Hoje, 26 de janeiro de 2020 o Cassino está completando 130 anos de inauguração. Um histórico das motivações e dos primórdios da instalação foi elaborado a seguir.
A cidade do Rio Grande no século 19 apresentou um consistente crescimento comercial fazendo surgir uma elite econômica ligada ao comércio de exportação e importação. Após 1873, com a fábrica Rheingantz, a primeira grande indústria têxtil do Brasil, o capitalismo industrial foi incrementado na cidade trazendo um grande crescimento populacional.
A cidade do Rio Grande no século 19 apresentou um consistente crescimento comercial fazendo surgir uma elite econômica ligada ao comércio de exportação e importação. Após 1873, com a fábrica Rheingantz, a primeira grande indústria têxtil do Brasil, o capitalismo industrial foi incrementado na cidade trazendo um grande crescimento populacional.
Em 1884, Rio Grande passa a contar com o transporte urbano feito por bondes e neste mesmo ano é inaugurada a Estrada de Ferro Rio Grande-Bagé. Representantes do empresariado industrial e comercial da cidade projetaram a construção de um balneário planificado e fundado na concepção do banho de água salgada como um benefício para a saúde humana.
As ideias esparsas e a coragem em iniciar um empreendimento que exigiu consideráveis recursos financeiros e que contribuiu para incrementar em muito a “mentalidade marítima” da cidade (socializando o contato com o mar até por aqueles não ligados diretamente às atividades marítimas), pode ser encontradas em alguns documentos que sobreviveram ao tempo. Uma leitura do Memorial apresentado aos acionistas da Companhia Carris Urbanos do Rio Grande aprovado em Assembleia Geral de 26 de março de 1886 permite delinear os movimentos que antecederam a criação do balneário Cassino. Este documento assinala o surgimento e sucesso na implantação dos caminhos de ferro na cidade do Rio Grande (bondes urbanos) e as iniciativas para construção de uma estrada de ferro em direção ao mar, possibilitando a construção do balneário.
“Precisamos volver a dois anos passados para podermos apreciar o nascimento e a vida de nossa companhia. No mês de janeiro de 1884 a ideia de bonds no Rio Grande era um sonho, um mito. Não se acreditava em movimento de passageiros, e, entretanto, a média mensal deverá exceder de 20.000. Julgava-se que dois bondes de passageiros suprissem as necessidades, e, entretanto nos dias festivos temos feito correr 18. Nos demais transportes temos feito trabalhar 10 a 12 wagons. Tivemos máximos de rendimentos em um mês: em passageiros 5:327$600; em areia 2:200$000; em cargas e materiais 1:118$390; em carne verde 541$200; soma hipotética de máximos 9:187$190. Já tivemos um mês de mais de R$7:000$000 de receita, e outros meses, tem dado quase essa cifra. Quem diria que a cidade do Rio Grande poderia nas atuais circunstâncias fornecer transportes na cifra de seis a sete contos em um mês? E o Rio Grande está acaso na altura de sua antiga importância, e da posição de porto junto à foz da única saída ao Oceano? Falta-lhe vida própria; movimento; consumo; população; arrabaldes; cultura dos terrenos suburbanos; amenidades para a vida social?”
Os acionistas tiveram o arrojo e a coragem para buscar o que parecia inviável em termos de recursos, afinal, havia toda uma mentalidade a ser criada de valorização do excursionismo, lazer, veraneio, sociabilidades, exposição do próprio corpo e dos familiares a outros observadores, restrições de poder de consumo da maioria da população, treinamento de mão-de-obra sofisticada para prestação de serviço qualificado. Esta coragem de enfrentar tantos desafios é um dos aspectos mais intrigantes, especialmente, por não haver modelos a serem seguidos que tivessem sido efetivados até então no Brasil.
As obras dos caminhos de ferro até a atual praia do Cassino tiveram início em 20 de janeiro de 1889, sendo deslocado um primeiro trem de teste no dia 22 de dezembro. A extensão da linha, a partir da cidade, era de 18.600m. A linha representou o nascimento do Balneário. Para ir à praia de banhos, os passageiros seguiam de bonde até o Parque Rio-grandense (atual Parque do Trabalhador) e ali embarcavam no trem. A linha corria paralela a da Estrada de Ferro Rio Grande-Bagé até a Junção, e a partir dali seguiam rumos distintos. Várias paradas foram construídas no caminho e algumas tiveram seus nomes ainda conhecidos no presente: Junção, Vieira, Senandes e Bolaxa.
