O
italiano Enrico Ambauer (1840-1899) nasceu em Milão e morou na cidade do Rio
Grande entre as décadas de 1860 e 1880 atuando como professor de música,
empresário e proponente de um projeto de colonização. Chegando ao Rio Grande do
Sul com cerca de 18 anos de idade, abrasileirou seu nome para Henrique Schutel
Ambauer. Em 1858 empreendeu uma viagem de reconhecimento de municípios do Rio
Grande do Sul quando percorreu várias localidades e produziu observações que
foram publicadas posteriormente. Na Biblioteca Rio-Grandense se encontra uma
cópia microfílmica dos originais datados de 1873. Um riquíssimo material
bibliográfico foi obtido em acervos europeus pelo historiador Abeillard Barreto
e depositado na Biblioteca Rio-Grandense – certamente, esta obra é fruto deste
esforço incansável de Barreto.
Estes apontamentos foram publicados em 1888
na Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro com o título A
Província do Rio Grande do Sul: descrição e viagens. Porém, o interessante é que mais de cem
páginas do manuscrito não foram publicados e relatam em maiores detalhes as
experiências vividas nesta jornada entre o Porto do Rio Grande e localidades do
centro e norte do Rio Grande do Sul. Este material inédito foi pesquisado por Valter
Noal Filho e José Marchior (A Viagem de Henrique Schutel Ambauer pela Província
do RS, Revista Balduinia, UFSM, n. 42, p. 03-16, 2013).
Em
relação à cidade do Rio Grande, Francisco das Neves Alves (Visões do Rio
Grande: a vila/cidade na ótica européia. Rio Grande: Pós-Graduação em História
do RS, FURG, 2008), elaborou uma síntese das impressões de Ambauer sobre a
localidade em que foi morador por quase duas décadas.
O escritor italiano fez uma descrição
geográfica da localidade, com destaque para o acesso, a hidrografia, o relevo e
o conjunto de ilhas no entorno da urbe. Os riscos da costa gaúcha estão
presentes em sua narrativa que descrevia que, entre o 29º e o 33º austral e 49º
e 53º ocidental estava uma costa baixa, árida, monótona e triste, a qual o
cauteloso navegante evitava se não se dirigia ao único Porto acessível da
região. Sobre esta faixa litorânea, relatava que as correntezas, os ventos, os
descuidos e as espertezas tinham dado a essa costa e ao seu Porto uma reputação
pouco lisonjeira, num quadro em que, todas essas circunstâncias promoviam a
demora do desenvolvimento da navegação de alto bordo para a Província,
impedindo assim a ela tomar rapidamente o grau de adiantamento que poderia
atingir.
A respeito
do acesso à comunidade portuária, Ambauer destacava que o Rio Grande era o
único que permitia a entrada de navios que não demandassem mais de 18 palmos, e
isso nem sempre, sendo mais regular de 14 a 15. Explicava que, dificultavam a
passagem pela da Barra dois bancos que lhe obstruíam a entrada, formando-se
entre eles um canal mutável segundo a direção mais longa dos ventos e
correntezas. Narrava ainda que a massa das águas que escoava pela Barra do Rio
Grande seria mais que suficiente para ter um canal de franca navegação, se ela
não tivesse perdido o declive nos dois lagos internos e na bacia que os
recebia, de maneira que o nivelamento, que formava esse espraiamento das águas
fluviais, paralisava um tanto o seu curso e apenas o escoamento com diminuta
força permitia a conservação desse pequeno Canal da Barra. Refletindo uma das
maiores aspirações rio-grandinas, o escritor explicava que era de desejar que,
para o futuro, se encontrasse meio de aumentar a profundidade do canal, para
que a Província do Rio Grande pudesse conseguir a afluência de uma navegação
mais desenvolvida, enriquecendo-se na grande permuta internacional. O serviço
de praticagem, a sinalização náutica, as embarcações de apoio e os pontos de
desembarque também se faziam presentes na narrativa do italiano.
Com
referência à organização econômica e urbana, o autor destacava que,
comercialmente a cidade do Rio Grande era considerada o interposto geral, sendo
o ponto no qual convergem tanto o comércio exterior como o interior. Nesse
quadro, relatava que a parte mais importante da cidade era o seu litoral, em
linha quase reta, de leste a oeste, no qual duas linhas de embarcações corriam
na mesma direção, deixando entre si um canal de poucas braças de largura, por
onde transitavam as embarcações que demandavam o ancoradouro. Fazia referência
ainda ao fato de que as casas que margeavam o litoral, como eram quase todas de
sobrado de um e dois andares, algumas elegantes com graciosos mirantes, davam
agradável aspecto ao panorama visto do mar, seguindo-se, porém, algumas ruas
paralelas e outras transversais, que não valeriam à primeira, havendo apenas
algumas praças e casas particulares de aparência regular. Descrevia também que
a cidade possuía uma alfândega e um excelente cais para o serviço da mesma,
tendo uma praça de comércio, onde funcionava igualmente o correio, casa da
câmara, mercado, um enorme edifício – hospital de caridade – que, segundo sua
concepção, poderia ser menor e ter mais acomodações. As praças, as chácaras, o
incômodo com as areias e o abastecimento de água são outros temas abordados por
Ambauer, para quem era fora de dúvida que a cidade do Rio Grande viria a ser
uma das mais importantes das do Sul da América, quando um caminho de ferro a
ligasse com a fronteira da Província.
A obra de
Ambauer, mesclando conhecimentos históricos e geográficos, bem como narrativas
fruto de seu próprio testemunho ou da utilização da literatura disponível,
abrangia um amplo conjunto de localidades gaúchas, vislumbrando praticamente
todas as regiões da Província naquele final de século XIX. O autor encaminhou
seus escritos ao Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e o texto acabaria
por ser publicado na Revista do Instituto,
servindo à época para divulgação de algumas facetas da vida rio-grandense. As
apreciações de Enrico (ou Henrique Schutel) Ambauer sobre a cidade do Rio
Grande refletiam a perspectiva de um morador que permaneceu largo tempo junto à
comuna, prestando um testemunho in loco
que traz em si o significado do registro histórico da urbe portuária numa época
de amplas transformações como o foi à virada do século XIX para a seguinte
centúria, conclui Alves.
Porto Velho do Rio Grande em julho de 1865. Acervo: Biblioteca Rio-Grandense. |