Porto do Rio Grande em 1908

Porto do Rio Grande em 1908

sexta-feira, 31 de janeiro de 2020

FACHADA DA FÁBRICA ÍTALO-BRASILEIRA

Acervo: Biblioteca Rio-Grandense. 
         A fotografia de Amílcar Fontana registrou  a parte frontal junto a Rua Senador Corrêa da Fábrica Ítalo-Brasileira fundada em Rio Grande em 1895. 
           O segundo piso (que se destaca na fachada)  é o local de entrada dos operários e ficava de frente para a Rua General Neto. Fotografia publicada em 1912. 

quinta-feira, 30 de janeiro de 2020

CIDADE DO RIO GRANDE OU DE RIO GRANDE?

        Até a segunda metade da década de 1930 os nascidos em Rio Grande eram "rio-grandenses". A partir do Congresso de História e Geografia Sul-Rio-Grandense ocorrido na cidade no ano de 1937 (e comemorativo ao bi-centenário de fundação da "cidade e do Estado do Rio Grande do Sul"), foi deliberado neste evento que os nascidos na localidade passavam a ser denominados de rio-grandinos. 
       Nos anos seguintes, a influência da nova denominação chegou a Prefeitura Municipal e se desdobrou em alterar o "do" para o "de". Objetivo era não confundir a "cidade/município" com o "Estado". Não esqueçamos que o Rio Grande do Sul recebeu a denominação que ostenta a partir da ocupação da "Barra do Rio Grande de São Pedro". Denominação que se projetou para toda a Capitania/Província e posterior Estado. A cidade era denominada nos diários dos viajantes e em muitos jornais (ao longo do século XIX), de "cidade do Rio Grande do Sul".  
      O assunto é polêmico ou considerado pela imprensa estadual como "já superado" e o "do" já foi atropelado a muitas décadas. Mas, oficialmente, este documento de 1975 (Gabinete do Prefeito) faz um breve resgate histórico das motivações em não abrir mão "do Rio Grande"! 



AVENIDA RHEINGANTZ

Acervo: Fototeca Municipal Ricardo Giovaninni. 

           Esta Avenida teve uma destacada importância na história da industrialização brasileira! A Avenida Rheingantz, sediou a Fábrica Rheingantz ou União Fabril desde meados da década de 1880 até os frishes industriales no presente (num conjunto arquitetônico maior em casas ainda estão ocupadas). 
     O modelo industrial fábrica-moradia foi aqui implementado com a construção das casas para engenheiros e operários, creche, escola, cassino dos mestres etc.
               A fotografia foi obtida do prédio da Administração da Rheingantz na esquina com a Rua Dois de Novembro. O detalhismo do cassino dos mestres se destaca (posteriormente aí sediou a "mutualidade" dos operários), a linearidade na construção dos prédios, a caixa d'água ainda existente, a bomba de gasolina na esquina com o cassino dos mestres ao fundo. A ampla estrutura da Viação Férrea é parcialmente visível do ângulo da fotografia que deve remontar, hipoteticamente, entre as décadas de 1930-1940. 

terça-feira, 28 de janeiro de 2020

O CALHAMBEQUE NO SÃO GONÇALO

Acervo:http://guaipecapapareia.blogspot.com/ 
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        A fotografia tem a capacidade de preservar aquilo que as circunstâncias indicam terem existido mas que a imaginação tem dificuldade em captar e converter numa imagem palpável. Pois a imagem está acima...
        No período em que não havia ponte rodoviária (apenas a ponte ferroviária inaugurada em 1884) como era feita a travessia do Canal São Gonçalo? 
       Entre o século XVIII e XIX há referência a "pelota" feita de couro e arrastada por um nadador enquanto o passageiro ia sentado em seu interior. 
       Mas como passar com um carro? Uma das maneiras foi registrada na fotografia da década de 1930: três canoas interligadas, o carro com as rodas amarradas e um remador "mui esforçado". É no mínimo assustador imaginar esta cena pois era real a chance do carro virar e levar todos para a profundeza do perigoso "Canal de São Gonçalo. 
       *Em tempo: era tão difícil ir de carro até Porto Alegre (pela ausência de pontes e estrada péssima) que até o final da década de 1950 se utilizava os navios de passageiros que faziam a linha da Lagoa dos Patos. 

segunda-feira, 27 de janeiro de 2020

VAPOR APORÉ

Diário do Rio Grande, 14-01-1893. Acervo: Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. 
       Nestas férias de 1893 que tal uma viagem marítima trabalhando nas caldeiras do vapor Aporé? Também aceita descascadores de batatas. O lado bom, além da aventura, é a fuga do Rio Grande do Sul antes do início da Revolução da Degola!  

domingo, 26 de janeiro de 2020

CASSINO 130 ANOS - HISTÓRICO PARA QUEM NÃO TEM PRESSA

Cassino no final do século XIX. Acervo: Museu da Cidade do Rio Grande. 

       Hoje, 26 de janeiro de 2020 o Cassino está completando 130 anos de inauguração. Um histórico das motivações e dos primórdios da instalação foi elaborado a seguir. 
      
    A cidade do Rio Grande no século 19 apresentou um consistente crescimento comercial fazendo surgir uma elite econômica ligada ao comércio de exportação e importação. Após 1873, com a fábrica Rheingantz, a primeira grande indústria têxtil do Brasil, o capitalismo industrial foi incrementado na cidade trazendo um grande crescimento populacional. 

     Em 1884, Rio Grande passa a contar com o transporte urbano feito por bondes e neste mesmo ano é inaugurada a Estrada de Ferro Rio Grande-Bagé. Representantes do empresariado industrial e comercial da cidade projetaram a construção de um balneário planificado e fundado na concepção do banho de água salgada como um benefício para a saúde humana. 

   As ideias esparsas e a coragem em iniciar um empreendimento que exigiu consideráveis recursos financeiros e que contribuiu para incrementar em muito a “mentalidade marítima” da cidade (socializando o contato com o mar até por aqueles não ligados diretamente às atividades marítimas), pode ser encontradas em alguns documentos que sobreviveram ao tempo. Uma leitura do Memorial apresentado aos acionistas da Companhia Carris Urbanos do Rio Grande aprovado em Assembleia Geral de 26 de março de 1886 permite delinear os movimentos que antecederam a criação do balneário Cassino. Este documento assinala o surgimento e sucesso na implantação dos caminhos de ferro na cidade do Rio Grande (bondes urbanos) e as iniciativas para construção de uma estrada de ferro em direção ao mar, possibilitando a construção do balneário. 

