Porto do Rio Grande em 1908

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quinta-feira, 31 de outubro de 2019

1822, O INESGOTÁVEL ANO DA INDEPENDÊNCIA

A Proclamação da Independência. François-René Moreaux (1844). Acervo: Museu Imperial do Rio de Janeiro.

          O tema “1822” está sendo revisitado por historiadores nas vésperas dos 200 anos da Independência do Brasil. A constatação que não apenas o processo da Independência é uma construção mas que os personagens e acontecimentos também fazem parte de uma construção tem sido abordado com mais insistência. Um dos autores que tem trazido esta discussão é Laurentino Gomes no livro 1822, que considera que estes acontecimentos estão permeados de mitos e fantasias.
         Antes de entrarmos no ideário presente no livro do autor é preciso enfatizar que realmente muitas idealizações estão ligadas a edificação dos eventos da Independência que permite repensar estas ações. Se parecemos ingênuos no desconhecimento dos fatos, não podemos ser ingênuos acreditando que os discursos, as construções historiográficas, a construção de um Estado Nacional, seja no Brasil ou em qualquer outro país, não tenha elementos de construção mítica que dê sentido a determinada ação dos personagens. Os Estados e as Nações são construções ligadas a simbologias e imaginários que criam identidades aos agentes que dirigiram os processos. Este processo é dinâmico e inesgotável pois a independência de uma nação está sempre em construção. Feita esta observação, vejamos as interessantes questões levantadas por Laurentino Gomes.
         Para o autor, não ocorreu uma avalanche cívica nacional no ano de 1822. Poucos foram os brasileiros que, de fato, desejavam o rompimento dos vínculos com Portugal. A mobilização neste sentido, era tênue do norte ao sul do Brasil. O rompimento político com Portugal ainda era precoce, pois a maioria das lideranças defendia a manutenção do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarve, condição administrativa criada em 1815. Os comerciantes de açúcar, algodão, ouro, tabaco e os traficantes de escravos, que eram os segmentos mais ricos, estavam em sua maioria estabelecidos no Rio de Janeiro e em Salvador. A condição de Reino Unido favorecia o reconhecimento internacional destes comerciantes inclusive na Europa, o que favorecia o seu enriquecimento. Arriscar numa aventura de romper esta condição era temerário.
         O apressamento do processo de Independência ocorreu pela conjuntura política em Portugal e não no Brasil. Com a invasão de Portugal pelas tropas de Napoleão Bonaparte, parte da Corte portuguesa se desloca para o Brasil (1808) e aqui a Monarquia de Bragança instala a sede das possessões colônias portuguesas sob liderança de D. João. Os portugueses que se vieram para o Brasil passam a ter os privilégios do antigo monopólio do comércio colonial em detrimentos dos portugueses que não conseguiram fugir. Posteriormente, é criado o Reino Unido que fortalece esta relação. Em Portugal, a longa guerra de independência é travada para expulsar franceses e posteriormente ingleses, reconstruindo o país. A Revolução Liberal do Porto (1820), exige o retorno de D. João VI e a recolonização do Brasil em nome dos privilégios dos portugueses realmente residentes em Portugal. A radicalização do processo leva a elite brasileira a pensar o rompimento com Portugal a fim de preservar o seu status quo, porém, o projeto da Independência não estava maduro e tinha tudo para fracassar se não fosse liderado pelo próprio herdeiro da coroa de Portugal: D. Pedro.
         Laurentino Gomes também afirma que em 1822 o país tinha todas as condições para fracassar enquanto nação soberana, de território íntegro e dimensões continentais. As rivalidades entre as províncias era prenúncio de uma guerra civil que poderia fragmentar o território brasileiro. A economia era agrária dominada pelo latifúndio e pelo tráfico negreiro. De cada três brasileiros, um era escravo. A maioria da população vivia em condições de pobreza ou miséria. Somente uma em cada dez pessoas sabia ler e escrever. Com a ida de D. João VI para Portugal em 1821, os cofres ficaram vazios faltando dinheiro, navios, soldados e armamento para sustentar uma guerra contra os portugueses. Para Laurentino Gomes, o sentimento de medo contra uma insurreição escrava e a guerra civil entre as províncias, foi o fator de unificação da elite brasileira formada por monarquistas e republicanos, liberais e absolutistas, federalistas e centralizadores, maçons e católicos, comerciantes e senhores de engenho, civis e militares, charqueadores e pecuaristas, padres e advogados. Neste contexto de diversidades é que surge o personagem unificador que foi aclamado como D. Pedro I. A maioria dos brasileiros era constituída por escravos, analfabetos e pobres, à pequena elite imperial formada em Coimbra e outros centros europeus, conduziu o processo inicial de formação do estado nacional brasileiro. Em meio ao pipocar de repúblicas emancipadas da Espanha em todas as fronteiras do Brasil, o país preservou a monarquia tradicional dando continuidade a família de Bragança na América porém, na condição de país independente que enfrentou conflitos internos contra portugueses que desejavam o vínculo com Portugal.       
O novo país que nascia realizou uma guerra da Independência que se estendeu até 1825, começando a construir as simbologias que edificaram a nacionalidade brasileira, com personagens e mártires. O Brasil Nação e a identidade nacional começavam um lento processo de construção que se estende até o presente. Entre a tradição que é rememorada e a contemporaneidade com seus desafios desintegradores no campo da globalização, 1822, ainda é um tema instigante e muito mais complexo do que podemos imaginar.    

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