Porto do Rio Grande em 1908

Porto do Rio Grande em 1908

domingo, 27 de janeiro de 2019

PRIMÓRDIOS DO BALNEÁRIO

   
Cartões do Balneário Cassino de 1908 editados por Estúdios Fontana. Acervo: Museu da Cidade do Rio Grande.
         A coluna “Crônica balneária” do Jornal Echo do Sul que circulou no dia 11 de fevereiro de 1890 descreveu algumas atividades realizadas no recém inaugurado balneário Vila Sequeira ou Mangueira (Cassino). 


“Mais de 600 excursionistas visitaram anteontem a Mangueira, espalhando-se uma parte deles pelas poucas vivendas que formam ali o núcleo a nossa futura Biarritz. O trem da manhã levara grande número de passageiros e do da meia hora fora tão concorrido que houve necessidade de adicionar-lhe mais um carro. O das 4 e meia conduziu também muitos passeantes e na volta, trazia tantos passageiros, que mais de 50 tiveram de vir a pé, por falta de lugares. Estava soberba aquela pequena porção da campanha. A falta de paisagens que distraíssem o espírito e amenizassem a vilegiatura viam-se por toda a parte grupos errantes de famílias, uns a cavalo, outros em carrocinhas e muitos a pé, vagando pelas planícies verdes, nas quais punham os tons claros das toilettes campesinas e as palpitações dos leques, irrequietos como asas de borboletas. O dia estava magnífico e a temperatura benigna. Sob o alpendre do hotel balneário fervilhava a concorrência de famílias, muitas das quais ali passaram o dia vendo desfilar as caravanas de banhistas nos seus carretões preguiçosos ou nas suas pilecas ossudas, de uma mansidão dorminhoca.
A construção do hotel avança rapidamente. Dos quatro corpos do seu plano, um, o da frente, está a receber a última de mão; outro, o do lado do mar, já se acha coberto e pronto a ser assoalhado; o terceiro, que se destina ao salão das refeições, uma peça vastíssima, já tem as suas paredes erguidas; o quarto, finalmente, que cerra o vasto perímetro da edificação, está em alicerces. Nos ângulos do edifício preparam-se alojamentos para uma confeitaria, uma barbearia, uma loja de miudezas e outra de fazendas e objetos para banhistas. Já se acham ocupados alguns alojamentos do primeiro corpo do edifício; e convém advertir que ao contrário do que se há propalado, os quartos são convenientemente espaçosos e arejados, se não tanto como os das casas da cidade, ao menos o suficiente para quem não vai ali fazer residência fixa, mas apenas veranear.
Nas proximidades do hotel remove-se e amanha-se uma pequena área de terra na qual se lançam as sementes de várias árvores, que oportunamente serão transplantadas, para a arborização do local. Na praia alvejam numerosas barracas que, de longe, dão a ideia de um povoado em formação. Estão atualmente residindo na Mangueira umas dez ou doze das principais famílias de Rio Grande.
Tivemos notícias de alguns acidentes ocorridos durante o dia de anteontem, felizmente sem maior significação. Um cavaleiro que ia por aquelas planícies pondo a prova o sangue crioulo da sua fogosa cavalgadura, esquecendo por um momento as leis da alta equitação, adiantou-se ao brioso animal saindo-lhe pela cabeça fora e experimentando na região lombar a dureza do solo, no qual estendeu elegantemente o corpo, conservando as pernas erguidas para o ar em forma de um V maiúsculo. Uma exma. família que voltava da praia numa carreta dos tempos patriarcais caiu num atoleiro e uma das gentilíssimas meninas, bela como um anjo, mergulhou as roupas ou os arminhos das cândidas asas (estilo ultrarromântico) nas turvas águas do charco. Apenas um pequeno susto a que se seguiram cristalinas gargalhadas e as indefectíveis queixas contra a imperícia do cocheiro, autor daquele naufrágio em terra firme. O mar, monstro de indiscrições levianas, arrojou ao areal parte das roupas de um banhista que lá se deixou ficar não se sabe quando nem como. Uns rapazes fizeram daquele precioso trapo uma bandeira, espetando-o na ponta de uma bengala, e andaram como uma legião bárbara a provocar as valentias do oceano, que lhes respondia com os rugidos das suas vagas mansas. À tarde quando o trem voltou ao Parque, vimos ainda muitos grupos que saudavam os excursionistas, agitando os seus lenços brancos como gaivotas vagabundas. De chegada os passageiros assaltaram os cinco bonds que ali estacionavam, de modo que muitas famílias tiveram de ficar na estação a espera de novos carros. Serviço mal determinado, por que sabendo-se da enorme quantidade de viajantes, não custava avisar pelo telefone a estação dos bonds, mandando vir número suficiente de carros”.
Cartões do Balneário Cassino de 1908 editados por Estúdios Fontana. Acervo: Museu da Cidade do Rio Grande.

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