Porto do Rio Grande em 1908

Porto do Rio Grande em 1908

quinta-feira, 28 de junho de 2018

O ITALIANO ENRICO AMBAUER



         O italiano Enrico Ambauer (1840-1899) nasceu em Milão e morou na cidade do Rio Grande entre as décadas de 1860 e 1880 atuando como professor de música, empresário e proponente de um projeto de colonização. Chegando ao Rio Grande do Sul com cerca de 18 anos de idade, abrasileirou seu nome para Henrique Schutel Ambauer. Em 1858 empreendeu uma viagem de reconhecimento de municípios do Rio Grande do Sul quando percorreu várias localidades e produziu observações que foram publicadas posteriormente. Na Biblioteca Rio-Grandense se encontra uma cópia microfílmica dos originais datados de 1873. Um riquíssimo material bibliográfico foi obtido em acervos europeus pelo historiador Abeillard Barreto e depositado na Biblioteca Rio-Grandense – certamente, esta obra é fruto deste esforço incansável de Barreto.

             Estes apontamentos foram publicados em 1888 na Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro com o título A Província do Rio Grande do Sul: descrição e viagens. Porém, o interessante é que mais de cem páginas do manuscrito não foram publicados e relatam em maiores detalhes as experiências vividas nesta jornada entre o Porto do Rio Grande e localidades do centro e norte do Rio Grande do Sul. Este material inédito foi pesquisado por Valter Noal Filho e José Marchior (A Viagem de Henrique Schutel Ambauer pela Província do RS, Revista Balduinia, UFSM, n. 42, p. 03-16, 2013).

           Em relação à cidade do Rio Grande, Francisco das Neves Alves (Visões do Rio Grande: a vila/cidade na ótica européia. Rio Grande: Pós-Graduação em História do RS, FURG, 2008), elaborou uma síntese das impressões de Ambauer sobre a localidade em que foi morador por quase duas décadas.

     O escritor italiano fez uma descrição geográfica da localidade, com destaque para o acesso, a hidrografia, o relevo e o conjunto de ilhas no entorno da urbe. Os riscos da costa gaúcha estão presentes em sua narrativa que descrevia que, entre o 29º e o 33º austral e 49º e 53º ocidental estava uma costa baixa, árida, monótona e triste, a qual o cauteloso navegante evitava se não se dirigia ao único Porto acessível da região. Sobre esta faixa litorânea, relatava que as correntezas, os ventos, os descuidos e as espertezas tinham dado a essa costa e ao seu Porto uma reputação pouco lisonjeira, num quadro em que, todas essas circunstâncias promoviam a demora do desenvolvimento da navegação de alto bordo para a Província, impedindo assim a ela tomar rapidamente o grau de adiantamento que poderia atingir.

A respeito do acesso à comunidade portuária, Ambauer destacava que o Rio Grande era o único que permitia a entrada de navios que não demandassem mais de 18 palmos, e isso nem sempre, sendo mais regular de 14 a 15. Explicava que, dificultavam a passagem pela da Barra dois bancos que lhe obstruíam a entrada, formando-se entre eles um canal mutável segundo a direção mais longa dos ventos e correntezas. Narrava ainda que a massa das águas que escoava pela Barra do Rio Grande seria mais que suficiente para ter um canal de franca navegação, se ela não tivesse perdido o declive nos dois lagos internos e na bacia que os recebia, de maneira que o nivelamento, que formava esse espraiamento das águas fluviais, paralisava um tanto o seu curso e apenas o escoamento com diminuta força permitia a conservação desse pequeno Canal da Barra. Refletindo uma das maiores aspirações rio-grandinas, o escritor explicava que era de desejar que, para o futuro, se encontrasse meio de aumentar a profundidade do canal, para que a Província do Rio Grande pudesse conseguir a afluência de uma navegação mais desenvolvida, enriquecendo-se na grande permuta internacional. O serviço de praticagem, a sinalização náutica, as embarcações de apoio e os pontos de desembarque também se faziam presentes na narrativa do italiano.

Com referência à organização econômica e urbana, o autor destacava que, comercialmente a cidade do Rio Grande era considerada o interposto geral, sendo o ponto no qual convergem tanto o comércio exterior como o interior. Nesse quadro, relatava que a parte mais importante da cidade era o seu litoral, em linha quase reta, de leste a oeste, no qual duas linhas de embarcações corriam na mesma direção, deixando entre si um canal de poucas braças de largura, por onde transitavam as embarcações que demandavam o ancoradouro. Fazia referência ainda ao fato de que as casas que margeavam o litoral, como eram quase todas de sobrado de um e dois andares, algumas elegantes com graciosos mirantes, davam agradável aspecto ao panorama visto do mar, seguindo-se, porém, algumas ruas paralelas e outras transversais, que não valeriam à primeira, havendo apenas algumas praças e casas particulares de aparência regular. Descrevia também que a cidade possuía uma alfândega e um excelente cais para o serviço da mesma, tendo uma praça de comércio, onde funcionava igualmente o correio, casa da câmara, mercado, um enorme edifício – hospital de caridade – que, segundo sua concepção, poderia ser menor e ter mais acomodações. As praças, as chácaras, o incômodo com as areias e o abastecimento de água são outros temas abordados por Ambauer, para quem era fora de dúvida que a cidade do Rio Grande viria a ser uma das mais importantes das do Sul da América, quando um caminho de ferro a ligasse com a fronteira da Província.

A obra de Ambauer, mesclando conhecimentos históricos e geográficos, bem como narrativas fruto de seu próprio testemunho ou da utilização da literatura disponível, abrangia um amplo conjunto de localidades gaúchas, vislumbrando praticamente todas as regiões da Província naquele final de século XIX. O autor encaminhou seus escritos ao Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e o texto acabaria por ser publicado na Revista do Instituto, servindo à época para divulgação de algumas facetas da vida rio-grandense. As apreciações de Enrico (ou Henrique Schutel) Ambauer sobre a cidade do Rio Grande refletiam a perspectiva de um morador que permaneceu largo tempo junto à comuna, prestando um testemunho in loco que traz em si o significado do registro histórico da urbe portuária numa época de amplas transformações como o foi à virada do século XIX para a seguinte centúria, conclui Alves.

Porto Velho do Rio Grande em julho de 1865. Acervo: Biblioteca Rio-Grandense.

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