“Na mão de um homem de coragem, qualquer arma serve – uma foice, um
mosquete, um machado, ou até um prego na ponta de um pau”. Giuseppe Garibaldi
(1807-1882)
GIUSEPPE GARIBALDI
Segundo Hermann Viola, apesar da precariedade
dos conhecimentos de Garibaldi sobre estratégia militar, este tinha uma
capacidade instintiva de avaliar corretamente uma situação de confronto com o
inimigo e de reagir a ela da melhor forma possível. A aura de humildade que o
cercava e sua falta de ambições pessoais também contribuiu para seu sucesso.
Teria direito a honrarias e recompensas, mas elas não lhe interessavam. Morreu
tão pobre e humilde como sempre viveu. Apoiando-se apenas na coragem dos seus
homens, sem sequer tentar descobrir as fraquezas do inimigo, Garibaldi recorria
com freqüência a ataques frontais e suicidas de pequenos destacamentos pouco
armados contra batalhões de soldados de carreira, mais numerosos, bem treinados
e portadores de armas modernas e farta munição. Como resultado, perdeu alguns
dos seus melhores oficiais e ele próprio poderia ter morrido em combate, caso a
providência e a sorte não fossem suas companheiras constantes.
Quaisquer que tenham sido seus erros, porém,
não há dúvida de que Garibaldi foi um brilhante guerreiro e um patriota
sincero. Seu infatigável e revolucionário espírito de justiça explicam sua
preocupação pelas questões sociais até o fim da vida. Opôs-se ativamente contra
a pena de morte e apoiou o socialismo. “O futuro da Itália pertence às classes
operárias”, declarou pouco antes de morrer.
A BATALHA DE SÃO JOSÉ DO NORTE
Esta Batalha foi um dos confrontos decisivos
da Revolução Farroupilha e representou uma derrota para os revolucionários. A
tentativa de tomada de São José do Norte no dia 16 de julho de 1840, um
confronto entre 600 imperiais contra 1200 farroupilhas resultou em 72 mortos,
87 feridos e 84 prisioneiros do lado do Império e em 181 mortos, 150 feridos e
18 prisioneiros do lado Farroupilha. Que o combate foi tenaz e encarniçado o
mostram as perdas recíprocas, sendo este um dos mais sanguinolentos confrontos
desta guerra. Na visão do monarquista Tristão Alencar Araripe o “tempo era frio
e tempestuoso, e os assaltantes encobertos pelos cômoros de areia que cercam a
vila, puderam aproximar-se sem serem pressentidos pelas sentinelas da guarnição
legal. Pela uma hora da madrugada começa o assalto: os rebeldes penetram nas
trincheiras e dominam a praça. A guarnição dela, sob o comando do Coronel de
legião Antonio Soares de Paiva, pôde ser socorrida por gente da vizinha cidade
do Rio Grande, e conseguiu expulsar os rebeldes. O conflito durou nove horas. O
socorro foi escasso em conseqüência do temporal, que então agitava às águas,
que separam os dois lugares; bastou, porém para animar a guarnição agredida. A
resistência das forças legalistas valeu a São José do Norte o título outorgado
por D. Pedro II de mui heróica Vila.
O DIÁRIO
Conforme
Garibaldi em seu diário redigido por Alexandre Dumas (1802-1870), as forças do
Império, a fim de realizarem incursões na campanha, foram forçadas a
desguarnecer de infantaria as cidades fortificadas, como é o caso de São José
do Norte que se apresentava vulnerável frente a um ataque fulminante. Segundo
ele, esta cidade situada na margem setentrional da embocadura da Lagoa dos
Patos era uma das chaves da Província, tanto no aspecto político quanto no
comercial. Seu controle significaria a conquista de uma saída para o mar num
momento difícil para as forças farroupilhas. “Sua tomada, mais do que útil,
tornava-se imprescindível”. Na cidade encontravam-se produtos de todo o gênero,
necessários à indumentária de combate que era de “qualidade lastimável do lado
farroupilha”, além disso, seria o controle do único porto marítimo da Província.
Porém,
a desventura perseguiu a ação militar, a qual foi “conduzida com uma admirável
sabedoria e em absoluto segredo, os seus frutos foram inteiramente perdidos por
ter-se hesitado a desfechar o golpe final. Uma marcha obstinada de oito dias e
de vinte e cinco milhas diárias conduzira-nos até os muros da praça-forte”.
Conforme
Garibaldi tudo aconteceu numa “daquelas noites de inverno, no curso das quais
abrigo e fogo são como favores da Providência. Nossos pobres soldados da
liberdade, famintos e esfarrapados, com os membros entorpecidos pelo frio, o
corpo regélido sob a cordoada de uma terrível tempestade – nossa companheira
durante a maior parte do percurso – avançavam silenciosos contra fortes e
trincheiras ocupadas por sentinelas. Os cavalos dos chefes foram deixados sob a
guarda de um esquadrão de cavalaria comandado pelo coronel Amaral a uma pequena
distância das muralhas, e cada homem, reunindo o resto das suas forças,
preparou-se para o combate.
O alerta dado por um sentinela serviu como
toque de atacar. A resistência das muralhas foi fraca e fugaz, malgrado o fogo
arrojado pelos canhões do forte. À uma e meia da madrugada começáramos o
assalto e, às duas horas, apossávamo-nos dos redutos imperiais e de três ou quatro
fortificações que as guarneciam, todas tomadas pelo assédio das baionetas.
Senhores de todo o baluarte, senhores dos
bastiões, consumada a incursão na cidade, parecia impossível que ela nos
escapasse. Pois bem! Ainda uma vez, o aparentemente irrealizável cumpria a sua
sina. Tendo ganho as ruas no intramuros de São José, nossos soldados presumiram
que tudo estava liquidado: a maior parte deles dispersou-se, atraído pelo
engodo da pilhagem.
Enquanto isso, refeitos da surpresa, os
homens do Império reuniram-se numa zona protegida da cidade. Nós a atacamos.
Eles nos rechaçaram. Os chefes procuraram por toda parte os soldados que
multiplicariam os ataques, mas a procura foi inútil: quando alguns eram
encontrados, via-se que estavam entretidos com os seus espólios, ou bêbados, ou
então com os seus fuzis quebrados ou avariados de tanto que haviam violado e
rompido as portas daquelas casas.
Quanto ao inimigo, ele não perdia o seu
tempo. Vários navios de guerra que se achavam atracados no porto tomaram
posição atravessando as suas baterias de tiro pelas ruas onde nos
encontrávamos. Enviamos chamados de auxílio a Rio Grande, cidade localizada na
margem oposta da embocadura dos Patos. Um único forte, cuja ocupação havíamos
negligenciado, servia de refúgio ao inimigo, e o maior de todos, o Forte do
Imperador – que tomáramos durante o morticínio de um glorioso assalto -, acabou
sendo devastado por uma terrível explosão do paiol, que dizimou um bom número
de homens. Em suma, o mais retumbante dos triunfos havia-se transformado, por
volta do meio-dia, na mais humilhante das retiradas.
Os bons choravam, irados e
desesperados. Diante da nossa situação e face aos esforços que empenháramos o
nosso fracasso fora colossal. A partir daquele momento, a nossa infantaria não
seria mais que um esqueleto. Quanto à diminuta cavalaria que fizera a
expedição, ela empregou-se a proteger a retirada. A divisão retornou a seus
aboletamentos de Bela Vista. Eu fiz estação, com a marinha, em São Simão. Toda
a minha tropa resumia-se a cerca de quarenta homens entre oficiais e soldados”.
Garibaldi em Nápoles (1861), Library of Congress. |
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