Com a ocupação portuguesa na então chamada Colônia do Sacramento em
1680 (atual “Colônia” no Uruguai), o trânsito de tropeiros passou a ser
realizado (conforme as conjunturas políticas na Colônia do Sacramento) com o
objetivo de transportar o gado da Vacaria Del Mar. Este Caminho da Praia
cruzava a Planície Costeira platina e brasileira, ligando a Colônia do
Sacramento do Rio da Prata, o litoral do Rio Grande do Sul, Laguna (em Santa
Catarina) e dali tomava o rumo do planalto para Sorocaba e finalmente chegando
a região mineradora em Minas Gerais.
Populações indígenas, nos últimos quatro ou cinco mil anos, possivelmente,
conhecerem estes caminhos desenhados pelas ondas que chegavam as praias com
diferente intensidade conforme as estações do ano. Os primeiros registros
documentais do trânsito pelo litoral remetem à documentação luso-brasileira e
espanhola das últimas décadas do século XVII e dos primórdios do século XVIII. Um
caminho pisado pelo gado, redesenhado pelas ondas e seguia a intuição dos
tropeiros em escolher a linha de praia mais firme para a passagem dos muares.
Um recorte deste Caminho da Praia é o trecho entre os Molhes da
Barra (Molhe Oeste) até o Arroio Taim (ponto geográfico extremo do Brasil ao
Sul). A distância de 220 km
entre a Barra do Rio Grande e o Arroio Chuí foi marcado pelo silêncio da
civilização e os sons da natureza, no espaço praial ainda mais solitário de
todo o Brasil. Nesta área se localizam a Praia do Cassino, a Praia do
Hermenegildo e a Barra do Chuí. A maioria dos moradores da cidade do Rio Grande
desconhecem o espaço praial que segue além do navio Altair, o famoso naufrágio
do ano de 1976.
Para conhecer um pouco do espaço praial mais rarefeito de ocupação
humana do Brasil vou reproduzir algumas passagens do pesquisador Péricles
Azambuja publicadas em seu livro História
das Terras e Mares do Chuí. O autor traz informações sobre como percorrer
com automóvel este Caminho da Praia e aponta que o centenário do início da
circulação da área por automóveis vai ocorrer em 2019.
“As marés constantes, o frígido sul, o repuxão das correntes
marítimas, a força do pampeiro, constroem, após o preamar, uma sólida pista
capaz de permitir, numa média aceitável, um trânsito regular e, às vezes,
bastante rápido a invejar modernas rodovias, mas nunca sem os perigos e
surpresas dos repentinos avanços do mar, que tornam os colchões arenosos uma
ameaça até ao mais experimentado motorista”.
“As primeiras viagens em automóveis particulares datam de 1919.
Motoristas de táxi – ou chauffers de praça, como se chamavam – teriam sido os
primeiros a percorrer, nesse ano, a orla oceânica. Mas foi em 1925 que surgiu a
oportunidade para o surgimento de uma linha regular. Afundara, mais uma vez na
costa, um navio italiano que conduzia azeite e mármore de Carrara para Buenos
Aires. José Benito de los Santos, taxista uruguaio natural de Rocha, foi
contratado pela Exatoria Federal para transportar o azeite até Santa Vitória,
utilizando-se de um pequeno caminhão. O êxito da viagem estimulou-o a inaugurar
um serviço efetivo, embora não rigorosamente preciso: prometeu, e programou-se
para circular uma vez por semana, porém no dia em que as condições da praia
permitissem. Em 1932, um hidroavião da Air France chocou-se, em meio a uma
tempestade noturna, com os mastros do Príncipe de Gales – o famoso navio
britânico. Durante o acidente, a aeronave jogou, sobre a costa do Albardão, uma
mala postal, que José Benito fez chegar, imediatamente, ao correio de Rio
Grande. Foi nomeado, depois disso, agente dos Correios e Telégrafos. José
Benito de los Santos foi aperfeiçoando, como os anos, a sua frota de veículos.
Sua firma –denominada Empresa Atlântica – manteve-se por longo tempo. Alienada
a novos proprietários, lá pelo fim da década de 1940, dedicou-se em seguida a
percorrer uma outra trajetória: o caminho de terra batida, mais para o
interior, que os antigos denominavam, sugestivamente, de Estrada do Inferno e
que, asfaltado e inaugurado em 1969, tomaria a denominação, fria e impessoal,
de BR-471. Ainda nessa ocasião, muitos veranistas que do Cassino se dirigiam a
Punta del Este, por exemplo, preferiam admirar e enfrentar as belezas e as
surpresas da praia – a arrebentação das ondas, as gaivotas, as estrelas do mar,
os colchões de areia, as virações, os ventos, as cerrações espessas. E se o
carro atolasse? Era preciso ser rápido, o mar estava ali, de prontidão, para
tragá-lo em minutos”.
Caminho da Praia - pontilhado que parte da Colônia do Sacramento e chega a Laguna. Acervo: livro História do Rio Grande do Sul. Arthur Ferreira Filho, 1958. |