Os conceitos de Pré-História e História
definem modos-de-ser e agir, exclusão e inclusão dos participantes de um processo
a partir de motivações sociais, políticas e econômicas, situando-se - em e além
- de querelas acadêmicas entre antropólogos, arqueólogos e historiadores.
A natureza do “histórico”, a transição, exclusão e
complementaridade das populações do “Pré” frente à inserção no “histórico” é um
campo complexo que permite diferenciadas leituras.
A
caracterização dos agentes históricos e pré-históricos e seu papel na formação
do Rio Grande do Sul tem sido objeto de investigação desde os primeiros estudos
historiográficos na primeira metade do século XIX. A delimitação entre História
e Pré-História é preocupação implícita e explícita. A tentativa em demarcar o
“início da história” não evidencia apenas um marco cronológico, mas também uma
preocupação historicizante. Ou seja, destituir de historicidade os agentes
anteriores ao marco delimitador do desencadear do processo civilizatório, - seja
de orientação jesuítico-missioneira ou luso-brasileira-, é no mínimo artificioso.
As
populações indígenas que ocupavam a metade sul do atual estado do Rio Grande do
Sul antes do contato com as frentes de expansão luso-brasileira ou
hispano-americana constituíram outras leituras históricas que não se resumem as
versões européias. A história européia
como marco da historicidade é redutora de um raciocínio de longa duração, pois
os povoamentos pré-históricos recuam aos últimos doze milênios e não aos
últimos quatro séculos.
Portanto, os cortes cronológicos e culturais
entre o Pré-Histórico e Histórico não convergem para referenciais intocáveis, e
sim para historicidades complexas dinamizadas no contato entre indígenas e
europeus. O estatuto de selvagem e civilizado, de cidadão e de pária, além de
ser etnocêntrico, não é de simples definição.
A ocupação da atual unidade administrativa
denominada Rio Grande do Sul processou-se numa longa duração temporal e na
diversidade de adaptações aos diferentes ambientes. Os grupos de caçadores,
coletores, pescadores e horticultores que povoaram a Bacia Platina Oriental
desde o final do pleistoceno deixaram evidências materiais de sua cultura nos
artefatos líticos, cerâmicos, representações artísticas, nos padrões de
ocupação etc.
Após a chegada dos europeus, a
etnografia registrou a presença de populações Charruas e Minuanos nos espaços pampianos.
Desses contatos entre ibéricos e índios resultou uma série de influências,
desejadas ou indesejadas aos colonizadores, que inviabiliza as noções de mera
substituição da cultura indígena pela européia. As sociedades ibero-americanas
incorporaram parte da herança cultural, social e biológica dos indígenas.
Concomitante ao etnocídio e genocídio, ao cruzamento racial e disseminação de
“gauchos”, o universo colonial indígena não desapareceu com o simples desejo de
esvaziar os espaços “não-civilizados”. A “terra de ninguém”, como referência a
territórios ocupados por indígenas, foi o cenário onde se desenrolaram relações
complexas com o colonizador, e não um súbito desaparecimento étnico-cultural
frente à chegada dos “portadores de historicidade”.
A etnografia registra a presença de
charruas e minuanos no corredor fisiográfico que liga a latitude da Barra do
Rio Grande até a Colônia do Sacramento no Rio da Prata. As tropelias oriundas
das lutas entre Portugal e Espanha pela posse da região Platina Oriental,
estabeleceu a estas populações contatos civilizatórios que levaram a mudança
dos padrões culturais de sobrevivência e ao cruzamento biológico que produziu o
gaúcho ou “gaucho”, um produto fenotípico do pampa adaptado a um modo-de-vida
que antecede o estabelecimento da civilidade e dos cercamentos dos campos até
meados do século XIX.
Este gaúcho histórico, um centauro
índio/europeu percorreu as coxilhas, a planície costeira e as terras platinas
num período de aventureiros, caudilhos, changadores e vaqueanos e que
constituíram grande parte da peonada das estâncias da fronteira sul. Foi à
adaptação parcial de um modo-de-ser nômade típico das populações Charruas e Minuanos.
Estes indígenas conheciam a geografia da sobrevivência pampiana antes da
civilidade européia fechar os espaços de deslocamento e as frentes de fricção
luso-espanholas, promoverem as lutas platinas que dizimaram milhares de
indígenas, mas, que não apagaram sua presença na história rio-grandense e do
Rio da Prata.
Índios Pampeanos. Carlos Morel cerca de 1830. MNBA de Buenos Aires. |
Minuanos no Uruguai. Segunda metade do século XIX. |
Cacique Vaimaca por volta de 1830. |
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