A condição de capital foi perdida por Rio Grande
quando da invasão espanhola em 1763. Desde 25 de julho de 1773, Porto Alegre
era sede do Governo do Rio Grande de São Pedro segundo resolução do governador
José Marcelino de Figueiredo. Com a retomada portuguesa em 1776, a capital foi mantida
em Porto Alegre
apesar de argumentos favoráveis ao seu retorno à Vila do Rio Grande. Um ofício
do então Governador Sebastião Xavier da Veiga Cabral da Câmara, datado de 22 de
dezembro de 1780 e dirigido ao vice-rei Luiz de Vasconcelos e Souza, trata
deste assunto.
O autor do documento a seguir transcrito, Sebastião
Xavier da Veiga Cabral da Câmara, nasceu em Portugal e faleceu na Vila do Rio
Grande em 1801, tendo sido enviado para o Brasil para combater os espanhóis nas
Guerras do Sul recebendo ordens do Tenente-General Bohm. As qualidades
militares e administrativas que sempre evidenciou, colocam-no como uma das
maiores figuras portuguesas no sul do Brasil, tendo desempenhado a função de
Governador do Rio Grande de São Pedro no período de 1780 a 1801.
CORRESPONDÊNCIA AO VICE-REI
"Ilmo. Exm. Sr.: quando V. Ex. foi servido
encarregar-me o governo deste Continente do Rio Grande, dignando-se ouvir o meu
parecer sobre o lugar fixo da sua capital, representei sinceramente a V. Ex. a
impossibilidade de satisfazer então (por falta de conhecimentos) a respeitável
ordem de V. Ex. reservando para ocasião mais oportuna a informação que até
agora me não foi possível dar em matéria de tanta importância.
No ano de 1735 [data correta
1737] principiou o brigadeiro José da Silva Paes a povoação do Rio Grande, que
em 1752 [data correta 1751], criou vila por ordem de Sua Majestade Fidelíssima
o desembargador ouvidor da comarca da Ilha de Santa Catarina Manoel José de
Faria. Ela foi invariavelmente residência dos governadores, senado da Câmara,
provedoria da real fazenda, e por conseqüência até o dia 24 de abril de 1763,
no qual a invadiram as tropas espanholas.
O comércio de muitos dos
principais gêneros em que abunda o país, transportados facilmente por mar à
capital do Brasil; a grande multidão de gado e de cavalos e mulas, cuja venda
para a Capitania de S. Paulo, se praticava por preços avantajados; a possessão
de mais de sessenta léguas de bom terreno em que se achavam situadas até a
Angustura de Castilhos muitas estâncias consideráveis, começava a sua opulência
no mesmo tempo em que experimentou o golpe e a desordem com que passou a
domínio estranho; resultando desta fatalidade, a decadência anexa a semelhantes
casos e continuada por espaço de treze anos que mediaram até a sua restauração
no dia 1º de abril de 1776; não obstante, conserva ao presente (é verdade que
quase todos reedificados e alguns construídos de novo) edifícios muito decentes,
proporcionados aos fins a que se acham dedicados, como por exemplo, a igreja, a casa da residência dos
governadores, um armazém, o hospital, a ferraria, a casa de armas, dois corpos
de guarda e os quartéis do forte de S. José da Barra. Entre o restante das
casas dos moradores há poucas capazes, sendo a maior parte, ao péssimo uso do
país, cobertas de palha e construídas de má madeira, sem reboque, forros, e
quase sem pregos. O número, porém das casas tem-se aumentado e vai-se
aumentando consideravelmente, não só com as muitas e numerosas famílias da
Colônia, mas com alguns homens de negócio que, como não são pobres, fazem os
melhores arranchamentos e hoje excedem de dois mil e quatrocentos os fregueses
do Rio Grande, posto que muitos vivem em estâncias ou estabelecimentos
separados, tendo semeado este presente ano 1.126 alqueires de trigo.