A MENTALIDADE DO BANHO DE MAR
A construção de um imaginário da descoberta dos banhos de mar como espaços de saúde e de sociabilidade esteve relacionada ao avanço do saber médico e expansão da renda (mesmo que ainda muito concentrada em alguns segmentos da economia). O francês Alain Corbin pesquisou os imaginários que alteraram radicalmente a perspectiva da própria exposição do corpo em espaços coletivos. O novo olhar para o mar a partir do século 18, trouxe o prazer do contato com a água, mesmo que a motivação inicial fosse terapêutica. O desejo e os prazeres da beira-mar e dos corpos que desfilam na areia levam a invenção do veraneio.
“Espera-se do mar que acalme a ansiedade das elites, que restabeleça a harmonia do corpo e da alma, que estanque a perda de energia vital de uma classe social que se sente particularmente ameaçada em suas crianças, suas raparigas, suas mulheres, seus pensadores. Espera-se dele que corrija os males da civilização urbana, os efeitos perversos do conforto, embora respeitando os imperativos da privacy”. O mar indomável e fecundo seria capaz de proporcionar a energia vital para os homens. “Em suas praias encontrará o apetite, o sono, o esquecimento das preocupações. O frio, o sal, o choque provocado sobre o diafragma pela imersão bruta, o espetáculo de uma gente saudável, vigorosa, fértil de idade avançada, a variedade da paisagem, tudo isso ajudará a curar o doente crônico” (CORBIN, Alain. O Território do Vazio: a praia e o imaginário ocidental. São Paulo: Companhia das Letras, 1989).
OS BANHOS DE MAR
A prática dos banhos de mar na Europa firmou-se nos séculos 18 e 19, estando associado a uma concepção medicinal que considerava o banho marítimo como um remédio para problemas de saúde. Nesta concepção, a praia consistia num espaço a ser frequentado por veranistas em sintonia com o referencial médico-terapêutico da Europa. Inspirados na fama dos balneários franceses de Dieppe, Deauville e Biarritz (precursores dos banhos de mar com finalidade medicinal), empresários locais arrojaram-se em busca do capital indispensável para a concretização do empreendimento. O projeto apresentado em 1885 pela Companhia Carris Urbanos, basicamente foi fundamentado na extensão da ferrovia da cidade até o futuro balneário, na construção de um hotel/restaurante e casas para aluguel, numa linha telefônica e na infraestrutura para os banhos de mar. O princípio fundamental para efetivação do projeto foi à construção da ferrovia!
Portanto, a história do Balneário Cassino remonta ao século 19 e representou uma série de inovações administrativas, comportamentais e de infraestrutura no contexto das aspirações de elites provinciais em reproduzir os hábitos europeus no extremo sul do Brasil.
Um espaço planificado para o estabelecimento de um balneário marítimo representou uma inovação no Brasil. O Balneário Cassino surgiu enquanto inspiração europeia difundida por empresários locais que acreditavam no potencial de crescimento dos campos comercial e industrial num período de acentuada expansão do capitalismo na cidade do Rio Grande. Hábitos, vestuários, comidas e bebidas moldaram um cenário europeu no sul do Brasil. As festas no Hotel, nas residências particulares, os jogos, os eventos culturais tornaram o Cassino um dos balneários mais famosos e concorridos do Brasil e do Rio da Prata nas primeiras décadas do século 20.
A inauguração oficial do Balneário deu-se com a abertura do tráfego ferroviário para passageiros no dia 26 de janeiro de 1890. Portanto, há 130 anos. Infelizmente, o trem deixou de circular na década de 1960. Se não tivesse sido desativado, poderíamos fazer uma viagem comemorativa desta data e rememorar o antigo meio de transporte, a “Maria Fumaça” que deu origem ao Balneário.
