A oceanógrafa Bruna de Ramos cursou a disciplina
“Processos Históricos na Zona Costeira” que leciono no Programa de
Pós-Graduação em Gerenciamento Costeiro (PPGC-FURG). Bruna me enviou para
leitura uma “crônica com temática ambiental” que diz respeito à Lagoa dos Patos
e a Praia do Cassino. A temática enfatizada pela mestranda tem sido reposta com
preocupação crescente pelos órgãos ambientais do planeta: a poluição das águas
dos oceanos, dos estuários, dos rios...
Às pesquisas oceanográficas tem evidenciado que
até os pontos mais profundos dos oceanos estão apresentando índices
preocupantes de poluição. Alguns danos são mais visíveis: o grande número de
tartarugas marinhas que morrem pela ingestão de plásticos e outros detritos
industriais é apenas um exemplo entre tantos outros. A estimativa é de que
entre quatro e doze milhões de toneladas de plásticos são lançados anualmente
nos oceanos!
A crônica “O Sonho de Brigit” escrita por Bruna
de Ramos é criativa, sensível e contribui para refletirmos sob a identidade
estuarina e costeira que formou a cidade do Rio Grande. Pode nos ajudar a
pensar, com o recurso na literatura fantástica e com “verossímeis criaturas
marinhas”, as nossas ações poluidoras num ecossistema frágil e repleto de
formas de vida.
O SONHO DE BRIGIT
“Brigit é bonita, forte, destemida e com pelos
bem curtinhos, ela se parece com uma lontra, porém de 3.7 metros de
comprimento. Por detrás de sua fofura esconde-se um monstro marinho, temido por
todos que já a viram e pelos que não a viram também.
Ela é solitária e pouco conhece sobre sua
família, entretanto tem alguns amigos que fez na época em que viajar pelo mundo
ainda era seguro e os humanos ainda respeitavam criaturas como ela.
Brigit vive na Lagoa dos Patos no sul do Brasil,
o que faz com que visitas aos seus amigos como o Monstro do Lago Ness, o
Kraken, lula gigante que vive na Islândia ou Moby Dick precisassem ser muito
bem planejadas, já que são longas e exaustivas. Além disso, nos últimos anos as
aves mensageiras não estão mais cumprindo seu papel, muitas delas morrem por
ingestão de fragmentos de plástico coloridos.
Brigit particularmente as achava burras, onde já
se viu comer plástico. Porém uma gaivota anciã explicou para Brigit que o
plástico quando fica mais ou menos um mês no oceano, libera um composto que tem
o mesmo cheiro de fitoplâncton, a comida favorita das aves mensageiras. Assim,
as aves famintas ficam confusas e acabam se alimentando de plástico, sentem-se
saciadas, porém, sem alimento de verdade na barriga, acabam por fim fracas e
não conseguem entregar as mensagens entre os amigos monstros.
A situação de Brigit vem piorando século após
século. Ainda vive na Lagoa dos Patos porque é muito discreta, sai para se
alimentar a noite e em dias intercalados, em zonas diferentes da lagoa. Ela
adora ir até a praia do Cassino pela noite já que é bem deserta. Lá a escuridão
e as dunas criam um ambiente ancestral que dá paz à Brigit. Porém, sempre que
sai para seus passeios carrega muito medo no imenso corpo.
Quase ninguém na cidade de Rio Grande acredita
que ela possa viver tão pertinho. Brigit sabe o perigo que corre, tem medo do
desconhecido. E seu medo é compreensível, no século XIX, Carlos, a serpente
marinha, que era muito amigo de Brigit, foi capturado por uns tais humanos e
pelo que as pombas contaram ele foi exposto no mercado público da cidade, uma
coisa realmente horrorosa.
Brigit é daqueles seres vivos que não morrem,
exceto por duas coisas: Tristeza extrema ou ser tocada por seres egoístas e
maldosos, com 07 toques ela não resistiria. Como ela bem sabe os humanos em sua
maioria são egoístas e maldosos. Porém esse não é o maior problema. Brigit tem
andado muito triste ultimamente, ela vê e vivencia situações muito
desconfortáveis semana após semana.
No último verão ela presenciou uma série de
caranguejos e peixes desesperados presos em redes fantasmas, algumas tartarugas
morrendo asfixiadas com sacolas plásticas e um pinguim com um anel plástico
envolta do pescoço nadando com dificuldades. Ela mesma, ano passado sofreu uma
intoxicação alimentar terrível, fazia muito tempo que isso não ocorria. E dessa
vez foi feio, a praia ficou cheia do que os humanos acharam que era lama.
Brigit acredita que a causa dessa vez não foi a comilança exagerado e sim
porque acabou ingerindo sem querer umas tantas bitucas de cigarro.
Brigit anda cabisbaixa, pensa em algum lugar
para se mudar, mas as poucas mensagens que chegam pelas aves não são
animadoras. Entretanto ela procura se manter otimista, as pombas da cidade
contam que nem tudo está perdido, que tem gente do bem e as coisas irão
melhorar. Algumas tartarugas também a animam contando de projetos que as
protegem e de gente muito legal querendo acabar com o lixo marinho, afinal
ninguém merece lixo em casa, Brigit não suporta mais lixo na casa dela.
Agarrando-se as notícias boas Brigit sonha com o dia em que ela e todas as
criaturas marinhas poderão nadar com tranqüilidade novamente”.
Ilustração: Lontra. In: https://hodarinundu.deviantart.com/art/Enhydriodon-the-monster-otter-202639380
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