Porto do Rio Grande em 1908

Porto do Rio Grande em 1908

quinta-feira, 6 de abril de 2017

SEBASTIÃO DA CÂMARA E A CAPITAL DO RIO GRANDE

A condição de capital foi perdida por Rio Grande quando da invasão espanhola em 1763. Desde 25 de julho de 1773, Porto Alegre era sede do Governo do Rio Grande de São Pedro segundo resolução do governador José Marcelino de Figueiredo. Com a retomada portuguesa em 1776, a capital foi mantida em Porto Alegre apesar de argumentos favoráveis ao seu retorno à Vila do Rio Grande. Um ofício do então Governador Sebastião Xavier da Veiga Cabral da Câmara, datado de 22 de dezembro de 1780 e dirigido ao vice-rei Luiz de Vasconcelos e Souza, trata deste assunto.
O autor do documento a seguir transcrito, Sebastião Xavier da Veiga Cabral da Câmara, nasceu em Portugal e faleceu na Vila do Rio Grande em 1801, tendo sido enviado para o Brasil para combater os espanhóis nas Guerras do Sul recebendo ordens do Tenente-General Bohm. As qualidades militares e administrativas que sempre evidenciou, colocam-no como uma das maiores figuras portuguesas no sul do Brasil, tendo desempenhado a função de Governador do Rio Grande de São Pedro no período de 1780 a 1801.

