Rio Grande não ficou alheia aos movimentos
dramáticos relacionados à Segunda Guerra Mundial e a infiltração nazista. Um
acontecimento ocorrido na cidade em novembro de 1939 envolveu personagens
ligados a uma guerra de bastidores no Rio Grande do Sul: atuação de agentes
nazistas e a repressão da polícia política ligada ao DOPS. O chefe de polícia
Aurélio da Silva Py em dois livros (A 5ª
Coluna no Brasil: a conspiração nazi no Rio Grande do Sul. Porto Alegre:
Globo, 1942; e O Nazismo no Rio Grande do
Sul. Porto Alegre: sem data e sem local) relatou longamente este episódio.
Há quase setenta anos atrás, a espionagem e a
contra-espionagem eram o cotidiano da sociedade brasileira, cujo governo de
Getúlio Vargas seguindo a orientação norte-americana, declarara neutralidade
frente a uma guerra que tomava conta dos bastidores e que estava no dia-a-dia
dos rádios, jornais e conversas desde sua eclosão em setembro de 1939. A
presença do porto torna Rio Grande um ponto estratégico exigindo inclusive
exercícios de blecaute contra bombardeio aéreo e movimento de tropas.
A Batalha do Rio da Prata, com a participação
e afundamento do encouraçado de bolso alemão Graf Spee (navio corsário que
tinha a missão de afundar navios mercantes ingleses que navegavam no
Atlântico), ocorreu entre 13 e 17 de dezembro de 1939. A instalação de um rádio
transmissor num navio alemão ancorado no Porto do Rio Grande, o qual poderia
ser utilizado para a comunicação com navios corsários e transmitir informações
militares e de conjuntura política brasileira e platina, evidenciava para os
policiais que investigavam esta ocorrência, uma possível rede de relações
envolvendo empresas alemãs e brasileiras na espionagem a favor da Alemanha
hitlerista.
UMA EMISSORA
CLANDESTINA
O inspetor Domingos Machado (Seção de Ordem
Política – Sub-secção da Polícia Marítima e Aérea) conforme citado em relatório
do Delegado Plínio Brasil Milano (Delegacia de Ordem Política e Social – DOPS)
datado de 17 de novembro de 1939, comunicou a existência de dois volumes
suspeitos que chegaram com um avião da empresa alemã Condor. O inspetor
concluiu que se tratava de dois aparelhos de rádio-transmissão que se
destinavam a cidade do Rio Grande. A chegada deste material coincidiu com a
passagem por Porto Alegre rumo a Rio Grande, do rádio-telegrafista, Werner
Mucks, um técnico do Sindicato Condor. As atividades deste técnico passaram a
ser observadas pelo DOPS: “acontece que nada foi observado naquela cidade além
da estadia de Mucks, na cidade de Rio Grande e de verificar a atividade que por
ventura aí desenvolvesse. Em face desta situação de incerteza, esta delegacia
aproveitou a passagem de regresso do mencionado técnico para detê-lo e
interrogá-lo”.
Teve início uma novela policial e de
espionagem nazista envolvendo o Porto do Rio Grande!
No interrogatório, Werner Mucks declarou que
no dia nove de novembro Von Studniz, chefe de trânsito da Condor (Rio de
Janeiro) deu-lhe ordens de embarcar para Porto Alegre e apresentar-se ao Consul
alemão Frederico Ried. Este, com forte suspeita de centralizar atividades
nazistas, apresentou-lhe o sr. Wiltgens, agente da Companhia Hamburguesa em Rio
Grande. “Por ordem do Consul, Mucks deveria ficar à disposição do sr. Wiltgens,
em Rio Grande, para onde seguiria pela Varig, que já tinha instruções a
respeito da passagem. Até aqui o técnico continuava ignorando a sua verdadeira
missão”, informa o relatório policial.
Ao chegar ao porto, o agente da Cia.
Hamburguesa levou o técnico para bordo do cargueiro alemão ancorado naquele
porto por motivo da guerra. Aí foi apresentado a um oficial de bordo que, mostrando-lhe
uma emissora de rádio-telegrafia, disse-lhe que deveria providenciar na
instalação e conseqüente funcionamento da mesma. Por motivos técnicos, não foi possível
instalar a estação, retornando Mucks para Porto Alegre onde foi detido e
interrogado. Após a detenção deste, a Delegacia de Porto Alegre solicitou a Rio
Grande a apreensão do aparelho por intermédio da Capitania do Porto e a prisão
do agente da Cia. Hamburguesa. Foi realizada uma busca no navio quando nada foi
encontrado. Por instruções do DOPS, foram levados a efeito mais uma busca a
bordo, a contragosto da tripulação, e desta vez o aparelho apareceu. Os dois
volumes correspondiam a um rádio-receptor e o seu responsável “eclipsou-se”. O
comandante e os oficiais de bordo declararam desconhecer a existência do rádio.
O sr. Wiltgens afirmou sua inocência no caso. O rádio-telegrafista disse que o
aparelho “era propriedade particular e se encontrava para experiência quanto a
sua prestabilidade”.
Entre as conclusões oficiais tiradas pelo Delegado
Plínio Brasil Milano com base nas diligências da Delegacia de Polícia de Rio
Grande e da Capitania do Porto estava a “conivência do Sindicato Condor e da
Viação Aérea Rio-Grandense nesse ato ilícito”. Trata-se de uma empresa (Varig)
subvencionada pelo Governo da República e de outra constituída de capitais
nacionais, gozando de favores dos poderes públicos e dirigida por um
estrangeiro naturalizado”.
Para o delegado Plínio Brasil Milano,
“estamos frente a uma manobra de uma potência beligerante, francamente
comprovada pela ingerência de seus representantes oficiais, em flagrante
desrespeito as nossas leis. Pois outra causa não pode ser esta série de atos
praticados no sentido de montar clandestinamente uma emissora de rádio-telegrafia,
forçosamente destinada ao serviço de informações, que o vapor em apreço estava
impossibilitado de realizar pela interdição da estação própria, de acordo com
as regras de neutralidade do nosso país.
Em nossa opinião, são responsáveis por ela os
srs. Von Studnitz, chefe do Trânsito do Sindicato Condor; o diretor da Varig,
Otto Ernest Meyer; o Consul Alemão de Porto Alegre, sr. Frederico Ried; o
agente da Cia. Hamburguesa, sr. Wiltgens; o Vice-Consul alemão na cidade de Rio
Grande e o Comandante do vapor Rio Grande”.
Conforme Aurélio da Silva Py, “ficou amplamente provado,
no decorrer das diligências da polícia, que esse aparelho serviria para
informar os navios de guerra de superfície (corsários) e os submarinos alemães
em ação na costa sul do Brasil, sobre a existência de navios inimigos, seus
movimentos dentro e fora dos portos, etc. Um desses corsários, o couraçado de
bolso Graf Spee, se tornou famoso pelo desfecho de seu cruzeiro em águas do
sul, episódio que também conduziu à descoberta, pela polícia uruguaia, de uma
estação clandestina de radiotransmissão que auxiliara as unidades alemãs
encarregadas da guerra de corso. Essa espionagem de guerra frustrou-se também
graças à rápida e decisiva intervenção das autoridades encarregadas de
salvaguardar a neutralidade do Brasil”, conclui o relatório.
Material nazista apreendido pela Polícia do Rio Grande do Sul. Observa-se aparelho de rádio transmissão. Acervo: Aurélio da Silva Py no livro A 5 Coluna no Brasil. |
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