Porto do Rio Grande em 1908

Porto do Rio Grande em 1908

terça-feira, 19 de junho de 2018

O BARÃO DE ITARARÉ


        
    Aparício Fernando Brinkeroff Torely, o Barão de Itararé, nasceu no Rio Grande do Sul a 29 de janeiro de 1895. Em seu título de eleitor consta apenas o estado e não a cidade em que nasceu. Conforme Décio Vignoli das Neves (Vultos do Rio Grande, vol. 2), a confusão sobre o seu nascimento foi ainda mais ressaltada por Torely ou (Aporely como ele se denominava) ao longo de sua vida: “Falamos de dispersão e desordenamento e, para justificá-lo, basta citarmos que, ao tentar colhermos dados do local do seu nascimento, fomos captar três versões ditas por Aporely, em diferentes oportunidades. Optamos pela declaração que fizera à Manchete, isso por estarem de acordo com os dados que constam em seu título de eleitor, que apenas diz ter nascido no RS, sem citar nenhuma cidade ou local de nascimento. Pela ordem natural das coisas, no entanto, era para ter nascido na cidade do Rio Grande, porque era aqui que moravam seus pais e aqui é que fora gerado, tendo normal desenvolvimento no ventre materno, até a aproximação final da gestação. Circunstância óbvia, porém, fez com que Aporely nascesse fora do pago papareia. É que sua mãe, d. Maria Amélia, que era natural de Pueblo Vergara, Uruguai, ao ver aproximar-se a data do parto, pediu ao marido para ir ter seu filho no mesmo local em que ela nascera e onde residiam seus progenitores: o ianque Johnn Brinkeroff e a sua esposa Francisca, ambos “fuertes hacienderos de ganadaria nel citado pueblo...”. Para lá seguiu, pois dona Amélia, em diligência que fazia o percurso entre Pelotas e Jaguarão. Já próximo a esta cidade uma das rodas da carruagem partiu-se “...e foi aí que eu resolvi nascer, disse Aporely ao repórter da Manchete, para ver o que tinha acontecido. E o que foi que o Barão viu”, perguntou o repórter. “O que eu vi? Vi muito sol e muitas cigarras nos campos da fronteira do RS”. Por esse motivo que Rio Grande deixou de ser a terra natal do maior humorista brasileiro de todos os tempos. Mas se aqui não nasceu, foi aqui pelo menos que mais tarde veio a ser batizado e iniciou seus estudos escolares. O registro está na página 9 do Livro 42, de Batismo da Matriz de S. Pedro com o seguinte teor: “Aos vinte e três dias do mês de setembro de mil oitocentos e noventa e seis, nesta Matriz de São Pedro do Rio Grande, o Ver. Coadjutor Pe. Carlos Becker batizou com os Santos Óleos a APARICIO, nascido a vinte e nove de janeiro de mil oitocentos e noventa e cinco, filho legítimo de João da Silva Torely e de Maria Amélia Brinkeroff, sendo avós paternos Fermino Maria Torely e Regina da Silva Torely, e avós maternos João Brinkeroff e Francisca Brinkeroff. Foram padrinhos o dr. Fermino da Silva Torely e sua irmã Albertina Torely, esta representada por Joaquina Lopes Alves. Para constar mandei lavrar este termo, que assino dia e era ut supra, Vigário Pe. Octaviano Pereira de Albuquerque”.
Torely, em entrevista ao Correio do Povo, deu mais informações sobre sua infância: “Sou filho único do 1º casamento do meu pai. Minha mãe veio a morrer quando eu nem sequer tinha 2 anos. Então o meu pai, que não podia cuidar de mim, mandou-me para o Uruguai tendo passado a viver sob o carinho das minhas tias castelhanas. Aí comecei a falar o espanhol, e hoje vejo terem sido aqueles os melhores anos da minha vida. Passei depois a ler revistas ianques, que meu avô recebia e gostava de me ensinar a lê-las. Meus primeiros amigos foram o cachorro Talismã e um petiço zaino que o meu avô me dera. O cachorro só faltava falar e entendia o que eu dizia, sendo que o petiço estava sempre disposto para levar-me aonde eu quisesse”.
