Aparício Fernando Brinkeroff Torely, o
Barão de Itararé, nasceu no Rio Grande do Sul a 29 de janeiro de 1895. Em seu
título de eleitor consta apenas o estado e não a cidade em que nasceu. Conforme
Décio Vignoli das Neves (Vultos do Rio Grande, vol. 2), a confusão sobre
o seu nascimento foi ainda mais ressaltada por Torely ou (Aporely como ele se
denominava) ao longo de sua vida: “Falamos de dispersão e desordenamento e, para
justificá-lo, basta citarmos que, ao tentar colhermos dados do local do seu
nascimento, fomos captar três versões ditas por Aporely, em diferentes
oportunidades. Optamos pela declaração que fizera à Manchete, isso por estarem
de acordo com os dados que constam em seu título de eleitor, que apenas diz ter
nascido no RS, sem citar nenhuma cidade ou local de nascimento. Pela ordem
natural das coisas, no entanto, era para ter nascido na cidade do Rio Grande,
porque era aqui que moravam seus pais e aqui é que fora gerado, tendo normal
desenvolvimento no ventre materno, até a aproximação final da gestação.
Circunstância óbvia, porém, fez com que Aporely nascesse fora do pago papareia.
É que sua mãe, d. Maria Amélia, que era natural de Pueblo Vergara, Uruguai, ao
ver aproximar-se a data do parto, pediu ao marido para ir ter seu filho no
mesmo local em que ela nascera e onde residiam seus progenitores: o ianque
Johnn Brinkeroff e a sua esposa Francisca, ambos “fuertes hacienderos de
ganadaria nel citado pueblo...”. Para lá seguiu, pois dona Amélia, em
diligência que fazia o percurso entre Pelotas e Jaguarão. Já próximo a esta
cidade uma das rodas da carruagem partiu-se “...e foi aí que eu resolvi nascer,
disse Aporely ao repórter da Manchete, para ver o que tinha acontecido. E o que
foi que o Barão viu”, perguntou o repórter. “O que eu vi? Vi muito sol e muitas
cigarras nos campos da fronteira do RS”. Por esse motivo que Rio Grande deixou
de ser a terra natal do maior humorista brasileiro de todos os tempos. Mas se
aqui não nasceu, foi aqui pelo menos que mais tarde veio a ser batizado e
iniciou seus estudos escolares. O registro está na página 9 do Livro 42, de
Batismo da Matriz de S. Pedro com o seguinte teor: “Aos vinte e três dias do
mês de setembro de mil oitocentos e noventa e seis, nesta Matriz de São Pedro
do Rio Grande, o Ver. Coadjutor Pe. Carlos Becker batizou com os Santos Óleos a
APARICIO, nascido a vinte e nove de janeiro de mil oitocentos e noventa e
cinco, filho legítimo de João da Silva Torely e de Maria Amélia Brinkeroff,
sendo avós paternos Fermino Maria Torely e Regina da Silva Torely, e avós
maternos João Brinkeroff e Francisca Brinkeroff. Foram padrinhos o dr. Fermino
da Silva Torely e sua irmã Albertina Torely, esta representada por Joaquina
Lopes Alves. Para constar mandei lavrar este termo, que assino dia e era ut
supra, Vigário Pe. Octaviano Pereira de Albuquerque”.
Torely, em
entrevista ao Correio do Povo, deu
mais informações sobre sua infância: “Sou filho único do 1º casamento do meu
pai. Minha mãe veio a morrer quando eu nem sequer tinha 2 anos. Então o meu
pai, que não podia cuidar de mim, mandou-me para o Uruguai tendo passado a
viver sob o carinho das minhas tias castelhanas. Aí comecei a falar o espanhol,
e hoje vejo terem sido aqueles os melhores anos da minha vida. Passei depois a
ler revistas ianques, que meu avô recebia e gostava de me ensinar a lê-las.
Meus primeiros amigos foram o cachorro Talismã e um petiço zaino que o meu avô
me dera. O cachorro só faltava falar e entendia o que eu dizia, sendo que o
petiço estava sempre disposto para levar-me aonde eu quisesse”.