       “Precisamos volver a dois anos passados para podermos apreciar o nascimento e a vida de nossa companhia. No mês de janeiro de 1884 a ideia de bonds no Rio Grande era um sonho, um mito. Não se acreditava em movimento de passageiros, e, entretanto, a média mensal deverá exceder de 20.000. Julgava-se que dois bondes de passageiros suprissem as necessidades, e, entretanto nos dias festivos temos feito correr 18. Nos demais transportes temos feito trabalhar 10 a 12 wagons. Tivemos máximos de rendimentos em um mês: em passageiros 5:327$600; em areia 2:200$000; em cargas e materiais 1:118$390; em carne verde 541$200; soma hipotética de máximos 9:187$190. Já tivemos um mês de mais de R$7:000$000 de receita, e outros meses, tem dado quase essa cifra. Quem diria que a cidade do Rio Grande poderia nas atuais circunstâncias fornecer transportes na cifra de seis a sete contos em um mês? E o Rio Grande está acaso na altura de sua antiga importância, e da posição de porto junto à foz da única saída ao Oceano? Falta-lhe vida própria; movimento; consumo; população; arrabaldes; cultura dos terrenos suburbanos; amenidades para a vida social?” 

       Os acionistas tiveram o arrojo e a coragem para buscar o que parecia inviável em termos de recursos, afinal, havia toda uma mentalidade a ser criada de valorização do excursionismo, lazer, veraneio, sociabilidades, exposição do próprio corpo e dos familiares a outros observadores, restrições de poder de consumo da maioria da população, treinamento de mão-de-obra sofisticada para prestação de serviço qualificado. Esta coragem de enfrentar tantos desafios é um dos aspectos mais intrigantes, especialmente, por não haver modelos a serem seguidos que tivessem sido efetivados até então no Brasil. 

     As obras dos caminhos de ferro até a atual praia do Cassino tiveram início em 20 de janeiro de 1889, sendo deslocado um primeiro trem de teste no dia 22 de dezembro. A extensão da linha, a partir da cidade, era de 18.600m. A linha representou o nascimento do Balneário. Para ir à praia de banhos, os passageiros seguiam de bonde até o Parque Rio-grandense (atual Parque do Trabalhador) e ali embarcavam no trem. A linha corria paralela a da Estrada de Ferro Rio Grande-Bagé até a Junção, e a partir dali seguiam rumos distintos. Várias paradas foram construídas no caminho e algumas tiveram seus nomes ainda conhecidos no presente: Junção, Vieira, Senandes e Bolaxa. 


A MENTALIDADE DO BANHO DE MAR 

      A construção de um imaginário da descoberta dos banhos de mar como espaços de saúde e de sociabilidade esteve relacionada ao avanço do saber médico e expansão da renda (mesmo que ainda muito concentrada em alguns segmentos da economia). O francês Alain Corbin pesquisou os imaginários que alteraram radicalmente a perspectiva da própria exposição do corpo em espaços coletivos. O novo olhar para o mar a partir do século 18, trouxe o prazer do contato com a água, mesmo que a motivação inicial fosse terapêutica. O desejo e os prazeres da beira-mar e dos corpos que desfilam na areia levam a invenção do veraneio.
          “Espera-se do mar que acalme a ansiedade das elites, que restabeleça a harmonia do corpo e da alma, que estanque a perda de energia vital de uma classe social que se sente particularmente ameaçada em suas crianças, suas raparigas, suas mulheres, seus pensadores. Espera-se dele que corrija os males da civilização urbana, os efeitos perversos do conforto, embora respeitando os imperativos da privacy”. O mar indomável e fecundo seria capaz de proporcionar a energia vital para os homens. “Em suas praias encontrará o apetite, o sono, o esquecimento das preocupações. O frio, o sal, o choque provocado sobre o diafragma pela imersão bruta, o espetáculo de uma gente saudável, vigorosa, fértil de idade avançada, a variedade da paisagem, tudo isso ajudará a curar o doente crônico” (CORBIN, Alain. O Território do Vazio: a praia e o imaginário ocidental. São Paulo: Companhia das Letras, 1989). 


OS BANHOS DE MAR 

      A prática dos banhos de mar na Europa firmou-se nos séculos 18 e 19, estando associado a uma concepção medicinal que considerava o banho marítimo como um remédio para problemas de saúde. Nesta concepção, a praia consistia num espaço a ser frequentado por veranistas em sintonia com o referencial médico-terapêutico da Europa. Inspirados na fama dos balneários franceses de Dieppe, Deauville e Biarritz (precursores dos banhos de mar com finalidade medicinal), empresários locais arrojaram-se em busca do capital indispensável para a concretização do empreendimento. O projeto apresentado em 1885 pela Companhia Carris Urbanos, basicamente foi fundamentado na extensão da ferrovia da cidade até o futuro balneário, na construção de um hotel/restaurante e casas para aluguel, numa linha telefônica e na infraestrutura para os banhos de mar. O princípio fundamental para efetivação do projeto foi à construção da ferrovia! 

      Portanto, a história do Balneário Cassino remonta ao século 19 e representou uma série de inovações administrativas, comportamentais e de infraestrutura no contexto das aspirações de elites provinciais em reproduzir os hábitos europeus no extremo sul do Brasil. 

      Um espaço planificado para o estabelecimento de um balneário marítimo representou uma inovação no Brasil. O Balneário Cassino surgiu enquanto inspiração europeia difundida por empresários locais que acreditavam no potencial de crescimento dos campos comercial e industrial num período de acentuada expansão do capitalismo na cidade do Rio Grande. Hábitos, vestuários, comidas e bebidas moldaram um cenário europeu no sul do Brasil. As festas no Hotel, nas residências particulares, os jogos, os eventos culturais tornaram o Cassino um dos balneários mais famosos e concorridos do Brasil e do Rio da Prata nas primeiras décadas do século 20. 

       A inauguração oficial do Balneário deu-se com a abertura do tráfego ferroviário para passageiros no dia 26 de janeiro de 1890. Portanto, há 130 anos. Infelizmente, o trem deixou de circular na década de 1960. Se não tivesse sido desativado, poderíamos fazer uma viagem comemorativa desta data e rememorar o antigo meio de transporte, a “Maria Fumaça” que deu origem ao Balneário.