O Rio Grande é sem dúvida
dos lugares mais sadios do Continente; o seu terreno produz com facilidade e
abundância, não obstante o defeito das muitas areias (como lhe chama o vulgo,
sem advertir que às areias anda anexa a esterilidade), as quais formam
avultados combros tão imediatos à povoação, que se faz preciso evitá-los, e
isto não é fácil de conseguir sem trabalho e indústria.
A sua defesa e conservação
não pode afiançar-se mais que em uma de duas coisas, ou ambas juntas: uma
profunda paz ou um respeitável corpo de cavalaria bem armado, pago e
disciplinado, pois que do contrário a sua situação na margem meridional do Rio
Grande, em uma campanha rasa, suscetível de facilíssimo acesso por meio de
várias estradas batidas, sem padrasto, rio caudaloso e fortaleza, ou outro
algum obstáculo, fariam infrutíferas quaisquer diferentes providências, tendo
por limite o princípio de campo neutral, a quatorze léguas de distância, o insignificantíssimo
arroio Taim, que eu presenciei seco, ou
por me explicar com mais verossimilhança, sem correr à praia.
Não há na vila do Rio Grande
pedra; as madeiras de boa qualidade devem-se procurar a grandes distâncias e as
indispensáveis fábricas de telha e tijolo principiam a produzir.
Os pastos pode dizer-se que
são bons à vista da nutrição em que mantêm o gado e cavalhada; não é abundante
de águas, se bem que não assusta semelhante falta a quem é prático do país e acostumado a procurar-lhe remédio,
que consiste em poços ou cacimbas, que a poucos palmos de profundidade brotam
sofrível água.
A invasão do Rio Grande
obrigou o governador Ignácio Eloy de Madureira a transferir interinamente a sua
residência, e não menos a capital do Continente para o sítio de Viamão:
conservaram este estabelecimento por espaço de dez anos seus sucessores José
Custódio de Sá e Faria, Antonio da Veiga de Andrade e José Marcelino de
Figueiredo, até que este, por ordem do Ilmo. e Exm. Sr. Marques do Lavradio,
Vice-Rei que foi deste Estado, o mudou para Porto Alegre, então pequena
povoação de casais das ilhas, denominada S. Francisco do Porto dos Casais, e
hoje acrescentada com uma sofrível casa de residência dos governadores, alguns
quartéis de tropa menos maus que os das outras guarnições do Continente, e
várias casas de paisanos, que concorreram uns pela dependência dos despachos, e
outros na esperança de adiantar o seu negócio.
A povoação de Porto Alegre
está situada no centro do Continente sobre terreno sólido; tem abundância de
pedra; por hora não é falta de madeiras suficientes e conserva a menos de
quatro léguas de distância uma boa fábrica de telha e tijolo; a imediação em
que está da Lagoa dos Patos lhe facilita as viagens, e transportes para as duas
fronteiras do Rio Grande e Rio Pardo, e o socorrê-las dos armazéns reais, que,
não sendo atualmente de consideração, servem contudo de remédio.
A freguesia de Porto Alegre,
consta de mais de mil e quinhentas pessoas e no seu distrito semearam-se este
ano quatrocentos e sessenta e três alqueires de trigo; goza proporcionalmente
da pureza dos ares do país e o seu terreno produz também com bastante
facilidade. Espero que, não obstante a falta de artifício e
ornato das importantíssimas circunstâncias acima ponderadas, mereceram a V. Ex.
o conceito de verdadeiras e despidas de encarecimento, servindo-se deliberar à
vista delas com a retidão inseparável das determinações de V. Ex. cuja pessoa
guarde Deus muitos anos. Vila de S. Pedro do Rio Grande, 22 de dezembro de 1780
– ao Ilm. e Exm. Sr. Luiz de Vasconcellos e Souza. – assinado Sebastião Xavier da Veiga Cabral da Câmara”.