A Proclamação da Independência. François-René Moreaux (1844). Acervo: Museu Imperial do Rio de Janeiro. |
O
tema “1822”
está sendo revisitado por historiadores nas vésperas dos 200 anos da Independência
do Brasil. A constatação que não apenas o processo da Independência é uma
construção mas que os personagens e acontecimentos também fazem parte de uma
construção tem sido abordado com mais insistência. Um dos autores que tem
trazido esta discussão é Laurentino Gomes no livro 1822, que considera que estes acontecimentos estão permeados de
mitos e fantasias.
Antes
de entrarmos no ideário presente no livro do autor é preciso enfatizar que
realmente muitas idealizações estão ligadas a edificação dos eventos da
Independência que permite repensar estas ações. Se parecemos ingênuos no
desconhecimento dos fatos, não podemos ser ingênuos acreditando que os
discursos, as construções historiográficas, a construção de um Estado Nacional,
seja no Brasil ou em qualquer outro país, não tenha elementos de construção
mítica que dê sentido a determinada ação dos personagens. Os Estados e as
Nações são construções ligadas a simbologias e imaginários que criam
identidades aos agentes que dirigiram os processos. Este processo é dinâmico e
inesgotável pois a independência de uma nação está sempre em construção. Feita
esta observação, vejamos as interessantes questões levantadas por Laurentino
Gomes.
Para
o autor, não ocorreu uma avalanche cívica nacional no ano de 1822. Poucos foram
os brasileiros que, de fato, desejavam o rompimento dos vínculos com Portugal.
A mobilização neste sentido, era tênue do norte ao sul do Brasil. O rompimento
político com Portugal ainda era precoce, pois a maioria das lideranças defendia
a manutenção do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarve, condição
administrativa criada em 1815. Os comerciantes de açúcar, algodão, ouro, tabaco
e os traficantes de escravos, que eram os segmentos mais ricos, estavam em sua
maioria estabelecidos no Rio de Janeiro e em Salvador. A condição
de Reino Unido favorecia o reconhecimento internacional destes comerciantes
inclusive na Europa, o que favorecia o seu enriquecimento. Arriscar numa
aventura de romper esta condição era temerário.
O
apressamento do processo de Independência ocorreu pela conjuntura política em
Portugal e não no Brasil. Com a invasão de Portugal pelas tropas de Napoleão
Bonaparte, parte da Corte portuguesa se desloca para o Brasil (1808) e aqui a
Monarquia de Bragança instala a sede das possessões colônias portuguesas sob
liderança de D. João. Os portugueses que se vieram para o Brasil passam a ter
os privilégios do antigo monopólio do comércio colonial em detrimentos dos
portugueses que não conseguiram fugir. Posteriormente, é criado o Reino Unido
que fortalece esta relação. Em Portugal, a longa guerra de independência é
travada para expulsar franceses e posteriormente ingleses, reconstruindo o
país. A Revolução Liberal do Porto (1820), exige o retorno de D. João VI e a
recolonização do Brasil em nome dos privilégios dos portugueses realmente
residentes em Portugal. A
radicalização do processo leva a elite brasileira a pensar o rompimento com
Portugal a fim de preservar o seu status
quo, porém, o projeto da Independência não estava maduro e tinha tudo para
fracassar se não fosse liderado pelo próprio herdeiro da coroa de Portugal: D.
Pedro.
Laurentino
Gomes também afirma que em 1822 o país tinha todas as condições para fracassar
enquanto nação soberana, de território íntegro e dimensões continentais. As
rivalidades entre as províncias era prenúncio de uma guerra civil que poderia
fragmentar o território brasileiro. A economia era agrária dominada pelo
latifúndio e pelo tráfico negreiro. De cada três brasileiros, um era escravo. A
maioria da população vivia em condições de pobreza ou miséria. Somente uma em
cada dez pessoas sabia ler e escrever. Com a ida de D. João VI para Portugal em
1821, os cofres ficaram vazios faltando dinheiro, navios, soldados e armamento
para sustentar uma guerra contra os portugueses. Para Laurentino Gomes, o
sentimento de medo contra uma insurreição escrava e a guerra civil entre as
províncias, foi o fator de unificação da elite brasileira formada por
monarquistas e republicanos, liberais e absolutistas, federalistas e centralizadores,
maçons e católicos, comerciantes e senhores de engenho, civis e militares,
charqueadores e pecuaristas, padres e advogados. Neste contexto de diversidades
é que surge o personagem unificador que foi aclamado como D. Pedro I. A maioria
dos brasileiros era constituída por escravos, analfabetos e pobres, à pequena
elite imperial formada em Coimbra e outros centros europeus, conduziu o
processo inicial de formação do estado nacional brasileiro. Em meio ao pipocar
de repúblicas emancipadas da Espanha em todas as fronteiras do Brasil, o país
preservou a monarquia tradicional dando continuidade a família de Bragança na
América porém, na condição de país independente que enfrentou conflitos
internos contra portugueses que desejavam o vínculo com Portugal.
O novo país
que nascia realizou uma guerra da Independência que se estendeu até 1825, começando
a construir as simbologias que edificaram a nacionalidade brasileira, com
personagens e mártires. O Brasil Nação e a identidade nacional começavam um
lento processo de construção que se estende até o presente. Entre a tradição
que é rememorada e a contemporaneidade com seus desafios desintegradores no
campo da globalização, 1822, ainda é um tema instigante e muito mais complexo
do que podemos imaginar.
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