DENOMINAÇÃO DO BALNEÁRIO 

        A praia do Cassino era chamada de Mangueira ou Costa da Mangueira, sugerindo o relatório que será transcrito, que esta área já era assistematicamente visitada para banhos. Em seus primórdios o Balneário Vila Sequeira, nome oficial, também era denominado de Costa do Mar, Costa da Mangueira, Estação Balnear ou de banhos e Casino (com um s) devido ao Hotel com esse nome. O termo Casino era muito difundido na Itália significando casa de diversões, com salão de jogos e espaço para festas e representações teatrais. Cada vez será mais utilizado a partir da década de 1910, "Casino" para referir-se a praia e balneário superando anteriores denominações. Portanto, antes de jogos de azar se difundirem, a imprensa local desde os primórdios do ano de 1890 começa a utilizar, coloquialmente, o termo “Casino” tendo por base o Hotel. O nome Vila Sequeira permaneceu oficial até a década de 1920. 

O GUIA DOS BANHISTAS 
Guia dos Banhistas da Vila Sequeira. 

       Um dos documentos mais relevantes e esclarecedores para conhecer os primórdios do Cassino é o Guia dos Banhistas que foi publicado pela Companhia Estrada de Ferro Rio Grande-Costa do Mar em 1890. De acordo com o Guia, a Companhia responsável pela edificação do empreendimento fará, “correr diariamente 8 a 10 trens, sendo metade de cada ponto extremo da linha. Com tal frequência de viagens, poderá cada pessoa aproveitar segundo permitem suas ocupações, as vantagens e prazeres da vida no campo, na boa estação. Entre as respectivas companhias existem combinações de tráfego que permitirão que pessoas vindas de Pelotas ou do interior, ou para ali destinando-se, passem, sem perda de tempo, de um trem para outro trem, dos da Estrada de Ferro Southern Brazilian para os da Rio Grande – Costa do Mar, e vice-versa. Com uma das companhias de vapores da linha entre Rio Grande e Porto Alegre, far-se-á acordo para obtenção de passagens a preço reduzido para as pessoas que vierem em demanda da Estação Balnear da Vila Sequeira”. 

        No Guia dos Banhistas é possível fazer uma leitura da primeira descrição publicada do que é atualmente o Cassino: “Impressiona de maneira especialíssima a primeira visita ao espetáculo que a vista domina. Ao nordeste, avista-se a duas léguas de distância os estabelecimentos principais da praticagem da barra: o farol e a atalaia; ao sudoeste descortina-se a praia lisa, resistente aos passos bem como às rodas dos veículos, que nenhuma depressão causam na areia, que mais parece coberta de sólida camada de cimento; e em frente, ao sueste, vê-se o grande, o imenso oceano, em que a atenção se fixa por longo tempo, admirando as suas belezas, relembrando as suas virtudes, e também os segredos que encerra de riqueza animal, e de valores e vidas que sepultou! Um extenso baixio que se mede por milhas oferece belo quadro da arrebentação das ondas, lançando-se umas sobre as outras, como si se despenhassem dos rochedos de uma cascata; e o fundo arenoso em plano inclinado, permite a escolha da profundidade que o banhista deseja, se procura o maior fundo para a natação, o ponto médio da arrebentação para o banho de choque ou somente o baixio para a imersão do corpo. Assim é que as crianças da menor idade podem, sem cometer imprudência, banharem-se a sós e gozar do prazer do banho prolongado que lhes é tão útil”. 

      O Balneário Cassino correspondeu às expectativas e ganhou um espaço sofisticado de hotelaria e a construção de chalés, sendo efetivada a prática dos banhos terapêuticos, inaugurando a sistemática prática do veraneio que foi sendo popularizada ao longo das décadas do século 20. 

    Desde os primeiros olhares, fotografias, matérias jornalísticas e oralidades, pelo menos cinco gerações vivenciaram experiências históricas no Balneário Cassino entre o ano de 1890 e 2020. Incontáveis histórias de um começo de experiência dos banhos de mar “organizados” que remetem a “belle époque” e que passa pela diluição das expectativas de felicidade global com a Primeira e Segunda Guerra Mundial, seguida da Guerra Fria e dos cenários contemporâneos. As inovações estéticas, de mercado internacional, de produção em massa de produtos industriais, de poluição dos oceanos e mudanças climáticas, de mudanças comportamentais e sociais. Expansão, crise, retração, crescimento, tensões: o mundo observado da beira-mar pelo bisavô, avô, filho, neto e bisneto... Expectativas, perspectivas e ondas que se quebram na areia. 

CASSINO 130 ANOS - VERANEIO DE 1898


        O Diário do Rio Grande do dia 9 de janeiro de 1898 publicou informações sobre as perspectivas positivas para o veraneio daquele ano no Cassino. O periódico divulgou o nome de frequentadores ligados a elite local, especialmente de comerciantes e industriais frequentadores da praia de banhos. Esta presença tinha o sentido de que o balneário estava sendo prestigiado e merecia ser visitado.  
 Mantendo a ortografia do jornal: 
        “Vae em constante animação a estação balnear do casino. No vapor Humaitá chegaram ante-hontem da capital do estado diversos cavalheiros, e em breve se esperam muitos outros, assim como do Rio Grande e outras localidades. Acham-se já ocupando casas da companhia os seguintes cavalheiros com suas famílias: Coronel Antonio C. Campelo, Paul Stoos, Reverendo C. Kinsolving, Dr. A. Pinto da Rocha, José dos Santos Moreira da Cunha, Dr. Carlos F. Ramos, Dr. Eugenio Pinto Cardoso Malheiros, Major Frederico Ernesto B. Dias, Dr. M. Afonso Reis, Coronel B. Mascarenhas, Dr. Lopes de Almeida, F. Guterres, F.W. Cardoso, T.W. Right, B. Lopes Palhares e C. Engelhart.
        Estão de casas tomada e devem chegar brevemente os Srs. Luiz de Otero, D.J. Vaz dias, Albino J. da Cunha, Paulo Luchsinger, Hemetério Mostardeiro, Joaquin D. Pereira, Francisco Belfort, D. Deothéa Lorena, Martin Bidart Filho e outros. Ate ante-hontem havia só quatro casas disponíveis, o Senhor Coronel Ernesto da Fontoura que Já possue casa de material em Tramandahy, especialmente para ser ocupada durante a estação balnear, chegou há dias à Villa Sequeira a fim de tomar cômodos para si e para sua exma. Família, que deve chegar da capital.
      Este e outros factos denotam que a nossa aprazível e confortável estação balnear vae se impondo ao apreço das pessoas que necessitam fazer uso dos banhos do mar e de quantas conhecem as vantagens que ela proporciona sob todos os pontos de vista. Nos quartos estão por enquanto os senhores Francisco de Macedo Couto, Dr. Nabuco de Gouvêa, Eduardo de Azevedo Souza e sua exma. Família, um empregado do banco inglez, cujo nome ignoramos. Por diversas pessoas desta cidade e de Pelotas estão tomados vários quartos.
       Cremos poder assegurar que a estação, este anno, correrà animadíssima, não só devido à concorrência de hospedes, como a variedade de distraccções organizadas pela gerencia”.
Hotel Cassino. Final do século XIX. Acervo: Museu da Cidade do Rio Grande. 

