Porto do Rio Grande em 1908

Porto do Rio Grande em 1908

quarta-feira, 16 de maio de 2018

SINISTRO MARÍTIMO

“Dentro da noite na calma habitual de nossa pacata cidade um navio desusado, iniciou-se de momento prezo de um dinamismo invulgar que tinha qualquer coisa de angustioso. Depois, alarmados e consternados os raros que dela tiveram ciência, a nota célere levou a notícia trágica de que um vapor na barra, prestes a assobrar ingentemente clamava socorro. Do Porto Velho, o apito demorado e alarmante dos rebocadores era um apelo decisivo a marujada da terra conclamando-a para o cumprimento do dever. Fogos acesos, máquinas que se movimentam, fumo nas chaminés tudo indica a atividade infatigável dos homens do mar. Eles sabem melhor do que ninguém antever o espetáculo dantesco do mar em fúria arrastando no pináculo aguçado o espumante das ondas, as últimas esperanças do náufrago aflito. Por isso trabalham. As caldeiras fervem, as fornalhas atiram o clarão rubro para o dorso suorento do carvoeiro que tem um movimento rítmico e apressado, lançando carvão... Quando a manhã brevemente bordou de ouro as franças das árvores e as beiras dos telhados umedecidos, a notícia corria já brandando a plenos pulmões na boca dos madrugadores, dizendo do sinistro que enchera a noite de pavor. Assim, infatigáveis, na faina de melhor servir a nosso público, o dia nos encontrou na lida, prosseguindo na tarefa árdua”. (Eco do Sul, 06 de fevereiro de 1933).

O FATO
Aproximadamente à 01h30min da madrugada de domingo, dia 05 de fevereiro de 1933, a Capitania dos Portos recebeu mensagem da Estação de Rádio da Junção, comunicando que o Paquete Araçatuba da frota do Lloyd Nacional, chocou-se com o molhe leste encontrando-se em perigo de afundamento. Falhas no sistema de sinalização e o mau tempo devido ao vento sul, provocaram o acidente. A participação de rebocadores no resgate foi crítica por passageiros que exaltaram o comportamento da tripulação que buscava controlar o pânico a bordo. Conforme o jornal O Tempo, o navio trazia 46 passageiros e 72 tripulantes. O drama vivido nas horas que se seguiram ao acidente, fez reviver a memória da população sobre a tragédia do naufrágio do navio Rio Apa em julho de 1887. No teatro dos acontecimentos, os molhes da barra, e num dia dedicado ao culto de Nossa Senhora dos Navegantes, a sobrevivência acabou superando a tragédia.

O ARROJADO MARINHEIRO
         O Araçatuba, vindo do norte do país com destino a Rio Grande, Pelotas e Porto Alegre, devido à inexistência de bóia de luz que deveria orientar a navegação junto à entrada dos molhes chocou-se com as pedras. O vento e a forte correnteza alarmaram a tripulação sobre a rápida possibilidade de afundamento. Esta a preocupação fez com tentativas de prender um cabo de vai-e-vem fossem realizadas por tripulantes do navio. O êxito na ligação entre o navio e a terra coube ao marinheiro João Alves, “o gaúcho”, o qual, lançando-se ao mar, conduziu um cabo para uma possível passagem dos passageiros. Apesar das contusões e escoriações disseminadas nos pés, mãos e rosto, provocadas pelo choque com as pedras do molhe leste, o marinheiro conseguiu dirigir-se para a praticagem informando do acidente. Conforme o jornal O Tempo “por esse meio e usando-se uma cadeirinha, procedeu-se ao salvamento, primeiramente das crianças e senhoras e mais tarde, quando os elementos amainaram, lançou-se mão de baleeiras do Araçatuba para o transporte dos demais passageiros que desembarcaram na 5ª secção da Barra, indo dali para a Vila Siqueira, com destino a cidade” (O Tempo, 07/02/1933).
         O acidente ocorreu no dia comemorativo de Nossa Senhora dos Navegantes, com grande movimentação de embarcações que deslocam-se anualmente para São José do Norte. Com a difusão da notícia, a apreensão tomou conta dos participantes. No domingo à tarde, informados do salvamento dos passageiros e tripulantes, a procissão passou a ser de ação de graças. “A esta cerimônia solidarizaram-se todos quantos se encontravam na vila”, quando a multidão seguiu a banda musical Rossini pelas ruas centrais de São José do Norte comemorando o final feliz do incidente.

AS CAUSAS E OS PREJUÍZOS
         Os passageiros, a maioria dos quais rumava para Porto Alegre, ao deixarem a cidade, redigiram uma declaração com o seguinte teor: “Nós, abaixo assinados, passageiros do vapor nacional Araçatuba, salvos depois do triste sinistro, queremos, antes de retirarmo-nos desta cidade, patentear todos os nossos agradecimentos e admiração pela atuação calma e eficiente, e peça grande perícia do sr. Comandante (Alberto Martinho de Almeida) e de todos os demais componentes da tripulação, oficiais e marinheiros, no momento de grande perigo originado ao que podemos constatar, na falta de uma bóia luminosa indicativa do canal de acesso da barra”. A falta de sinalização foi apontada, nos jornais, como o fator que motivou o choque com o molhe”.
         Dez dias após o acidente o navio continuava a afundar lentamente, não deixando dúvida que “em breve desaparecerá no seio das águas, descendo à profundidade de doze metros existentes no local em que naufragou”. O navio ficou em atrito com as pedras, acompanhando o movimento das ondas, “com o embate de encontro às pedras, além do grande rombo de cinco metros, que recebeu ao montar no molhe, o navio está agora abrindo fendas em vários outros pontos. A submersão do navio pela proa vai se dando gradualmente”. Entretanto, os serviços de resgate da carga continuavam. “Estes trabalhos, dirigidos pelo comandante Julio Bahia, com segurança e presteza, tem conseguido salvar carga que montam já a algumas centenas de contos de réis. Só as partidas de lança-perfume que o navio perdido trazia para o carnaval próximo, em Porto Alegre, Rio Grande e Pelotas, já montam a cerca de 180:000$000. Ao mesmo tempo arrebatados pelas águas, à parte do navio já submersa, continuam a dar à praia objetos, móveis e cargas do Araçatuba as quais alcançam já a altura dos faróis do Sarita e do Albardão. A autoridade fiscal teve denúncia de que pessoas residentes nas proximidades destes faróis estão se apoderando dos salvados...” (O Tempo, 15 de fevereiro de 1933).
No mês de março, o navio prosseguiu em seu lento desaparecimento nas profundezas da barra do Rio Grande...

Ilustrações: Acidente do navio Araçatuba nos Molhes da Barra. Fonte: Acervo Histórico do Porto do Rio Grande.








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