A área ocupada pela Praça Tamandaré era parcialmente
alagada deixando registro de mortes como foi relatado no jornal Diário do Rio Grande de 23 de julho de
1859, quando um soldado foi encontrado morto em seu interior. Em 1874, outro
homem, embriagado, foi encontrado sem vida numa das lagoas num período de
fortes chuvas.
Um dos poços e o tanque para bebedouro dos animais foi
construído em 1848. A Câmara, no ano de 1862, mandou cercar a praça “por marcos
e duas ordens de correntes, para que os animais não embaracem os melhoramentos,
que seriam: arborizar e fazer um tapete de relva em vez de areias”. Em 13 de
janeiro de 1890 foi ordenada a retirada e venda do aramado da praça por estar
em mau estado de conservação. No início da década de 1870 haviam cinco poços
construídos com tijolos e cantaria e um bebedouro para animais para consumo dos
populares. Em 1876 a Companhia Hidráulica comprou na Inglaterra o chafariz
situado na proximidade da rua Gen. Neto com Silva Paes. Em 1878 foram fechados
os poços por exigência do contrato feito com a Companhia Hidráulica.
Em abril de 1870 a presidência da Província
ordenou a Diretoria da Fazenda para liberasse recursos para o aterramento da
praça. O projeto de melhoramentos de 1876 propunha fazer uma
canalização que concentrasse toda a água acumulada na praça num grande lago
central cercado por árvores. Porém, as dificuldades de percorrer a praça no
período de chuva, o que a tornava intransitável, mantinha a situação sem
solução ainda no ano de 1878 apesar dos debates buscando soluções prosseguirem.
Porém, conforme Antenor Monteiro em outubro de 1887 a Câmara “por intermédio da
comissão que para isso fora nomeada, contratou o Dr. Duprat, diretor da
Companhia Estrada de Ferro, para o transporte diário de 135 wagons (vagões) de
areia para aterro da praça a razão de 112$500. Nesse mesmo ano, sob projeto de
engenheiro da Câmara, foi iniciado o plano geral do embelezamento da praça. Em
1890 foram despejados 175 wagons de areia”.
Um escritor
rio-grandino do século XIX, Carlos Fontana, afirmou que no ano de 1868, a
cidade do Rio Grande estava constituída pelas seguintes praças: Sete de
Setembro (antiga Praça do Poço), São Pedro (atual Júlio de Castilhos), Caridade
Nova (atual Barão de São José do Norte), Municipal (antes General Telles e
atual Xavier Ferreira) e Tamandaré (antiga Praça dos Quartéis e Geribanda). A
praça Municipal era destacada por Fontana como uma “vasta praça e único passeio
recreativo da cidade, é comumente denominada de Boulevard Rio-Grandense”, porém,
“lamenta-se que não mereça mais atenção da edilidade”. Já na praça Tamandaré,
existiam seis fontes públicas para coleta de água e lavagem de roupa,
erguendo-se no centro desta, “uma modesta cruz ali colocada em 1842 pela missão
jesuítica a estas plagas”. A praça já ostentava a denominação atual de
Tamandaré, mas mantinha a sua função ligada às fontes públicas ali existentes
sem a perspectiva imediata de tornar-se uma praça voltada ao “passeio
recreativo da população”.
Área almejada e que se valorizou com o
desenvolvimento da cidade, a praça Tamandaré começou a receber uma atenção mais
destacada a partir de 1895, através de projetos de melhoramento que se estendem
até o ano seguinte. O projeto previu a construção de chalé, plantação de mudas
de árvores, ajardinamento, construção de lagos e ilhotas. Em 1896, nestes lagos
faltava somente a colocação do revestimento de fundo composto por barro oriundo
de Pelotas. Portanto os lagos construídos remontam a pelo menos 1896.
Na virada para o século XX a praça já tem um
destaque estadual pelo espaço de lazer que passa a proporcionar à população e
pela apresentação de bandas musicais como é o caso da Rossini. Na primeira
década do século XX, foi instalado o chafariz atualmente situado em frente ao
prédio do Hospital Beneficência Portuguesa, tendo sido retirado da praça Xavier
Ferreira. Ainda no início do século passado o papel de fornecer água potável
foi mantido e a figura dos cata-ventos eram presentes na praça talvez com o
objetivo de remoção do excesso de água dos lagos em períodos chuvosos. Os
primórdios desta instalação pode ser o final do século XIX, mas talvez remonte
até meados do século XVIII, numa prática açoriana, pois um mapa de
aproximadamente 1750 apresenta o desenho de um cata-vento em local próximo à
atual praça Tamandaré.
Devido à grande dimensão de 44.124 metros
quadrados, 316 metros de comprimento por 140 metros de largura, as melhorias e
manutenção da praça exigiam recursos razoáveis da municipalidade. Os gastos com
aterramento, calçamento, contenção dos alagamentos com as chuvas, edificações,
construção do coreto etc, exigiram esforço, mas deixaram um legado a ser
mantido. A manutenção deste antigo espaço de cômoros e alagadiços, conquistado
à natureza pela atuação humana voltada a edificação de um espaço de
sociabilidade pública, precisa ser mantido e melhorado continuamente pela
Prefeitura Municipal, pois ele foi um espaço utilizado e mantido com livre
trânsito pela população a partir dos primórdios do povoamento. Desde a lavagem
de roupa por escravas até os passeios de famílias nos finais de semana, aqui se
consolidou um espaço público da população rio-grandina.
Dada a sua importância a praça precisa ser
conhecida em sua dimensão histórica e ecológica pela comunidade que circula
diariamente por este espaço de preservação natural. E esta é uma contribuição
que pode ser dada individual e coletivamente por atores sociais que hoje atuam
em diferentes campos do conhecimento: sejam literatos, poetas, historiadores,
geógrafos, oceanólogos, ecólogos, botânicos... A praça pode ser um espaço para
a educação e o conhecimento ambiental a ser socializado com a população:
explicando a formação vegetal, os animais, aves e peixes que se desenvolveram
neste “ecossistema”; a formação geológica da Restinga do Rio Grande onde a
cidade está assentada e o lençol freático; historiar, como se fez neste breve
ensaio, a historicidade deste espaço construído pela ação humana; buscar uma
leitura estética a partir das crônicas e poesias; entre outras contribuições
que certamente surgiriam.
Outra dimensão a ser enfatizada é o da arte
pública com a estatuária e a arte em ferro que está assentada na praça. Da
escultura portuguesa do monumento a Bento Gonçalves até arte em ferro francesa
dos anjinhos, a presença artística também possibilita desvelar historicidades e
representações associadas às motivações de sua colocação neste espaço público.
Cartão-postal da Praça Tamandaré datado de 1905. |
Cartão-postal da Praça Tamandaré (cata-vento na esquina da Rua Luiz Loréa) datado de 1907. Acervo: Museu da Cidade do Rio Grande. |
Perfeito! Amei conhecer cada detalhe. Obrigada pelo texto.
ResponderExcluirJuliana Freitas.