CASSINO 130 ANOS - VERANEIO EM ABRIL

Echo do Sul, 22-03-1892. Acervo: Biblioteca Rio-Grandense. 

      O balneário Vila Sequeira, sob administração do Hotel Internacional, buscou ampliar o veraneio do ano de 1892 até o mês de abril ou enquanto houvessem hóspedes ou veranistas. Foi reduzido o preço dos aluguéis para permitir que "as classes menos favorecidas da fortuna" também pudessem "gozar dos salutares efeitos dos banhos do mar".  As casas mobiliadas e os quartos do "Quadro" tiveram seus preços reduzidos para ampliar ao máximo o veraneio de 1892. Decisão sábia pois o veraneio de 1893 foi curtíssimo devido ao deflagrar da Revolução Federalista em fevereiro deste ano e que se estendeu até 1895. O enfrentamento entre chimangos e maragatos provocou cerca de dez mil mortes e causou crise econômica no Rio Grande do Sul.  

CASSINO 130 ANOS - O QUE SÃO BANHEIROS?

Artista, 05-04-1890. Acervo: Biblioteca Rio-Grandense. 
                                     
         Na leitura de jornais antigos, um dos aspectos que mais me atrai é observar o uso de palavras para designar objetos ou acontecimentos. Há palavras (inúmeras) que perdem o seu sentido original e sofrem releituras. Me deparei com uma destas na matéria acima que discutia a segurança para os banhistas do Cassino e como evitar os afogamentos. E surgiu a palavra "banheiros" como sendo os "homens familiarizados com o oceano e conhecedores da costa a quem os banhistas pagam para os acompanharem no banho". 
         Por incrível que possa parecer frente ao nosso senso comum do que é "banheiro" o jornal Artista do dia 5 de abril de 1890 estava correto em sua conceituação. Banheiro vem da palavra banho (e não de sanitário) cuja origem é o latim balneum (lavagem corporal - e extrapolando: balneário, local de banhos...). Ou seja, o banheiro é o espaço para banhos... O estranho e que se perdeu no passado foi associar "banheiro" com estes "salva-vidas" particulares. 
      Hoje poderíamos ser questionados por um curioso: "como foi que o banheiro evitou que tu se afogasse?"

CASSINO 130 ANOS - CENA DO COTIDIANO

Acervo: Museu da Cidade do Rio Grande. 
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       A preciosa fotografia do Estúdio Fontana mostra o interior do salão de "boufets" do Hotel Cassino por volta de 1908. O público masculino é que controla a cena que conta com a presença mais discreta de pelo menos quatro mulheres. Um personagem de preto, guarda-chuva e chapéu aproveitou para pousar na hora da fotografia. Neste período, mesmo que já existisse as máquinas compactas da Kodak, uma boa fotografia ainda requeria a montagem do tripé e seus complementos nada discretos. Felizmente, pois a resolução que obtinham com os antigos equipamentos (inclusive o daguerriótipo) permite ampliar o cenário e observar detalhes. 
       O tempo congelou estes personagens que frequentavam o restaurante do Hotel que se notabilizou por receber veranistas de várias cidades do Rio Grande do Sul e até do Uruguai. 
     A imagem se insere numa típica cena do cotidiano dos segmentos que poderiam partilhar os prazeres da mesa e os sabores dos vinhos ou outras bebidas. 

Detalhe do cartão de Fontana. 

CASSINO 130 ANOS - OS CAMAROTES

100 camarotes para banhista do lado sul. Acervo: Museu da Cidade do Rio Grande.
       Amílcar Fontana é o autor desta fotografia dos camarotes junto a beira da praia do Cassino nos primeiros anos dos 1900. O espaço era alugado aos banhistas para que fizessem a troca de roupas com o devido aceio e privacidade. As estruturas começaram a ser oferecidas já no início do balneário em 1890 e fazia parte dos serviços previstos pelos administradores da estação balnear no livreto Guia dos Banhistas

sábado, 25 de janeiro de 2020

CASSINO 130 ANOS - A JOGATINA EM 1893

Bisturi,  29 de janeiro de 1893. Acervo: Biblioteca Rio-Grandense. 

        As charges de Thadeo Alves do Amorim no jornal Bisturi são um dos grandes momentos da imprensa caricata em Rio Grande. Este estilo precursor das histórias em quadrinhos buscou no tema acima, criticar que a praia de banhos estava virando uma jogatina que provocava grandes prejuízos financeiros para os frequentadores. 
          Até os banhos de mar estava com pouco entusiasmo por parte dos banhistas que se mostravam mais interessados na fila da roleta. Entra-se os frequentadores por um lado e os patos saem depenados pelo outro... 
        Nos meses que antecede a eclosão da Revolução Federalista o Cassino já começava a passar por uma crise ética em seus fundamentos voltados ao banho de mar medicinal e ao veraneio lúdico. 

CASSINO 130 ANOS - A ROLETA E A HESPANHOLITA

Bisturi, 29-01-1893. Acervo: Biblioteca Rio-Grandense. 

           O Bisturi de 29 de janeiro de 1893 continua a discutir a questão do jogo de roleta que foi estabelecido no Hotel Cassino. Desta feita reproduz o diálogo de "um depenado" que perdeu até o relógio na jogatina. Uma "hespanholita" atraia os incautos para a ratoeira...  

CASSINO 130 ANOS - DESAPROPRIAÇÃO



Artista, 16-05-1890. Acervo: Biblioteca Rio-Grandense.

