O escritor francês barão Étienne Léon de Lamothe-Langon, publicou em 1825 um romance
chamado A Vampira, ou a Virgem da Hungria. No prólogo ao romance, ele utiliza
fontes documentais e tratados sobre vampirismo que proliferaram a partir do
século XVIII. Interessante é a reflexão feita pelo autor que direciona a
existência de vampiros não como seres sobrenaturais e sim como pessoas
concretas. Análise elaborada há quase dois séculos e direcionada ao difícil
convívio na sociedade francesa que estava sendo reconstruída após a queda de
Napoleão Bonaparte, o texto abaixo apresenta uma relativa contemporaneidade com
o tempo presente.
“E porque não acreditaremos nós também na
existência dos vampiros? Porventura não foram eles acreditados por
tantos personagens distintos? D. Calmet, por exemplo, não se comprazia em
comprovar a sua existência?... É verdade que Voltaire o escarneceu; e nós,
costumados a imitar as macaquices dos estrangeiros, adotamos cegamente a
opinião deste famoso escritor! Rimo-nos dos vampiros; e o mesmo lord
Byron não pôde mudar a nossa opinião a este respeito!... Pois bem, caro leitor,
não receamos dizê-lo, o autor de Mérope não tinha razão; o frade
beneditino havia aprofundado mais esta matéria; nós nos lisonjeamos de assim o
provar, chamando unicamente a vossa atenção para o que na época atual se passa
entre nós.
Não são porventura vampiros puritanos,
insaciáveis do nosso sangue, esses famosos conquistadores, ruína das nações,
flagelo da humanidade? Não deparamos a cada passo com homens ávidos de nossas
fadigas e suor, que ainda acham muito ligeiro o peso enorme com que nos
esmagam?
Julgais vós, que esses miseráveis, que correm
pelas vilas e aldeias, vexando os desgraçados habitantes, com suas injustiças e
maus tratos, não sejam verdadeiros vampiros? E aquele que se acha
colocado em lugar eminente, e que deparando no meio da sua carreira com a
virtude oprimida, com a inocência abandonada, as esmaga debaixo de seus
corcéis, as sufoca com o peso do ouro que o adorna, não será também um vampiro...
um infame?...
Julgais acaso, que o banqueiro, que alimenta
uma casa de jogo, onde se absorvem tantas fortunas, onde se perdem tão
meritórias reputações, não figura na lista dos principais vampiros?
No centro das mais opulentas capitais, nos
lugares mais obscuros, quer de noite, quer de dia, não encontramos nós muitos vampiros
que, cobertos com a máscara sedutora da hipocrisia, ocultam um coração
perverso, palpitante dos vícios e das inclinações mais abjetas?... Serão estes
outra coisa mais do que vampiros, verdadeira escória da sociedade?
Finalmente por toda a parte não vemos mais do
que vampiros. O seu maior número
avulta entre os fornecedores, e os grandes empresários; entre os agentes da
justiça, entre os agiotas, e até mesmo entre os facultativos!...”.
Fazendo uma atualização, podemos ampliar o
leque e dizer que os vampiros podem estar extremamente difundidos numa
sociedade: no coitadismo; no cinismo e na mentira sistemática; nos exploradores
de amplo matiz; e, não poderia faltar, na ação percuciente dos psicopatas e sociopatas
que se enraízam no meio social e sugam a sua energia vital. O vampirismo
histórico está muito mais vivo do que podemos imaginar.
Acervo: Biblioteca Nacional da França.
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