., 1949), percorreu o Rio Grande do Sul e o Prata entre 1833-1834. De ideologia liberal, deixou inúmeras impressões desta viagem. O período em que ele percorreu o extremo sul do Brasil e o Prata é imediato a eclosão da Revolução Farroupilha que convulsionou por 10 anos a Província do Rio Grande do Sul. O termo gaúcho é pejorativo entre os farroupilhas e Isabelle também reproduz uma visão negativa do comportamento social destes grupos que foram uma forte base da construção da identidade platina e rio-grandense.
Os escritos deste viajante trazem informações sobre comportamento social, vestuário e cotidiano das populações platinas. Arséne Isabelle disfarçou-se de “gaúcho” para não chamar a atenção ao chegar a Paysandu (Uruguai) em 1834. A roupa consistia em “jaqueta marrom, colete branco chiripá azul-celeste, bombacha branca, com franjas, sob as calças de casimira azul, e um poncho inglês colocado negligentemente sobre o ombro esquerdo. Levava, além disso, o cigarrito de papel na boca, o facão passando na cintura do chiripá, atrás das costas, e o chapéu a médio lao... Juro que tinha o aspecto de um honesto bandido. Haviam me aconselhado a desembarcar assim, a fim de não provocar suspeitas da parte dos gaúchos, que não veriam com bons olhos o aparelhamento bélico que levávamos para caçar”.
O viajante francês descreve os gaúchos como foras da lei e afirma que os índios guaranis “antes dóceis se uniram aos arrogantes charruas e a alguns gaúchos criminosos, para pilhar, devastar em comum todas as estâncias, assim como as povoações do interior, a fim de venderem os animais e os couros roubados aos portugueses e brasileiros, que achavam muito cômoda essa maneira de enriquecer, ao mesmo tempo iam alimentando com ela o ódio que ainda sentem pelos chamados espanhóis”.
Considerou a hospitalidade concedida aos estrangeiros satisfatória e “quase toda a gente de certa cultura, na América do Sul, acolhe bem os estrangeiros e lhes oferece a mais generosa hospitalidade. Mas não acontece assim fora das cidades, onde a educação dos homens se limita, a saber, laçar ou bolear os animais com destreza, a domar um cavalo e a montá-lo com garbo. Esses homens, meio selvagens vêem com desagrado os estrangeiros”.
Deixando o Uruguai e se deslocando pelo Rio Grande do Sul “nada tínhamos a temer na terra brasileira, nem dos animais, nem dos homens, ao contrário do que acontecia no país [Uruguai] que tínhamos percorrido. Citaram-nos muitas pilhagens, cometidas havia pouco tempo, e nos garantiram que tínhamos tido sorte em escapar do ataque dos índios errantes, que rondam as margens do Uruguai para assaltar os viajantes”.
Um dos espaços cotidianos mais tradicionais destas sociedades é a pulperia um local lúdico, etílico, mas também de acaloradas discussão políticas. Isabelle traz a seguinte definição de pulperia: “espécie de botequim e cabaré ao mesmo tempo, onde se vêem cavalos de gaúchos amarrados a um poste, enquanto os donos jogam cartas, a escondidas, [...] ao qual são tão afeiçoados, que chegam a jogar a própria camisa. Ainda é bom quando o jogo termina sem briga, pois, do contrário, a disputa será resolvida no meio da praça com as longas facas de que estão sempre armados”.

Ilustrações: pulperia platina e gaúchos no Prata. Juan Leon Pallière, década de 1850. (Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro).




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