       Para a estruturação do Balneário pela "Companhia de Bonds Suburbanos da Mangueira"  foi concedido o direito de desapropriação, por utilidade pública, de 3.600.000 metros quadrados de terrenos "junto a costa do oceano a fim de estabelecer uma estação balnear". 
      Já havia uma autorização para esta desapropriação datada de 18 de julho de 1889 e com o novo decreto de 12 de maio de 1890 esta área foi ampliada em mais 3.600.000 totalizando 7.200.000 metros quadrados. Uma planta do terreno foi elaborada pela "Companhia" e foi arquivada na Diretoria das Obras Pública do Governo do Estado do Rio Grande do Sul. 

CASSINO 130 ANOS - O SR. SENANDES

Artista, 17-03-1890. Acervo: Biblioteca Rio-Grandense. 
         No dia 16 de março de 1890, domingo, o deslocamento até o Cassino foi intenso conforme o jornal Artista
       O periódico fornece uma ótima dica para a investigar a origem da denominação "Senandes": a referência ao animado e alegre pic-nic realizado na bela chácara do Sr. José Senandes da Silveira...  O próximo passo é investigar quem é este senhor: se é um antigo morador desta área ou construiu a residência no período em que a linha ferroviária estava sendo edificada. 
    A matéria informa sobre alguns problemas que desagradava bastante os frequentadores do balneário: o atendimento no Hotel não estava bom e inclusive faltava comida suficiente para todos os hóspedes. Os trens que retornavam as 18h30 viajavam na total escuridão pois não havia luz (lampiões) nos vagões. Outra queixa dos usuários é a falta de espaço na plataforma de embarque frente ao grande número de pessoas que esperava o trem.  
     Matéria publicada com pseudônimo o que facilita a privacidade e o exercício da crítica.

CASSINO 130 ANOS - O SACA-ROLHAS

Artista, 15-05-1890. Acervo: Biblioteca Rio-Grandense. 

        O Artista do dia 15 de maio de 1890 informava que no próximo domingo, dia 18 de maio, a banda musical do Club Saca-Rolhas animaria a estação balnear. A presença de uma banda por si só já era um espetáculo que atraia muitas pessoas. O Saca-Rolhas estava se consolidando como uma referência recreativa na cidade, especialmente em períodos de carnaval com desfiles de carros alegóricos e bailes.

CASSINO 130 ANOS - "CASINO BALNEAR"

Artista, 10-03-1890. Acervo: Biblioteca Rio-Grandense.
       Denominações para o atual Cassino não faltaram na imprensa. No jornal Artista de 10 de março de 1890 foi utilizado "casino balnear". Conta a lenda urbana que a palavra cassino está relacionada a jogatina no cassino do Hotel. Porém, a palavra já era usada desde os primórdios identificando o balneário devido a um fator: o trem parava próximo a este estabelecimento e inclusive a venda de passagens chegou a ser feita no "Hotel Cassino". O nome do Hotel é que passou a sintetizar o nome do balneário como se depreende em jornais desde janeiro de 1890. 

CASSINO 130 ANOS - VERANISTAS E EXCURSIONISTAS

Artista. 03-03-1890. Acervo: Biblioteca Rio-Grandense. 
      No dia 2 de março de 1890, um domingo, grande concorrência e extraordinária animação marcou a "Praia da Mangueira". 
       O domingo era o dia de maior movimentação pois na cidade portuária, industrial e operária do Rio Grande, a maioria das pessoas não poderiam fazer o deslocamento sequer no sábado por estarem trabalhando. No caso dos operários, não havia legislação trabalhista e as atividades eram na condição de jornaleiros (trabalhar por jornada) e quem não trabalhava não recebia as respectivas horas. 
     Um aspecto a ser esclarecido é a diferença entre excursionistas (que se deslocavam de trem da Estação do Parque e passavam o dia no balneário retornando no mesmo dia de trem para a cidade) e os veranistas que tinham residência, utilizavam o Hotel, alugavam casa no Quadro ou ficavam na casa de familiares/amigos durante parte do verão). 

CASSINO 130 ANOS - O JOGO DE ROLETA

Bisturi, 22-01-1893. Acervo: Biblioteca Rio-Grandense. 

        A matéria do Bisturi do dia 22 de janeiro de 1893 faz referência ao "antro de medonhas e inevitáveis desgraças" que estava estabelecido no Hotel Cassino devido a instalação da banca de roleta. Conforme o jornal "O Cassino foi criado para proporcionar aos seus diletantes, distrações agradáveis e úteis e não para nele armar-se ratoeiras para prender aos incautos, cavando-lhes a desgraça e a ruína". 
          A polêmica dos jogos de azar estava estabelecida... 

CASSINO 130 ANOS - PESSOAS REAIS DE TEMPOS PASSADOS


Amílcar Fontana. Acervo: Museu da Cidade do Rio Grande. 


         O fotógrafo Amílcar Fontana produziu este cartão em torno do ano de 1908. Retrata o chalet do Consul da Alemanha em Rio Grande, o comerciante Carlos Nieckele. O chalet demonstra o seu poder de capitalização no comércio de exportação e importação mantido por sua firma. No detalhe da fotografia está o Sr. Nieckele à esquerda e outras pessoas (possivelmente alguns sejam familiares) pousando para a fotografia. É possível discernir as roupas usadas pelos personagens sendo as vestimentas das mulheres inseridas em modelos tradicionais da Belle Époque.  

CASSINO 130 ANOS - A PRIMEIRA ESTAÇÃO E A CENTRALIDADE

Cartão da Vila Sequeira. Acervo: Museu da Cidade do Rio Grande. Final do século XIX.

Detalhe do cartão mostrando a possível Estação Vila Sequeira.  Final do século XIX. 

        Uma hipótese para solucionar a dúvida sobre a primeira estação construída na Estação Balnear é este cartão com a inscrição "Vista Geral - Vila Sequeira, Rio Grande". A posição ocupada por esta estrutura de madeira é a parte central da atual Avenida Rio Grande e inclusive um vagão está parado próximo a ela. Hipoteticamente, no canto superior direito do cartão, o prédio parcialmente observável é o Hotel Cassino. As fontes se referem a Estação Vila Sequeira como sendo de madeira sem maior glamour até construção da estação em alvenaria (entre a segunda metade da década de 1920 e a década de 1930), cujo prédio chegou até o presente.  
      Esta imagem, do final do século XIX, é, portanto, uma raridade por mostrar a primeira Estação e evidenciar o ponto zero de surgimento da centralidade a partir da qual o Cassino se difundiu: a Estação, o Hotel Cassino e o Quadro. 

