Porto do Rio Grande em 1908

Porto do Rio Grande em 1908

segunda-feira, 25 de junho de 2018

PRAÇA TAMANDARÉ: A CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DE UM ESPAÇO PÚBLICO


A ocupação oficial da atual cidade do Rio Grande ocorreu em 1737, havendo dois centros populacionais. A fortificação do Porto (de caráter civil e militar), cujo epicentro foi o Forte Jesus-Maria-José (proximidades da atual praça Sete de Setembro) com as casas ocupando nas décadas seguintes as atuais ruas General Bacelar, Floriano Peixoto, República do Líbano etc. E a fortificação do Estreito com o Forte de Nossa Senhora da Conceição do Estreito (nas proximidades da atual Hidráulica) que tinha um caráter militar e que foi abandonada na década de 1750.
Os mapas do século XVIII indicam o espaço hoje ocupado pela praça Tamandaré como um anecúmeno formado por cômoros de areia. O deslocamento destes cômoros atrapalhava inclusive as práticas religiosas no atual prédio mais antigo da cidade, a Matriz de São Pedro (1755), pois a areia dificultava o acesso dos fiéis pela porta principal do templo. A continuidade da rua General Bacelar até a atual rua 24 de Maio teve uma importância crescente devido aí concentrar grande parte do contingente militar, a Casa do Governador e um pouco além, na atual praça junto ao Hospital de Caridade, havia o Pelourinho (símbolo do poder judiciário português).
O terreno em frente aos estabelecimentos militares e da administração foi denominado de Praça dos Quartéis, devido à proximidade de edificações militares e também chamada popularmente de geribanda ou giribanda. Conforme Antenor Monteiro (Rebuscos – Jornal Rio Grande) esta palavra poderia ter origem no acesso de escravos e populares para esta área arenosa constituída por algumas lagoas, com os objetivos de coletarem água potável para seus proprietários, encherem pipas para a venda pública do líquido ou para lavarem roupas. Entende Monteiro que “o ajuntamento de gente poderia trazer disputas, sarabandas, descomposturas e mesmo lutas corporais, que poderiam fazer daquele local uma giribanda” (significado popular: descompostura). O nome atual de Praça Tamandaré foi uma homenagem da Câmara Municipal do Rio Grande em sessão realizada no dia 20 de abril de 1865 ao almirante Joaquim Marques Lisboa. Sua atuação na Guerra do Paraguai o fez patrono da Marinha do Brasil.
Visitando a Vila do Rio Grande em 1820, Auguste de Saint-Hilaire (Viagem ao Rio Grande do Sul) presenciou numa das ruas centrais um “mercadinho (quitanda) onde negros, acocorados, vendem legumes, tais como: couves, cebolas, alfaces e laranjas. Como já tenho dito, não há aqui nascentes, nem fontes de água doce, mas atrás da cidade, entre montículos de areia (em lugar denominado Geribanda), cavaram-se poços, onde a pequena profundidade se encontra muito boa água. Os negros vão buscá-la em barris e retiram-na do poço com chifres de bois, no meio dos quais é introduzida uma vara comprida, instrumento que eles chamam de guampa. Estima-se a população do Rio Grande em cerca de dois mil habitantes, entre os quais há muitos europeus e apenas um pequeno número de mulatos.”
No mapa urbano de 1829 a área da praça aparece descrita como um “terreno arenoso com combros e por isso incapaz de se povoar presentemente”.
O crescimento da cidade no século XIX tomou da Laguna dos Patos, através do aterramento, vastas áreas que formam o atual Porto Velho, daí surgindo à rua da Praia (atual Riachuelo); e também avançou rumo à rua Aquidaban e posteriormente até a Avenida Portugal, rompendo o limite de defesa usado até a Guerra do Paraguai, chamado de Trincheiras ou cidade extramuros; em 1855-6 o Cemitério Municipal foi construído afastado do centro urbano, mas em poucas décadas o parque industrial e urbano da Rheingantz e o surgimento do Bairro Cidade Nova (1890) foram integrando as paisagens da cidade antiga e da cidade nova. A expansão urbana foi incrementando a valorização daquele vasto terreno situado próximo do centro da Vila do Rio Grande de São Pedro (1751) localidade que desde 1835 passou a condição administrativa de cidade do Rio Grande.