CORRESPONDÊNCIA AO VICE-REI
"Ilmo. Exm. Sr.: quando V. Ex. foi servido encarregar-me o governo deste Continente do Rio Grande, dignando-se ouvir o meu parecer sobre o lugar fixo da sua capital, representei sinceramente a V. Ex. a impossibilidade de satisfazer então (por falta de conhecimentos) a respeitável ordem de V. Ex. reservando para ocasião mais oportuna a informação que até agora me não foi possível dar em matéria de tanta importância.
No ano de 1735 [data correta 1737] principiou o brigadeiro José da Silva Paes a povoação do Rio Grande, que em 1752 [data correta 1751], criou vila por ordem de Sua Majestade Fidelíssima o desembargador ouvidor da comarca da Ilha de Santa Catarina Manoel José de Faria. Ela foi invariavelmente residência dos governadores, senado da Câmara, provedoria da real fazenda, e por conseqüência até o dia 24 de abril de 1763, no qual a invadiram as tropas espanholas.
O comércio de muitos dos principais gêneros em que abunda o país, transportados facilmente por mar à capital do Brasil; a grande multidão de gado e de cavalos e mulas, cuja venda para a Capitania de S. Paulo, se praticava por preços avantajados; a possessão de mais de sessenta léguas de bom terreno em que se achavam situadas até a Angustura de Castilhos muitas estâncias consideráveis, começava a sua opulência no mesmo tempo em que experimentou o golpe e a desordem com que passou a domínio estranho; resultando desta fatalidade, a decadência anexa a semelhantes casos e continuada por espaço de treze anos que mediaram até a sua restauração no dia 1º de abril de 1776; não obstante, conserva ao presente (é verdade que quase todos reedificados e alguns construídos de novo) edifícios muito decentes, proporcionados aos fins a que se acham dedicados, como por exemplo,  a igreja, a casa da residência dos governadores, um armazém, o hospital, a ferraria, a casa de armas, dois corpos de guarda e os quartéis do forte de S. José da Barra. Entre o restante das casas dos moradores há poucas capazes, sendo a maior parte, ao péssimo uso do país, cobertas de palha e construídas de má madeira, sem reboque, forros, e quase sem pregos. O número, porém das casas tem-se aumentado e vai-se aumentando consideravelmente, não só com as muitas e numerosas famílias da Colônia, mas com alguns homens de negócio que, como não são pobres, fazem os melhores arranchamentos e hoje excedem de dois mil e quatrocentos os fregueses do Rio Grande, posto que muitos vivem em estâncias ou estabelecimentos separados, tendo semeado este presente ano 1.126 alqueires de trigo.
O Rio Grande é sem dúvida dos lugares mais sadios do Continente; o seu terreno produz com facilidade e abundância, não obstante o defeito das muitas areias (como lhe chama o vulgo, sem advertir que às areias anda anexa a esterilidade), as quais formam avultados combros tão imediatos à povoação, que se faz preciso evitá-los, e isto não é fácil de conseguir sem trabalho e indústria.
A sua defesa e conservação não pode afiançar-se mais que em uma de duas coisas, ou ambas juntas: uma profunda paz ou um respeitável corpo de cavalaria bem armado, pago e disciplinado, pois que do contrário a sua situação na margem meridional do Rio Grande, em uma campanha rasa, suscetível de facilíssimo acesso por meio de várias estradas batidas, sem padrasto, rio caudaloso e fortaleza, ou outro algum obstáculo, fariam infrutíferas quaisquer diferentes providências, tendo por limite o princípio de campo neutral, a quatorze léguas de distância, o insignificantíssimo arroio Taim, que eu presenciei seco, ou  por me explicar com mais verossimilhança, sem correr à praia.
Não há na vila do Rio Grande pedra; as madeiras de boa qualidade devem-se procurar a grandes distâncias e as indispensáveis fábricas de telha e tijolo principiam a produzir.
Os pastos pode dizer-se que são bons à vista da nutrição em que mantêm o gado e cavalhada; não é abundante de águas, se bem que não assusta semelhante falta a quem é prático  do país e acostumado a procurar-lhe remédio, que consiste em poços ou cacimbas, que a poucos palmos de profundidade brotam sofrível água.
A invasão do Rio Grande obrigou o governador Ignácio Eloy de Madureira a transferir interinamente a sua residência, e não menos a capital do Continente para o sítio de Viamão: conservaram este estabelecimento por espaço de dez anos seus sucessores José Custódio de Sá e Faria, Antonio da Veiga de Andrade e José Marcelino de Figueiredo, até que este, por ordem do Ilmo. e Exm. Sr. Marques do Lavradio, Vice-Rei que foi deste Estado, o mudou para Porto Alegre, então pequena povoação de casais das ilhas, denominada S. Francisco do Porto dos Casais, e hoje acrescentada com uma sofrível casa de residência dos governadores, alguns quartéis de tropa menos maus que os das outras guarnições do Continente, e várias casas de paisanos, que concorreram uns pela dependência dos despachos, e outros na esperança de adiantar o seu negócio.
A povoação de Porto Alegre está situada no centro do Continente sobre terreno sólido; tem abundância de pedra; por hora não é falta de madeiras suficientes e conserva a menos de quatro léguas de distância uma boa fábrica de telha e tijolo; a imediação em que está da Lagoa dos Patos lhe facilita as viagens, e transportes para as duas fronteiras do Rio Grande e Rio Pardo, e o socorrê-las dos armazéns reais, que, não sendo atualmente de consideração, servem contudo de remédio.
A freguesia de Porto Alegre, consta de mais de mil e quinhentas pessoas e no seu distrito semearam-se este ano quatrocentos e sessenta e três alqueires de trigo; goza proporcionalmente da pureza dos ares do país e o seu terreno produz também com bastante facilidade. Espero que, não obstante a falta de artifício e ornato das importantíssimas circunstâncias acima ponderadas, mereceram a V. Ex. o conceito de verdadeiras e despidas de encarecimento, servindo-se deliberar à vista delas com a retidão inseparável das determinações de V. Ex. cuja pessoa guarde Deus muitos anos. Vila de S. Pedro do Rio Grande, 22 de dezembro de 1780 – ao Ilm. e Exm. Sr. Luiz de Vasconcellos e Souza. – assinado Sebastião Xavier da Veiga Cabral da Câmara”.

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