Porto do Rio Grande em 1908

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segunda-feira, 21 de maio de 2018

A HISTORICIDADE INDÍGENA

Os conceitos de Pré-História e História definem modos-de-ser e agir, exclusão e inclusão dos participantes de um processo a partir de motivações sociais, políticas e econômicas, situando-se - em e além - de querelas acadêmicas entre antropólogos, arqueólogos e historiadores.
A natureza do “histórico”, a transição, exclusão e complementaridade das populações do “Pré” frente à inserção no “histórico” é um campo complexo que permite diferenciadas leituras.
         A caracterização dos agentes históricos e pré-históricos e seu papel na formação do Rio Grande do Sul tem sido objeto de investigação desde os primeiros estudos historiográficos na primeira metade do século XIX. A delimitação entre História e Pré-História é preocupação implícita e explícita. A tentativa em demarcar o “início da história” não evidencia apenas um marco cronológico, mas também uma preocupação historicizante. Ou seja, destituir de historicidade os agentes anteriores ao marco delimitador do desencadear do processo civilizatório, - seja de orientação jesuítico-missioneira ou luso-brasileira-, é no mínimo artificioso.
         As populações indígenas que ocupavam a metade sul do atual estado do Rio Grande do Sul antes do contato com as frentes de expansão luso-brasileira ou hispano-americana constituíram outras leituras históricas que não se resumem as versões européias.  A história européia como marco da historicidade é redutora de um raciocínio de longa duração, pois os povoamentos pré-históricos recuam aos últimos doze milênios e não aos últimos quatro séculos.
Portanto, os cortes cronológicos e culturais entre o Pré-Histórico e Histórico não convergem para referenciais intocáveis, e sim para historicidades complexas dinamizadas no contato entre indígenas e europeus. O estatuto de selvagem e civilizado, de cidadão e de pária, além de ser etnocêntrico, não é de simples definição.
A ocupação da atual unidade administrativa denominada Rio Grande do Sul processou-se numa longa duração temporal e na diversidade de adaptações aos diferentes ambientes. Os grupos de caçadores, coletores, pescadores e horticultores que povoaram a Bacia Platina Oriental desde o final do pleistoceno deixaram evidências materiais de sua cultura nos artefatos líticos, cerâmicos, representações artísticas, nos padrões de ocupação etc.
Após a chegada dos europeus, a etnografia registrou a presença de populações Charruas e Minuanos nos espaços pampianos. Desses contatos entre ibéricos e índios resultou uma série de influências, desejadas ou indesejadas aos colonizadores, que inviabiliza as noções de mera substituição da cultura indígena pela européia. As sociedades ibero-americanas incorporaram parte da herança cultural, social e biológica dos indígenas. Concomitante ao etnocídio e genocídio, ao cruzamento racial e disseminação de “gauchos”, o universo colonial indígena não desapareceu com o simples desejo de esvaziar os espaços “não-civilizados”. A “terra de ninguém”, como referência a territórios ocupados por indígenas, foi o cenário onde se desenrolaram relações complexas com o colonizador, e não um súbito desaparecimento étnico-cultural frente à chegada dos “portadores de historicidade”.
A etnografia registra a presença de charruas e minuanos no corredor fisiográfico que liga a latitude da Barra do Rio Grande até a Colônia do Sacramento no Rio da Prata. As tropelias oriundas das lutas entre Portugal e Espanha pela posse da região Platina Oriental, estabeleceu a estas populações contatos civilizatórios que levaram a mudança dos padrões culturais de sobrevivência e ao cruzamento biológico que produziu o gaúcho ou “gaucho”, um produto fenotípico do pampa adaptado a um modo-de-vida que antecede o estabelecimento da civilidade e dos cercamentos dos campos até meados do século XIX.

Este gaúcho histórico, um centauro índio/europeu percorreu as coxilhas, a planície costeira e as terras platinas num período de aventureiros, caudilhos, changadores e vaqueanos e que constituíram grande parte da peonada das estâncias da fronteira sul. Foi à adaptação parcial de um modo-de-ser nômade típico das populações Charruas e Minuanos. Estes indígenas conheciam a geografia da sobrevivência pampiana antes da civilidade européia fechar os espaços de deslocamento e as frentes de fricção luso-espanholas, promoverem as lutas platinas que dizimaram milhares de indígenas, mas, que não apagaram sua presença na história rio-grandense e do Rio da Prata. 

Índios Pampeanos. Carlos Morel cerca de 1830. MNBA de Buenos Aires. 

Minuanos no Uruguai. Segunda metade do século XIX. 



Cacique Vaimaca por volta de 1830.



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