CASSINO 130 ANOS - SALÃO DE REFEIÇÕES DO HOTEL

Fotografia de Amílcar Fontana. Acervo: Biblioteca Rio-Grandense. 
          Este flagrante fotográfico do salão de refeições do Hotel Cassino mostra detalhes do mobiliário, suportes para chapéus, louças e copos. Durante o dia a claridade da rua garantia a iluminação e durante a noite, os lampiões forneciam a luz noturna essencial para o jantar. Primórdios do século XX. 

quinta-feira, 23 de janeiro de 2020

A ENCHENTE NO CENTRO

http://guaipecapapareia.blogspot.com/
         Outra cena "patética" produzida pela enchente de maio de 1941 no centro da cidade do Rio Grande: um carro "estilo gangster" busca vencer a lâmina de água que cobre o calçamento e que se juntou com a calçada. Na esquina um decadente prédio do século XIX tem uma vista privilegiada do que está invisível para o leitor: a Lagoa dos Patos que transbordou! 
      A rua é a Benjamin Constant e ao fundo está a Riachuelo, com o portão de entrada do Porto Velho que no século XIX se chamava "Cais da Boa Vista" local onde desembarcavam os passageiros vindos de diferentes portos do planeta. Se esta enchente tivesse ocorrido naquela época, a água teria chegado até o ponto obrigatório para as preces dos navegantes que chegavam e sobreviveram a "barra diabólica": a Igreja do Carmo, localizada na esquina da Benjamin com a Marechal Floriano.  

QUE LOCAL É ESTE?

Acervo: http://guaipecapapareia.blogspot.com/
       O local é o centro da cidade do Rio Grande na Rua Riachuelo esquina com a Andradas. Ao fundo o Mercado Público e à direita as pilhas de lenha. O opulento prédio à esquerda havia sido inaugurado a pouco tempo: a Câmara do Comércio. O estranho é esta água cobrindo a rua e os remadores (do Clube Regatas?) pousando para a fotografia. 
A explicação para esta cena insólita é que a Lagoa dos Patos transbordou neste mês de maio de 1941 e superou a linha do Cais do Porto Velho (e a maioria das linhas de costa do município) avançando até a Rua Marechal Floriano e aproximando-se da General Bacelar em alguns pontos. 
       De fato a cidade estava vivendo um grande drama coletivo com mais de 4.000 desabrigados, um terço da cidade alagada, milhares de animais mortos na área rural e a destruição das plantações. Na Ilha dos Marinheiros basicamente todo o plantio foi perdido. Os danos na estrutura comercial e industrial da cidade foram milionários, com inundação de maquinas e trapiches arrastados pela correnteza. A culpa foi de tudo foi uma fatídica ocorrência meteorológica: dois El Niños sucessivos nos anos de 1940 e 1941...  

CASSINO 130 ANOS - BANHISTAS

Bisturi, 26-11-1893. Acervo: Biblioteca Rio-Grandense. 

           O Bisturi do dia 26 de novembro de 1893 publicou um cenário preparativo dos banhos de mar no Cassino para o veraneio de 1894. Estando correta a caricatura em relação a realidade dos banhos que efetivamente ocorriam, fica evidenciado que a nudez parcial masculina estava mantida mesmo depois do Guia dos Banhistas normatizar o comportamento. 
         A imprensa caricata está sempre repleta de ironias e provocações voltadas a personagens "reais" que se deseja criticar: quem será o Dr. Biscaixa (certamente o "barrigudo" da direita mas quem é ele?).  

CASSINO 130 ANOS - PRIMEIRAS TARIFAS DO TREM

Artista, 27-02-1890. Acervo: Biblioteca Rio-Grandense.

        O Artista publicou a primeira orientação geral aos usuários do trem para o Cassino. Horários, estações, paradas, valores e recomendações. 
       Chama a atenção as paradas com nomes que se mantiveram até hoje e outros que caíram em desuso e cuja localização exata fica mais dificultada.
         A Junção ainda hoje é uma referência que possibilita um georeferenciamento seguro e as próximas eram Bernabé (altura da Furg?) e Vieira (Arroio Vieira nas proximidades da Rua João Oliveira); passando a Parada Vieira a próxima se chamava Bernardo (proximidades da CORSAN?) e a seguinte Senandes; passando a Parada Senandes vinha Belmiro (?) e daí a Parada Bolaxa; a próxima era o Cassino (na altura do Hotel Cassino) e daí percorria-se a Av. Rio Grande e chegava-se ao Mar Grosso (beira da praia). O valor das tarifas do trem dão uma dimensão das distâncias entre as paradas. 
         Só restou a Estação Cassino (que não é a original  construída em madeira) e as demais paradas foram desaparecendo e deixando, em alguns casos, o legado de seus nomes para a fixação urbana.  

A REGIÃO PLATINA


       Interessados na discussão referente a formação histórica da Região Platina, identidade cultural e a questão das fronteiras pode clicar no link a seguir o qual remeterá a abordagem de Beatriz Azevedo Courlet. 



CASSINO 130 ANOS - SOCIABILIDADES NO HOTEL


Bisturi, 24-01-1891. Acervo: Biblioteca Rio-Grandense. 

         O Bisturi de 24 de janeiro de 1891 destacou atividade realizada no salão de festas do Hotel Cassino com a presença de várias famílias que dançaram ao som de piano. Entre os nomes citados é possível identificar comerciantes (ligados ao comércio de exportação e importação) e industriais (como o sobrenome Rheingantz). A família Rheingantz prestigiou as atividades realizadas no Balneário e construiu dois chalets na Avenida Rio Grande. 

