No livro publicado em 1905, O Brasil de
Hoje, o Barão Francisco Homem de Melo discute assuntos de cultura e
política de seu tempo. Um tema que ele tratou foi sobre o “preconceito” que o
café brasileiro sofria na Europa. Isto parece ficção, pois, desde 1840, o café
era o principal produto da balança comercial brasileira e foi responsável pela
formação de uma sólida aristocracia cafeeira que defendeu a Monarquia, mas
abandonou o navio à deriva quando da Proclamação da República (1889). Na
República Velha o café continuou a mandar na economia brasileira e propiciar,
através dos capitais oriundos da cafeicultura, a supremacia paulista na
industrialização brasileira.
A desvalorização ou até desconhecimento do café
brasileiro foi narrado por Homem de Melo: “O certo é que o nosso café continua, em Paris, Londres, Berlim, Roma,
Nápoles, a ser exposto à venda, com letreiros bem visíveis que o dão como
originário de Moka, Java, Guadalupe, México e até Mont Pellé! Em diversas
localidades, constatando a falsa designação dada ao nosso café, a pretexto de
comprar, pedíamos nos servissem gênero de procedência brasileira. Ninguém o
conhecia, e algum negociante que dele tinha notícia não o vendia no seu
estabelecimento, porque não era... bon marché. No mostrador de uma loja de
Genebra, vi anunciado à venda Café Santos. Entrei e pedi - café brasileiro. O
proprietário da casa respondeu-me que não tinha, nem conhecia essa marca. -
Mas, este Café Santos de onde procede? - Ora, da República da Argentina”.
Atualmente, um dos
orgulhos dos brasileiros é a qualidade do seu café! Terão fundamento estas
afirmações do descrédito do nosso café?
Conforme Eduardo César no artigo “Do Café Rio aos Microlotes Especiais - Uma breve história da
qualidade dos grãos brasileiros” (https://coffeeinsight.com.br) a reputação do Brasil como
produtor de cafés de baixa
qualidade remonta ao século XIX. Para César, “diversos fatores
contribuíram para que essa imagem se formasse, e alguns ainda estão presentes
na cafeicultura moderna. A fama dos concorrentes como produtores de qualidade também teve origem
naquela época. Por volta de 1840, o Brasil já era o maior exportador de café do
mundo. Até o final do século sua participação nas exportações globais chegou
a 80%. O domínio do mercado
cafeeiro pelo nosso país foi, sem dúvidas, um grande feito, mas isso ocorreu
por meio da venda de grãos
inferiores”. Os cafés eram classificados em Brazils (café amargo ou Café
Rio) e milds (suaves). No Brasil não havia colheita seletiva e os grãos eram
colhidos e misturados com diferentes tipos de café. “A secagem e o
beneficiamento eram muito rudimentares. O clima e a altitude
das lavouras brasileiras também contribuíram para a imagem negativa.
Logo se percebeu que o café nacional tinha menos corpo e acidez que os de
outras regiões”. A produção de café era volumosa, mas não se buscou a produção
da cafés superiores visando um mercado mais refinado de paladar.
Não devemos confundir a busca de qualidade
diferenciada no mercado internacional com o ato do consumo de café no Brasil e
a satisfação em degustar marcas consagradas industrializadas ou torrefações e
moagens artesanais que se espalhavam pelas cidades (formando um mercado local):
gerações foram marcadas pelo odor emanado de uma xícara de café saboreado em
casa ou numa cafeteria lotada de consumidores. Sociabilidades familiares e
públicas se constituíram em torno do café...
A busca foi outra: somente nos anos 1990 é que a
pesquisa brasileira voltada a cafés de qualidade superior foram sendo
implementadas de forma positiva. “Novas práticas e tecnologias foram criadas e
disseminadas nas regiões produtoras”. As exportações de cafés diferenciados
crescem continuamente e os grãos brasileiros são “sinônimo de qualidade. O país
é o principal fornecedor de grandes
torrefadoras internacionais, conhecidas por exigirem padrões específicos”.
Mais de um século após as afirmações de Homem de
Melo sobre o desconhecimento e preconceito ao café brasileiro (o mesmo café que
era consumido acreditando ser de outras procedências...), o nome “Brazil”
estampa não apenas sacas (60 kg) mas também as embalagens de edições especiais que
são vendidas no planeta.
Pé-de-café, Marc Ferrez, final do século XIX. |
Pintura de Portinari, café, 1934. |
Propaganda de café brasileiro em Portugal. |
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