“Carnét repleto de notas. Repórter satisfeito
pela fartura de assumpto. Elegância. Distinção. Chiquismo.
Todo o mundo "snob" mexeu-se nestes últimos
dias e a Alegria de braço dado com a Folia alvoroçaram o Casino neste Carnaval
triste e sério como o mais grave homem que se possa imaginar.
Carnaval calmo e quieto porque não existe o
reboliço e os apertões de rua, mas alegre porque o povo no Brasil não pode
deixar passar um Carnaval sem expansão da alma, embora esta expansão seja exteriorização
pura.
Mas, mesmo superficial a alegria do
brasileiro no Carnaval é de notar e nós no Cassino tivemos a prova com o baile
de sexta-feira última.
Fantasias a fartar, mascarados elegantes e
com ar de prazer; mascarados bonitos com ar tristonho; mascarados medíocres com
ar medíocre... tudo, tudo tinha no salão do hotel nesta noite de satisfação, de
gozo e de culto a Momo, o deus do brasileiro, por assim dizer...
No salão a Alegria reinava em toda sua
plenitude; a elegância dominava o ambiente; o Amor se sentia orgulhoso pelo séquito
enorme de vassalos que possuía; à Beleza se prestava homenagens a cada instante
e o salão do Cassino naquela noite, era incontestavelmente o Paraíso e o
Inferno ao mesmo tempo pelo gozo que dava a uns e pela tristeza que dava aos já
de alma velha que olhavam com pesar a confusão enorme das grandes cousas que
constituem a Vida, a razão de ser da gente, a verdadeira significação da existência
do mundo...
Era o salão da elegância onde era preciso
estar para conhecer “le bel air des choses et savoir ce qui se porte.”
Quem chegava tinha a impressão da Loucura
dentro do salão, às soltas, sem domínio, invadindo os espíritos de todos e
fazendo todos, sem excepção desde o mais requintado “smart” ao mais vulgar burguês,
perderem a linha, sacrificarem o ar grave, prejudicarem a sisudez. Era o
Carnaval, o Carnaval dentro de um salão onde o tamanho não era grande para
deixar escapar sem ser visto este Momo que ama, este Momo que alegra, este Momo
que perde, este Momo que enlouquece...
Às 23 horas já o entusiasmo tinha chegado ao
auge e as danças corriam com uma grande animação. Dançou-se tudo: valsa,
quadrilha, one-step, rag-time, tango que, como sempre dominava as outras danças
porque hoje no Brasil já há uma verdadeira tangomania, é já uma dança mental, coletiva.
Cremos mesmo que a população inteira só pensa seriamente no tango.
No salão, a harmonia da Beleza, da Graça e da
Arte era completa, a harmonia da Alegria e do Gozo era absoluta; a harmonia da Dança
e da Música era confusa...
A orquestra portou-se bem porque tocou sempre
sem cansaço e esteve toda noite na “altura” do palco.
Mas já quase meia-noite chegou um grupo de
dominós pretos que fez uma entrada triunfal. Dominou o salão e o primeiro momento
foi de perplexidade até que uma quadrilha de “sensação” pôs o pessoal todo em
movimento. Este grupo de dominós pretos dançou com tal graça e tanto barulho
que a alegria chegou ao auge, atingiu ao seu máximo limite.
Estes dominós todos tinham uma interrogação
no ombro e isso aguçou a curiosidade de Periscopio que, orientando melhor sua
lente descobriu os das dúzias com alguns “attachés” chegados da cidade só para
esse fim. Só não declino o nome deles por discrição e gentileza. Eram eles que,
como sempre, davam a nota predominante no Cassino, eram eles cheios de alegria
vinham encher o salão de bom humor”.
Hotel Cassino em 1908. Estúdio Fontana. Acervo: Museu da Cidade do Rio Grande. |
Hotel Cassino em 1908. Estúdio Fontana. Acervo: Museu da Cidade do Rio Grande. |