SIMÕES LOPES NETO - CONTRABANDISTA

João Simões Loes Neto. https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/5/5f/Jo%C3%A3o_Sim%C3%B5es_Lopes_Neto.jpg/200px-Jo%C3%A3o_Sim%C3%B5es_Lopes_Neto.jpg


      Entre os contos de João Simões Lopes Neto (1865-1916) , “Contrabandista” (1912) é um dos meus prediletos. 
         Mergulhar no fluxo narrativo do linguajar gauchesco, forte influência espanhola com um arreio português, nos ajuda a transportar a imaginação para outros cenários muito diferentes da vida urbana. Com maestria Simões Lopes Neto faz referências àquele cotidiano rico em interação com a natureza e pobre em objetos manufaturados e hábitos refinados.
       O uso das palavras que musicalmente são plantadas se reveste de essencialidade para que o leitor rapidamente caracterize tipos sociais, cenários ruralizados, a flora e a fauna do pampa e os conflitos desta sociedade em que as fronteiras culturais se aproximam e as fronteiras políticas as afastam.
         Deleitem a sonoridade da leitura deste conto gauchesco.
  
CONTRABANDISTA
“Batia nos noventa anos o corpo magro mas sempre teso do Jango Jorge, um que foi capitão duma maloca de contrabandistas que fez cancha nos banhados do Ibirocaí. Esse gaúcho desabotinado levou a existência inteira a cruzar os campos da fronteira: à luz do sol, no desmaiado da lua, na escuridão das noites, na cerração das madrugadas...; ainda que chovesse reiúnos acolherados ou que ventasse como por alma de padre, nunca errou vau, nunca perdeu atalho, nunca desandou cruzada!... Conhecia as querências, pelo faro: aqui era o cheiro do açouta-cavalo florescido, lá o dos trevais, o das guabirobas rasteiras, do capim-limão; pelo ouvido: aqui, cancha de graxains, lá os pastos que ensurdecem ou estalam no casco do cavalo; adiante, o chape-chape, noutro ponto, o areão. Até pelo gosto ele dizia a parada, porque sabia onde estavam águas salobres e águas leves, com sabor de barro ou sabendo a limo. Tinha vindo das guerras do outro tempo; foi um dos que peleou na batalha de Ituzaingo; foi do esquadrão do general José de Abreu. E sempre que falava no Anjo da Vitória ainda tirava o chapéu, numa braçada larga, como se cumprimentasse alguém de muito respeito, numa distância muito longe. Foi sempre um gaúcho quebralhão, e despilchado sempre, por ser muito de mãos abertas. Se numa mesa de primeira ganhava uma ponchada de balastracas, reunia a gurizada da casa, fazia - pi! pi! pi! pi! - como pra galinhas e semeava as moedas, rindo-se do formigueiro que a miuçalha formava, catando as pratas no terreiro. Gostava de sentar um laçaço num cachorro, mas desses laçaços de apanhar da paleta à virilha, e puxado a valer, tanto, que o bicho que o tomava, ficando entupido de dor, e lombeando-se, depois de disparar um pouco é que gritava, num - caim! caim! caim! - de desespero. Outras vezes dava-me para armar uma jantarola, e sobre o fim do festo, quando já estava tudo meio entropigaitado, puxava por uma ponta da toalha e lá vinha, de tirão seco, toda a traquitanda dos pratos e copos e garrafas e restos de comidas e caldas dos doces!... Depois garganteava a chuspa e largava as onças pras unhas do bolicheiro, que aproveitava o vento e le echaba cuentas de gran capitán... Era um pagodista! Aqui há poucos anos - coitado! - pousei no arranchamento dele. Casado ou doutro jeito, estava afamilhado. Não nos víamos desde muito tempo. A dona da casa era uma mulher mocetona ainda, bem parecida e mui prazenteira; de filhos, uns três matalotes já emplumados e uma mocinha - pro caso, uma moça -, que era o - santo-antoninho-onde-te-porei! - daquela gente toda. E era mesmo uma formosura; e prendada, mui habilidosa; tinha andado na escola e sabia botar os vestidos esquisitos das cidadãs da vila. E noiva, casadeira, já era. E deu o caso, que quando eu pousei, foi justo pelas vésperas do casamento; estavam esperando o noivo e o resto do enxoval dela. O noivo chegou no outro dia; grande alegria; começaram os aprontamentos, e como me convidaram com gosto, fiquei pro festo. O Jango Jorge saiu na madrugada seguinte, para ir buscar o tal enxoval da filha. Aonde, não sei; parecia-me que aquilo devia ser feito em casa, à moda antiga, mas, como cada um manda no que é seu... Fiquei verdeando, à espera, e fui dando um ajutório na matança dos leitões e no tiramento dos assados com couro. Nesta terra do Rio Grande sempre se contrabandeou, desde em antes da tomada das Missões. Naqueles tempos o que se fazia era sem malícia, e mais por divertir e acoquinar as guardas do inimigo: uma partida de guascas montava a cavalo, entrava na Banda Oriental e arrebanhava uma ponta grande de eguariços, abanava o poncho e vinha a meia rédea; apartava-se a potrada e largava-se o resto; os de lá faziam conosco a mesma cousa; depois era com gados, que se tocava a trote e galope, abandonando os assoleados. Isto se fazia por despique dos espanhóis e eles se pagavam desquitando-se do mesmo jeito. Só se cuidava de negacear as guardas do Cerro Largo, em Santa Tecla, do Haedo... O mais, era várzea! Depois veio a guerra das Missões; o governo começou a dar sesmarias e uns quantíssimos pesados foram-se arranchando por essas campanhas desertas. E cada um tinha que ser um rei pequeno... e agüentar-se com as balas, as lunares e os chifarotes que tinha em casa!... Foi o tempo do manda-quem-pode!... E foi o tempo que o gaúcho, o seu cavalo e o seu facão, sozinhos, conquistaram e defenderam estes pagos!. Quem governava aqui o continente era um chefe que se chamava o capitão-general; ele dava as sesmarias mas não garantia o pelego dos sesmeiros... Vancê tome tenência e vá vendo como as cousas, por si mesmas, se explicam. Naquela era, a pólvora era do el-rei nosso senhor e só por sua licença é que algum particular graúdo podia ter em casa um polvarim... Também só na vila de Porto Alegre é que havia baralho de jogar, que eram feitos só na fábrica do rei nosso senhor, e havia fiscal, sim senhor, das cartas de jogar, e ninguém podia comprar senão dessas! Por esses tempos antigos também o tal rei nosso senhor mandou botar pra