Conforme
Neves, João Torely o pai do Barão, casara-se de novo e dessa união houve ao
menos mais uma filha, que recebeu o nome Carolina. Num dos Livros de Óbitos do
Cemitério Católico, consta o sepultamento de Carolina, falecida em 1923, sem
deixar descendência. Por outro lado, o pai, ao tomar conhecimento do estudo do
espanhol e do inglês que o seu filho fazia, mandou busca-lo no Uruguai, para
iniciá-lo aqui no estudo do português, não se conformando que o filho só fosse
estudar língua estrangeira. E foi aí que veio a terminar a vida despreocupada.
Ao começar o ano letivo de 1902, ele foi aqui matriculado no Colégio
Stela-Maris, dos Irmãos Jesuítas, que então funcionava no mesmo local onde se
encontra hoje o Colégio São Francisco. Antes dos Jesuítas encerrarem suas
atividades didáticas no Rio Grande, a 15 de abril de 1906, Torely foi
transferido para o 2º ano do Ginásio N. Sra. Conceição, dessa mesma irmandade,
em S. Leopoldo, agora, porém, como aluno interno. Por três anos alternados em 1907,
1909 e 1911, ele conseguiu tirar os primeiros lugares como aluno laureado. Foi
em São Leopoldo que ele começou a destacar-se por seu fino humor. Em 1911, com
16 anos, deu início à carreira de jornalista como redator do pasquim Capim
Seco, um semanário manuscrito, no qual satirizava as rígidas normas
adotadas pelos jesuítas, inclusive o Padre Réus, que fora um dos seus primeiros
professores no Stela-Maris, em Rio Grande.
Teve uma
trajetória tumultuada, cursando a Faculdade de Química e Farmácia e depois o
Curso de Medicina em Porto Alegre, tendo abandonado os estudos e retornado a
atividade jornalística. Mostrando sua irreverência, numa prova de Química ele
questionou o prof. Fischer que lhe lançava perguntas sobre o conteúdo: “Mas
logo o senhor, que é formado e mestre em Química, vem perguntar isso pra mim?”.
O resultado foi a reprovação.
Em 1919 foi
para São Gabriel onde trabalhou no jornal A Reação, cidade em que casou
e teve três filhos. Em 1922 trabalhou na redação do Diário do Comércio,
de Bagé. Em 1925, foi para o Rio de Janeiro e ingressou no jornal O Globo,
e no ano seguinte assumiu a direção dos jornais Última Hora e A Manhã.
Foi após a
Revolução de 1930, em referência ao combate que não existiu em Itararé, que ele
passou a ostentar o título de Barão de Itararé, aprofundando cada vez
mais o seu humor e articulação desconcertante de frases. Em 1934 filiou-se ao
Partido Comunista e foi eleito vereador pelo PC, que em 1935 foi colocado fora
da lei. Foi preso mais de uma vez e inclusive surrado por policiais. Em certa
oportunidade, integralistas o levaram para o Alto da Boa Vista, na Tijuca, e o
espancaram com voracidade largando-o só de cuecas e cabeça raspada à navalha.
Ficou alguns dias de cama, mas quando retornou a atividade do Jornal do Povo,
mandou trocar a placa da porta de entrada de sua sala que dizia “Bata antes de
entrar”, por outra: “Entre sem bater”. Era com bom humor que ele sobreviveu as
visitas cada vez mais freqüentes da polícia getulista após a declaração do
Estado Novo em novembro de 1937. Publicou, com interrupções, o jornal A
Manhã entre 1926 e 1956 e também editou o famoso Almanaque do Barão
de Itararé. Foi encontrado morto em seu apartamento, no Largo do Machado, Rio
de Janeiro, em 27 de novembro de 1971. O laudo apontou arteriosclerose, com
uremia e coma diabética.
Entre
centenas de trocadilhos por ele elaborados, serão destacados alguns que mostram
a rapidez de raciocínio e ironia do Barão de Itararé: “Televisão é uma
maravilha da Ciência... a serviço da imbecilidade humana”; “Não há ciências ocultas. O que há são cientistas que
procuram ocultá-las”; “Há mulheres que amam um só homem. Um só de cada vez”; “Negociata
é um bom negócio, para o qual nunca nos convidam”; “Os ricos são neurastênicos,
os pobres é que são malcriados”; “O que se leva desta vida é a vida que a gente
leva”.
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