Antes de consolidar-se como um espaço público, ocorreram várias disputas pela ocupação da área para fins particulares, religiosos e industriais. No jornal Diário do Rio Grande de 24 de dezembro de 1850 foi feita uma denúncia sobre a ocupação da área por “alguns cidadãos ilustres da cidade” que supostamente teriam recebido terrenos no local a partir da autorização da Câmara de Vereadores. Como o consumo da água potável ficaria comprometido com a ocupação da área investigou-se a legalidade da atuação e descobriu-se que a Câmara não havia autorizado oficialmente à distribuição de terrenos rechaçando desta forma as pretensões dos “ilustres” que já haviam cercado os seus terrenos.
Coube a Câmara Municipal participar do embate pela disputada ocupação daquele amplo terreno arenoso e alagadiço. A definição deste espaço como público e não privado definiu-se a partir de debates e requerimentos negados ou aprovados. É o caso do pedido em 1882, de um terreno para construção de uma Igreja Matriz, cuja oficialização de posse foi reiterada através de um requerimento de uma comissão de cidadãos interessados neste anseio e liderados pelo Barão de São José do Norte. Este pedido recuava a 1849, quando já se pretendia construir uma nova igreja neste espaço. A pressão de políticos em 1887 para que fosse efetivada a construção de um novo templo serviu para ações no sentido de definição da área como um logradouro público, pois a Câmara indeferiu o pedido e iniciou o aterramento e ajardinamento de uma parte do terreno. Em 1891, um novo pedido de construção de uma capela foi indeferido pelos vereadores.
Em documento resgatado por Antenor Monteiro uma nova tentativa, agora voltada à ação industrial, foi desfechada em 1893. É um ofício encaminhado pelo coronel Augusto Álvaro de Carvalho, intendente municipal, à Câmara de Vereadores: “Cidadãos Conselheiros Municipais: o cidadão Giovanne Heusemberger, na qualidade de representante da Companhia Giovanne Heusemberger & Cia. Requerem a esta Intendência por aforamento perpétuo uma parte ou duas quadras da praça Tamandaré, limitadas pelas ruas General Neto, 24 de Maio e Conde de Porto Alegre, para estabelecer uma fábrica de tecidos, oferecendo a quantidade de 5.000$000 para melhoramentos materiais. Não obstante ser da minha competência a resolução do assunto importante de que se trata, conforme dispõe a lei orgânica do município, ainda assim deliberei submetê-lo à vossa consideração. Tenho, pois a honra de convocar-vos de conformidade com as atribuições que me são conferidas pelo nº 6 do artigo 24 da referida lei orgânica, para uma seção extraordinária, amanhã às 2 horas da tarde”.
A concessão foi aprovada pela Câmara com o voto contrário de um vereador, Carlos Rheingantz, pois a empresa Giovanne Heusemberger era uma concorrente no ramo da indústria têxtil que se chamou Ítalo-brasileira. Felizmente, a praça foi preservada, pois o proprietário da indústria resolveu instalar-se no que é atualmente um supermercado (Rua Senador Corrêa). Também a indústria de charutos Poock & Cia tentou ampliar as suas instalações estabelecendo-se na praça, porém seu pedido foi negado pelo conselho municipal.
Apesar de todas as investidas este espaço público foi preservado até os nossos dias, apesar de abandonos e intervenções (terminal rodoviário) que desfiguraram sua funcionalidade histórica.


Cartão-postal da Praça Tamandaré aproximadamente 1904. Acervo: Walter Albrecht.

Praça Tamandaré e o Lago dos Encantos por volta de 1930. Acervo: Leonardo Barbosa. 

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