fora os ourives da vila do Rio Grande e acabar com os lavrantes e prendistas dos outros lugares desta terra, só pra dar flux aos reinóis... Agora imagine vancê se a gente lá de dentro podia andar com tantas etiquetas e pedindo louvado pra se defender, pra se divertir e pra 1uxar!... O tal rei nosso senhor, não se enxergava, mesmo!... E logo com quem!... Com a gauchada!... Vai então, os estancieiros iam em pessoa ou mandavam ao outro lado, nos espanhóis, buscar pólvora e balas, pras pederneiras, cartas de jogo e prendas de ouro pras mulheres e preparos de prata pros arreios... e ninguém pagava dízimos dessas cousas. Às vezes lá voava pelos ares um cargueiro, com cangalhas e tudo, numa explosão da pólvora; doutras uma partida de milicianos saia de atravessado e tomava conta de tudo, a couce d'arma: isto foi ensinando a escaramuçar com os golas-de-couro. Nesse serviço foram-se aficionando alguns gaúchos: recebiam as encomendas e pra aproveitar a monção e não ir com os cargueiros debalde, levavam baeta, que vinha do reino, e fumo em corda, que vinha da Baía, e algum porrão de canha. E faziam trocas, de elas por elas, quase. Os paisanos das duas terras brigavam, mas os mercadores sempre se entendiam... Isto veio mais ou menos assim até a guerra dos Farrapos; depois vieram as califórnias do Chico Pedro; depois a guerra do Rosas. Aí inundou-se a fronteira da província de espanhóis e gringos emigrados. A cousa então mudou de figura. A estrangeirada era mitrada, na regra, e foi quem ensinou a gente de cá a mergulhar e ficar de cabeça enxuta...; entrou nos homens a sedução de ganhar barato: bastava ser campeiro e destorcido. Depois, andava-se empandilhado, bem armado; podia-se às vezes dar um vareio nos milicos, ajustar contas com algum devedor de desaforos, aporrear algum subdelegado abelhudo... Não se lidava com papéis nem contas de cousas: era só levantar os volumes, encangalhar, tocar e entregar!... Quanta gauchagem leviana aparecia, encostava-se. Rompeu a guerra do Paraguai. O dinheiro do Brasil ficou muito caro: uma onça de ouro, que corria por trinta e dois, chegou a valer quarenta e seis mil réis!... Imagine o que a estrangeirada bolou nas contas!... Começou-se a cargueirear de um tudo: panos, águas de cheiro, armas, minigâncias, remédios, o diabo a quatro!... Era só pedir por boca! Apareceram também os mascates de campanha, com baús encangalhados e canastras, que passavam pra lá vazios e voltavam cheios, desovar aqui... Polícia pouca, fronteira aberta, direitos de levar couro e cabelo e nas coletarias umas papeladas cheias de benzeduras e rabioscas... Ora... ora!... Passar bem, paisano!... A semente grelou e está a árvore ramalhuda, que vancê sabe, do contrabando de hoje. O Jango Jorge foi maioral nesses estropícios. Desde moço. Até a hora da morte. Eu vi. Como disse, na madrugada vésp'ra do casamento o Jango Jorge saiu para ir buscar o enxoval da filha. Passou o dia; passou a noite. No outro dia, que era o do casamento, até de tarde, nada. Havia na casa uma gentama convidada; da vila, vizinhos, os padrinhos, autoridades, moçada. Havia de se dançar três dias!... Corria o amargo e copinhos de licor de butiá. Roncavam cordeonas no fogão, violas na ramada, uma caixa de música na sala. Quase ao entrar do sol a mesa estava posta, vergando ao peso dos pratos enfeitados. A dona da casa, por certo traquejada nessas bolandinas do marido, estava sossegada, ao menos ao parecer. Às vezes mandava um dos filhos ver se o pai aparecia, na volta da estrada, encoberta por uma restinga fechada de arvoredo. Surdiu dum quarto o noivo, todo no trinque, de colarinho duro e casaco de rabo. Houve caçoadas, ditérios, elogios. Só faltava a noiva; mas essa não podia aparecer, por falta do seu vestido branco, dos seus sapatos brancos, do seu véu branco, das suas flores de laranjeira, que o pai fora buscar e ainda não trouxera. As moças riam-se; as senhoras velhas cochichavam. Entardeceu. Nisto correu voz que a noiva estava chorando: fizemos uma algazarra e ela - tão boazinha! - veio à porta do quarto, bem penteada, ainda num vestidinho de chita de andar em casa, e pôs-se a rir pra nós, pra mostrar que estava contente. A rir, sim, rindo na boca, mas também a chorar lágrimas grandes, que rolavam devagar dos olhos pestanudos... E rindo e chorando estava, sem saber porque... sem saber porquê, rindo e chorando, quando alguém gritou do terreiro: - Aí vem o Jango Jorge, com mais gente!... Foi um vozerio geral; a moça porém ficou, como estava, no quadro da porta, rindo e chorando, cada vez menos sem saber porquê... pois o pai estava chegando e o seu vestido branco, o seu véu, as suas flores de noiva... Era já fusco-fusco. Pegaram a acender as luzes. E nesse mesmo tempo parava no terreiro a comitiva; mas num silêncio, tudo. E o mesmo silêncio foi fechando todas as bocas e abrindo todos os olhos. Então vimos os da comitiva descerem de um cavalo o corpo entregue de um homem, ainda de pala enfiado... Ninguém perguntou nada, ninguém informou de nada; todos entenderam tudo...; que a festa estava acabada e a tristeza começada... Levou-se o corpo pra sala da mesa, para o sofá enjeitado, que ia ser o trono dos noivos. Então um dos chegados disse: - A guarda nos deu em cima... tomou os cargueiros... E mataram o capitão, porque ele avançou sozinho pra mula ponteira e suspendeu um pacote que vinha solto... e ainda o amarrou no corpo... Aí foi que o crivaram de bala.... parado... Os ordinários!... Tivemos que brigar, pra tomar o corpo! A sia-dona mãe da noiva levantou o balandrau do Jango Jorge e desamarrou o embrulho; e abriu-o. Era o vestido branco da filha, os sapatos brancos, o véu branco, as flores de laranjeira... Tudo numa plastada de sangue... tudo manchado de vermelho, toda a alvura daquelas cousas bonitas como que bordada de cobrado, num padrão esquisito, de feitios estrambólicos... como flores de cardo solferim esmagadas a casco de bagual!... Então rompeu o choro na casa toda”. Descrição: criar um blog
LOPES NETO, João Simões. Contos gauchescos. 9ª ed., Porto Alegre: Globo, 1976. (Col. Província), p. 53-56.