Uma
coletânea de artigos escritos para o jornal Gazeta
do Sul de Santa Cruz do Sul por Hardy Elmiro Martin foram publicados no
livro Recortes do Passado de Santa Cruz
(Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 1999). Martin traduziu parte de uma carta escrita
em dezembro de 1852 por Rudolf Gressler a seus familiares residentes em
Stadtilm, atual Alemanha. O imigrante Gressler relatou alguns acontecimentos de
sua viagem de veleiro cruzando o Oceano Atlântico com destino a Colônia de
Santa Cruz, no ano de 1852.
Desde
1824, imigrantes oriundos da atual Alemanha começaram a chegar ao Rio Grande do
Sul, estabelecendo-se na região dos vales dos rios, num movimento colonizatório
de ocupação de espaços produtivos para a agricultura familiar que teve
continuidade na serra gaúcha, a partir de 1875, com os colonos italianos. Em 19
de dezembro de 1849 a primeira leva, composta de 12 imigrantes, chegou a Picada
Velha, na colônia de Santa Cruz. Foram trazidos ao Rio de Janeiro pela
embarcação prussiana Bessel, ali
chegando em 15 de setembro daquele 1849. Foram embarcados para a Província de
São Pedro do Rio Grande do Sul chegando via marítima a cidade do Rio Grande.
Desta localidade seguiram pela Lagoa dos Patos até Porto Alegre, após, pelo Rio
Jacuí prosseguiram até Rio Pardo. Desta Vila, em carretas, seguiram até a
Colônia de Santa Cruz. Em Rio Pardo os imigrantes recebiam ferramentas,
utensílios e alimentação para os primeiros tempos.
Levas posteriores, como a do imigrante que
será relato a seguir, tiveram uma trajetória semelhante nesta epopéia dos
imigrantes: a saída da Europa pelo Mar do Norte; a viagem pelo Atlântico; a
chegada ao litoral brasileiro (no caso do navio de Gressler, diretamente a Rio
Grande); a navegação pela Lagoa dos Patos e pelo Rio Jacuí; o percurso
terrestre entre Rio Pardo e Santa Cruz; a descoberta da opulência e miséria da
nova terra.
A VIAGEM MARÍTIMA
Solidão,
suicídio, racionamento de comida e água, perigo de naufrágio, tempestades, medo
do desconhecido, um novo e assustador mundo pouco a pouco surgia enquanto as
misérias vividas na Europa ainda atormentavam os emigrantes. O apreensivo
cotidiano dos navios que traziam os colonizadores do século XIX pode ser
parcialmente sentido nesta correspondência de Gressler, a bordo do veleiro Marianne:
“O perigo de colidir com outra
embarcação [ao navegar pelo Canal da Mancha] era muito grande e por esta razão
o nosso capitão mandou acender archotes o que tripulantes de outros navios
também fizeram. No dia seguinte (18 de agosto de 1852) velejamos ao lado de
navios que transportavam emigrantes para os Estados Unidos e para o Chile. A 20
de agosto, à noite, quase fomos abalroados por navio muito maior que o nosso.
Fomos salvos por gritos de nossos marinheiros e escapamos por pouco. A água
para beber estava ficando rara e o capitão resolveu reabastecer em Fallmouth,
na Inglaterra. Alguns passageiros tiveram licença para ir à cidade. Às 22 horas
partimos e a 26 de agosto ingressamos no Oceano Atlântico (...). Aos 11 de
setembro, à noite, faleceu a esposa do amigo Berger, de Erfurt, devido a um
ataque apoplético. No dia seguinte, o corpo foi lançado nas água do Oceano
Atlântico. A 13 e 14 de setembro houve calmaria e nestes dias vimos os
primeiros peixes voadores, quase sempre perseguidos por golfinhos. No dia 22
três enormes tubarões chegaram bem perto do nosso navio. No dia 25 assistimos a
algo terrível. Uma senhora – mentalmente perturbada – não resistiu à solidão e
lançou-se ao mar. Seu esposo e as seis crianças começaram a gritar. O capitão
imediatamente mandou descer um bote em que quatro marinheiros iniciaram busca
infrutífera...
Aos
29 de setembro, à noite, houve princípio de rebeldia a bordo devido ao
racionamento de alimentos. Felizmente uma comissão eleita foi ter com o capitão
e a paz e a tranqüilidade voltaram a reinar. Nos dias 2 e 3 de outubro choveu
bastante, possibilitando a cada um apanhar bastante água. Dois dias após
tremenda tempestade sacudiu o navio. Foi horrível e cada um procurou segurar-se
onde possível, caso contrário, seria jogado de um canto a outro, sujeito a
sérios ferimentos. O capitão berrava a plenos pulmões dando ordens e
solicitando o auxílio aos passageiros homens. Parecia o nosso fim...”
A CHEGADA A RIO GRANDE: o perigo da barra
“Finalmente
no dia 4 de novembro de 1852, às 17 horas, conseguimos vislumbrar o litoral do
Brasil (portanto, após três meses de viagem). Não é possível descrever a
alegria que todos sentimos. Porém, neste dia não conseguirmos chegar a terra.
De noite vimos à luz do farol e as chamas de enorme fogueira. Na manhã seguinte
não houve vento favorável. O pão, já raro, há duas semanas era servido apenas
uma vez por dia. À tarde, porém, houve vento necessário. Em companhia de dois
navios atravessamos a barra do Rio Grande, o que não foi fácil. Mulheres e
crianças não tiveram licença para permanecerem no convés, onde apenas ficaram
os homens, mas sem falar. A parte navegável estava demarcada e foi
cuidadosamente seguida. O perigo de encalhar num banco de areia era sempre
presente, mas tudo transcorreu sem maiores problemas para nós, o que não
ocorreu com um dos navios que nos acompanhava. No dia seguinte, às seis horas,
vieram autoridades brasileiras examinar os ocupantes do Marianne. Entre os visitantes houve alguns negros com que nossas
crianças se assustaram. Depois fomos rebocados por um navio brasileiro até o
porto de Rio Grande, onde fomos muito bem recebidos e tratados”.
SEGUINDO VIAGEM PARA A COLÔNIA
“Fomos embarcados em outro navio que
nos trouxe até Porto Alegre, onde chegamos a 9 de novembro. Três dias após, em
navio menor, fomos levados pelo Rio Jacuí até a Vila de Rio Pardo, onde
chegamos no dia 13. Todos os nossos pertences foram carregados em carretas de
duas rodas, puxadas por oito bois. Dois homens a cavalo acompanhavam cada
carreta. Ao todo foram 12 carretas e 96 bois. Tudo era propriedade de apenas um
senhor. Pernoitamos duas vezes no campo. (...) A viagem de Rio Grande até aqui,
na Colônia de Santa Cruz, é inesquecível. A mata virgem, a infinidade de
exemplares de pássaros e animais nos deixa estupefatos e perplexos. Apenas o
clima, no início, pode apresentar pequenos transtornos. Mas logo nos
habituamos. Os operários aqui são bem remunerados. Um seleiro que veio conosco
da Alemanha encontrou trabalho em Rio Grande...”.
Navio com imigrantes alemães. Acervo: Revista de História da BNRJ. |
Quadro retratando a chegada dos alemães a São Leopoldo em 1824. Ernest Zeuner. |
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