Conforme Neves, João Torely o pai do Barão, casara-se de novo e dessa união houve ao menos mais uma filha, que recebeu o nome Carolina. Num dos Livros de Óbitos do Cemitério Católico, consta o sepultamento de Carolina, falecida em 1923, sem deixar descendência. Por outro lado, o pai, ao tomar conhecimento do estudo do espanhol e do inglês que o seu filho fazia, mandou busca-lo no Uruguai, para iniciá-lo aqui no estudo do português, não se conformando que o filho só fosse estudar língua estrangeira. E foi aí que veio a terminar a vida despreocupada. Ao começar o ano letivo de 1902, ele foi aqui matriculado no Colégio Stela-Maris, dos Irmãos Jesuítas, que então funcionava no mesmo local onde se encontra hoje o Colégio São Francisco. Antes dos Jesuítas encerrarem suas atividades didáticas no Rio Grande, a 15 de abril de 1906, Torely foi transferido para o 2º ano do Ginásio N. Sra. Conceição, dessa mesma irmandade, em S. Leopoldo, agora, porém, como aluno interno. Por três anos alternados em 1907, 1909 e 1911, ele conseguiu tirar os primeiros lugares como aluno laureado. Foi em São Leopoldo que ele começou a destacar-se por seu fino humor. Em 1911, com 16 anos, deu início à carreira de jornalista como redator do pasquim Capim Seco, um semanário manuscrito, no qual satirizava as rígidas normas adotadas pelos jesuítas, inclusive o Padre Réus, que fora um dos seus primeiros professores no Stela-Maris, em Rio Grande.
Teve uma trajetória tumultuada, cursando a Faculdade de Química e Farmácia e depois o Curso de Medicina em Porto Alegre, tendo abandonado os estudos e retornado a atividade jornalística. Mostrando sua irreverência, numa prova de Química ele questionou o prof. Fischer que lhe lançava perguntas sobre o conteúdo: “Mas logo o senhor, que é formado e mestre em Química, vem perguntar isso pra mim?”. O resultado foi a reprovação.
Em 1919 foi para São Gabriel onde trabalhou no jornal A Reação, cidade em que casou e teve três filhos. Em 1922 trabalhou na redação do Diário do Comércio, de Bagé. Em 1925, foi para o Rio de Janeiro e ingressou no jornal O Globo, e no ano seguinte assumiu a direção dos jornais Última Hora e A Manhã.
Foi após a Revolução de 1930, em referência ao combate que não existiu em Itararé, que ele passou a ostentar o título de Barão de Itararé, aprofundando cada vez mais o seu humor e articulação desconcertante de frases. Em 1934 filiou-se ao Partido Comunista e foi eleito vereador pelo PC, que em 1935 foi colocado fora da lei. Foi preso mais de uma vez e inclusive surrado por policiais. Em certa oportunidade, integralistas o levaram para o Alto da Boa Vista, na Tijuca, e o espancaram com voracidade largando-o só de cuecas e cabeça raspada à navalha. Ficou alguns dias de cama, mas quando retornou a atividade do Jornal do Povo, mandou trocar a placa da porta de entrada de sua sala que dizia “Bata antes de entrar”, por outra: “Entre sem bater”. Era com bom humor que ele sobreviveu as visitas cada vez mais freqüentes da polícia getulista após a declaração do Estado Novo em novembro de 1937. Publicou, com interrupções, o jornal A Manhã entre 1926 e 1956 e também editou o famoso Almanaque do Barão de Itararé. Foi encontrado morto em seu apartamento, no Largo do Machado, Rio de Janeiro, em 27 de novembro de 1971. O laudo apontou arteriosclerose, com uremia e coma diabética.
Entre centenas de trocadilhos por ele elaborados, serão destacados alguns que mostram a rapidez de raciocínio e ironia do Barão de Itararé: “Televisão é uma maravilha da Ciência... a serviço da imbecilidade humana”; “Não há  ciências ocultas. O que há são cientistas que procuram ocultá-las”; “Há mulheres que amam um só homem. Um só de cada vez”; “Negociata é um bom negócio, para o qual nunca nos convidam”; “Os ricos são neurastênicos, os pobres é que são malcriados”; “O que se leva desta vida é a vida que a gente leva”. 







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