DENOMINAÇÃO DO BALNEÁRIO
A praia do Cassino era chamada de Mangueira ou Costa da Mangueira, sugerindo o relatório que será transcrito, que esta área já era assistematicamente visitada para banhos. Em seus primórdios o Balneário Vila Sequeira, nome oficial, também era denominado de Costa do Mar, Costa da Mangueira, Estação Balnear ou de banhos e Casino (com um s) devido ao Hotel com esse nome. O termo Casino era muito difundido na Itália significando casa de diversões, com salão de jogos e espaço para festas e representações teatrais. Cada vez será mais utilizado a partir da década de 1910, "Casino" para referir-se a praia e balneário superando anteriores denominações. Portanto, antes de jogos de azar se difundirem, a imprensa local desde os primórdios do ano de 1890 começa a utilizar, coloquialmente, o termo “Casino” tendo por base o Hotel. O nome Vila Sequeira permaneceu oficial até a década de 1920.
Um dos documentos mais relevantes e esclarecedores para conhecer os primórdios do Cassino é o Guia dos Banhistas que foi publicado pela Companhia Estrada de Ferro Rio Grande-Costa do Mar em 1890. De acordo com o Guia, a Companhia responsável pela edificação do empreendimento fará, “correr diariamente 8 a 10 trens, sendo metade de cada ponto extremo da linha. Com tal frequência de viagens, poderá cada pessoa aproveitar segundo permitem suas ocupações, as vantagens e prazeres da vida no campo, na boa estação. Entre as respectivas companhias existem combinações de tráfego que permitirão que pessoas vindas de Pelotas ou do interior, ou para ali destinando-se, passem, sem perda de tempo, de um trem para outro trem, dos da Estrada de Ferro Southern Brazilian para os da Rio Grande – Costa do Mar, e vice-versa. Com uma das companhias de vapores da linha entre Rio Grande e Porto Alegre, far-se-á acordo para obtenção de passagens a preço reduzido para as pessoas que vierem em demanda da Estação Balnear da Vila Sequeira”.
No Guia dos Banhistas é possível fazer uma leitura da primeira descrição publicada do que é atualmente o Cassino: “Impressiona de maneira especialíssima a primeira visita ao espetáculo que a vista domina. Ao nordeste, avista-se a duas léguas de distância os estabelecimentos principais da praticagem da barra: o farol e a atalaia; ao sudoeste descortina-se a praia lisa, resistente aos passos bem como às rodas dos veículos, que nenhuma depressão causam na areia, que mais parece coberta de sólida camada de cimento; e em frente, ao sueste, vê-se o grande, o imenso oceano, em que a atenção se fixa por longo tempo, admirando as suas belezas, relembrando as suas virtudes, e também os segredos que encerra de riqueza animal, e de valores e vidas que sepultou! Um extenso baixio que se mede por milhas oferece belo quadro da arrebentação das ondas, lançando-se umas sobre as outras, como si se despenhassem dos rochedos de uma cascata; e o fundo arenoso em plano inclinado, permite a escolha da profundidade que o banhista deseja, se procura o maior fundo para a natação, o ponto médio da arrebentação para o banho de choque ou somente o baixio para a imersão do corpo. Assim é que as crianças da menor idade podem, sem cometer imprudência, banharem-se a sós e gozar do prazer do banho prolongado que lhes é tão útil”.
O Balneário Cassino correspondeu às expectativas e ganhou um espaço sofisticado de hotelaria e a construção de chalés, sendo efetivada a prática dos banhos terapêuticos, inaugurando a sistemática prática do veraneio que foi sendo popularizada ao longo das décadas do século 20.
Desde os primeiros olhares, fotografias, matérias jornalísticas e oralidades, pelo menos cinco gerações vivenciaram experiências históricas no Balneário Cassino entre o ano de 1890 e 2020. Incontáveis histórias de um começo de experiência dos banhos de mar “organizados” que remetem a “belle époque” e que passa pela diluição das expectativas de felicidade global com a Primeira e Segunda Guerra Mundial, seguida da Guerra Fria e dos cenários contemporâneos. As inovações estéticas, de mercado internacional, de produção em massa de produtos industriais, de poluição dos oceanos e mudanças climáticas, de mudanças comportamentais e sociais. Expansão, crise, retração, crescimento, tensões: o mundo observado da beira-mar pelo bisavô, avô, filho, neto e bisneto... Expectativas, perspectivas e ondas que se quebram na areia.
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