Porto do Rio Grande em 1908

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quarta-feira, 30 de maio de 2018

O SONHO DE BRIGIT

        A oceanógrafa Bruna de Ramos cursou a disciplina “Processos Históricos na Zona Costeira” que leciono no Programa de Pós-Graduação em Gerenciamento Costeiro (PPGC-FURG). Bruna me enviou para leitura uma “crônica com temática ambiental” que diz respeito à Lagoa dos Patos e a Praia do Cassino. A temática enfatizada pela mestranda tem sido reposta com preocupação crescente pelos órgãos ambientais do planeta: a poluição das águas dos oceanos, dos estuários, dos rios...
Às pesquisas oceanográficas tem evidenciado que até os pontos mais profundos dos oceanos estão apresentando índices preocupantes de poluição. Alguns danos são mais visíveis: o grande número de tartarugas marinhas que morrem pela ingestão de plásticos e outros detritos industriais é apenas um exemplo entre tantos outros. A estimativa é de que entre quatro e doze milhões de toneladas de plásticos são lançados anualmente nos oceanos!
A crônica “O Sonho de Brigit” escrita por Bruna de Ramos é criativa, sensível e contribui para refletirmos sob a identidade estuarina e costeira que formou a cidade do Rio Grande. Pode nos ajudar a pensar, com o recurso na literatura fantástica e com “verossímeis criaturas marinhas”, as nossas ações poluidoras num ecossistema frágil e repleto de formas de vida.      


O SONHO DE BRIGIT
“Brigit é bonita, forte, destemida e com pelos bem curtinhos, ela se parece com uma lontra, porém de 3.7 metros de comprimento. Por detrás de sua fofura esconde-se um monstro marinho, temido por todos que já a viram e pelos que não a viram também.
Ela é solitária e pouco conhece sobre sua família, entretanto tem alguns amigos que fez na época em que viajar pelo mundo ainda era seguro e os humanos ainda respeitavam criaturas como ela.
Brigit vive na Lagoa dos Patos no sul do Brasil, o que faz com que visitas aos seus amigos como o Monstro do Lago Ness, o Kraken, lula gigante que vive na Islândia ou Moby Dick precisassem ser muito bem planejadas, já que são longas e exaustivas. Além disso, nos últimos anos as aves mensageiras não estão mais cumprindo seu papel, muitas delas morrem por ingestão de fragmentos de plástico coloridos.
Brigit particularmente as achava burras, onde já se viu comer plástico. Porém uma gaivota anciã explicou para Brigit que o plástico quando fica mais ou menos um mês no oceano, libera um composto que tem o mesmo cheiro de fitoplâncton, a comida favorita das aves mensageiras. Assim, as aves famintas ficam confusas e acabam se alimentando de plástico, sentem-se saciadas, porém, sem alimento de verdade na barriga, acabam por fim fracas e não conseguem entregar as mensagens entre os amigos monstros.
A situação de Brigit vem piorando século após século. Ainda vive na Lagoa dos Patos porque é muito discreta, sai para se alimentar a noite e em dias intercalados, em zonas diferentes da lagoa. Ela adora ir até a praia do Cassino pela noite já que é bem deserta. Lá a escuridão e as dunas criam um ambiente ancestral que dá paz à Brigit. Porém, sempre que sai para seus passeios carrega muito medo no imenso corpo.
Quase ninguém na cidade de Rio Grande acredita que ela possa viver tão pertinho. Brigit sabe o perigo que corre, tem medo do desconhecido. E seu medo é compreensível, no século XIX, Carlos, a serpente marinha, que era muito amigo de Brigit, foi capturado por uns tais humanos e pelo que as pombas contaram ele foi exposto no mercado público da cidade, uma coisa realmente horrorosa.
Brigit é daqueles seres vivos que não morrem, exceto por duas coisas: Tristeza extrema ou ser tocada por seres egoístas e maldosos, com 07 toques ela não resistiria. Como ela bem sabe os humanos em sua maioria são egoístas e maldosos. Porém esse não é o maior problema. Brigit tem andado muito triste ultimamente, ela vê e vivencia situações muito desconfortáveis semana após semana.
No último verão ela presenciou uma série de caranguejos e peixes desesperados presos em redes fantasmas, algumas tartarugas morrendo asfixiadas com sacolas plásticas e um pinguim com um anel plástico envolta do pescoço nadando com dificuldades. Ela mesma, ano passado sofreu uma intoxicação alimentar terrível, fazia muito tempo que isso não ocorria. E dessa vez foi feio, a praia ficou cheia do que os humanos acharam que era lama. Brigit acredita que a causa dessa vez não foi a comilança exagerado e sim porque acabou ingerindo sem querer umas tantas bitucas de cigarro.
Brigit anda cabisbaixa, pensa em algum lugar para se mudar, mas as poucas mensagens que chegam pelas aves não são animadoras. Entretanto ela procura se manter otimista, as pombas da cidade contam que nem tudo está perdido, que tem gente do bem e as coisas irão melhorar. Algumas tartarugas também a animam contando de projetos que as protegem e de gente muito legal querendo acabar com o lixo marinho, afinal ninguém merece lixo em casa, Brigit não suporta mais lixo na casa dela. Agarrando-se as notícias boas Brigit sonha com o dia em que ela e todas as criaturas marinhas poderão nadar com tranqüilidade novamente”. 





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