O comerciante francês Arséne Isabelle (Viagem ao Rio da Prata e ao Rio Grande do Sul.
Rio de Janeiro: Livraria Editora Zelio Valverde S.A., 1949), percorreu o Rio Grande
do Sul e o Prata entre 1833-1834. De ideologia liberal, deixou inúmeras
impressões desta viagem. O período em que ele percorreu o extremo sul do Brasil
e o Prata é imediato a eclosão da Revolução Farroupilha que convulsionou por 10
anos a Província do Rio Grande do Sul. O termo gaúcho é pejorativo entre os
farroupilhas e Isabelle também reproduz uma visão negativa do comportamento
social destes grupos que foram uma forte base da construção da identidade
platina e rio-grandense.
Os escritos deste viajante trazem informações
sobre comportamento social, vestuário e cotidiano das populações platinas. Arséne
Isabelle disfarçou-se de “gaúcho” para não chamar a atenção ao chegar a Paysandu
(Uruguai) em 1834. A roupa consistia em “jaqueta marrom, colete branco chiripá
azul-celeste, bombacha branca, com franjas, sob as calças de casimira azul, e
um poncho inglês colocado negligentemente sobre o ombro esquerdo. Levava, além
disso, o cigarrito de papel na boca, o facão passando na cintura do
chiripá, atrás das costas, e o chapéu a médio lao... Juro que tinha o
aspecto de um honesto bandido. Haviam me aconselhado a desembarcar assim, a fim
de não provocar suspeitas da parte dos gaúchos, que não veriam com bons olhos o
aparelhamento bélico que levávamos para caçar”.
O viajante francês descreve os gaúchos como
foras da lei e afirma que os índios guaranis “antes dóceis se uniram aos
arrogantes charruas e a alguns gaúchos criminosos, para pilhar, devastar em
comum todas as estâncias, assim como as povoações do interior, a fim de
venderem os animais e os couros roubados aos portugueses e brasileiros, que
achavam muito cômoda essa maneira de enriquecer, ao mesmo tempo iam alimentando
com ela o ódio que ainda sentem pelos chamados espanhóis”.
Considerou a hospitalidade concedida aos estrangeiros
satisfatória e “quase toda a gente de certa cultura, na América do Sul, acolhe
bem os estrangeiros e lhes oferece a mais generosa hospitalidade. Mas não
acontece assim fora das cidades, onde a educação dos homens se limita, a saber,
laçar ou bolear os animais com destreza, a domar um cavalo e a montá-lo com
garbo. Esses homens, meio selvagens vêem com desagrado os estrangeiros”.
Deixando o Uruguai e se deslocando pelo Rio
Grande do Sul “nada tínhamos a temer na terra brasileira, nem dos animais, nem
dos homens, ao contrário do que acontecia no país [Uruguai] que tínhamos
percorrido. Citaram-nos muitas pilhagens, cometidas havia pouco tempo, e nos
garantiram que tínhamos tido sorte em escapar do ataque dos índios errantes,
que rondam as margens do Uruguai para assaltar os viajantes”.
Um dos espaços cotidianos mais tradicionais
destas sociedades é a pulperia um local lúdico, etílico, mas também de
acaloradas discussão políticas. Isabelle traz a seguinte definição de pulperia:
“espécie de botequim e cabaré ao mesmo tempo, onde se vêem cavalos de gaúchos
amarrados a um poste, enquanto os donos jogam cartas, a escondidas, [...]
ao qual são tão afeiçoados, que chegam a jogar a própria camisa. Ainda é bom
quando o jogo termina sem briga, pois, do contrário, a disputa será resolvida
no meio da praça com as longas facas de que estão sempre armados”.
Ilustrações: pulperia platina e gaúchos no Prata. Juan Leon Pallière, década de 1850. (Biblioteca Nacional do Rio
de Janeiro).
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