Porto do Rio Grande em 1908

Porto do Rio Grande em 1908

segunda-feira, 17 de abril de 2017

RIO GRANDE - A CAPITAL

Com a invasão e a ocupação espanhola durante treze anos (1763-1776) Rio Grande deixou de ser, como vinha ocorrendo entre 1737 e 1763, a capital administrativa do Rio Grande do Sul, passando estas atividades para Viamão e posteriormente para Porto Alegre.
 Numa analogia contemporânea a Porto Alegre, a importância em sediar o centro administrativo revela-se na dinamização de atividades comerciais e na circulação de numerário por parte de todo funcionalismo envolvido na administração pública além das obras de infra-estrutura essenciais para o funcionamento de uma capital. Rio Grande, apresentando o único porto marítimo do estado, associado a centro administrativo concentrando o governo estadual e a câmara de deputados, com certeza viveria uma realidade diferenciada da atual, o que promoveria reflexos na zona sul do estado. Situações hipotéticas relacionadas ao aumento da renda per capita mobilizariam novos padrões de consumo, atraindo um grande número de indústrias e atividades de prestação de serviços. Num exercício imaginativo podemos relacionar a Grande Porto Alegre (trecho em direção a Canoas, São Leopoldo, Novo Hamburgo), com a metrópole rio-grandina cuja cidade satélite seria Pelotas, interligadas por uma série de novas cidades dormitórios que surgiriam nestes sessenta quilômetros que separam os rio-grandinos dos pelotenses.
Obviamente este exercício intelectual é polêmico. Alguns dirão que as condições históricas, o meio físico (vento, areia, umidade, insalubridade), a mentalidade da população, a proximidade do espaço do latifúndio escravista ligado a pecuária, o papel militar da cidade e a fronteira com a geopolítica platina a tornam propícia ou vulnerável. Os mais diferentes argumentos somente confirmariam que esta polêmica é extremamente interessante para resenhar o que os rio-grandinos e os estrangeiros pensam sobre a cidade.
Pois esta  discussão não é mera ficção literária mas está expressa numa obra historiográfica e foi objeto de estudo pelo governo português a mais de duzentos anos atrás, como constata-se a seguir.
Sebastião Francisco Bettamio terminou de escrever em 19 de janeiro de 1780 a Notícia Particular do Continente do Rio Grande do Sul, uma das fontes históricas mais importantes relativas à vida econômica e social da Capitania na segunda metade do século 18. Bettamio viera de Portugal para o Brasil em 1767 afim de introduzir novos métodos de contabilidade fiscal. Em 1775, auxiliou o general João Henrique Böhm, comandante das tropas luso-brasileiras na luta contra a ocupação espanhola, organizando as linhas de suprimento.
Bettamio dedicou uma considerável parte de sua Notícia a então Vila do Rio Grande de São Pedro, a qual, segundo ele, “tanto tem custado à Coroa Portuguesa, parece de justiça se conserve, e se passe para ela a capital, mudando-se de Porto Alegre as pessoas que formam o Estado Civil, e restituindo-se a antiga posse em que estavam na Vila”. A proposta de trazer a capital para Rio Grande, estava ligada a proximidade da barra, o acesso para a navegação marítima e os contatos com o interior da Capitania. “Dirão que o terreno é indigno pelas muitas areias que formam com combros formidáveis, e que estes cada vez mais se vão aproximando da Vila, sepultando os edifícios dela, o que não duvido sucede, e sucederá se não houver algum trabalho para impedir. Se, porém, considerarem as utilidades que se seguem de ser ali a capital do continente, somente pela proximidade da barra, e sem atender às mais que resultam aos povos vizinhos, que são já em grande número, vir-se-á a conhecer que se deve empregar todo o cuidado na conservação e aumento da Vila”. Rio Grande, por sua posição estratégica “é sempre mais defendida, e se pode cobrir com alguma fortificação no sítio chamado do Estreito”. Essas razões evidenciavam que é em Rio Grande que se deve trabalhar e “por todos os meios que parecerem conducentes para o seu estabelecimento, povoação, aumento e cultura”.
O autor propos ao Governador da Capitania, uma série de providências para garantir o crescimento da Vila do Rio Grande, medidas que se tivessem sido implementadas, mudariam radicalmente o ritmo do desenvolvimento histórico local. Ainda, elaborou vinte e nove pontos voltados a ocupação urbana através de obras básicas e do enfrentamento dos problemas diários da população. Bettamio acreditava que o Governador do Continente, a Câmara, os magistrados e todo o corpo civil deveriam ser obrigados a morar na Vila. O primeiro ponto da argumentação define a sua essência: que seja ordenado que a capital do Continente seja na Vila de São Pedro, “da qual se não possa mudar por pretexto algum, fazer-se a este respeito representação. Em quanto se não assentar fixamente nesta resolução, e que não fique arbítrio dos governadores poderem mudar a sua residência, sempre aqueles moradores se conservarão na esperança de melhorar, ou trocar de sítio, e nunca farão estabelecimentos permanentes, nem casas a que se possa dar este nome, mas sim choupanas para viver algum tempo”.
Escrevendo sob o efeito da ocupação espanhola que a somente três anos encerrara, Bettamio defendeu a fortificação militar e o povoamento, insistindo na necessidade em concentrar a população nas imediações deste centro urbano a fim de garantir sua manutenção no caso de novos ataques castelhanos. Os problemas ligados a carência de água e ausência de cobertura vegetal, de depósitos para conservação dos produtos da lavoura, do empobrecimento acarretado pela luta contra os espanhóis, da falta de material não perecível para construção e do contínuo movimento da areia, são alguns dos problemas enfrentados pela população na segunda metade do século 18 os quais Sebastião Bettamio buscou soluções, demonstrando um conhecimento do cotidiano da localidade.
 Quanto à proposta de transferência da capital de Porto Alegre para a Vila do Rio Grande, a primeira foi mantida com argumentos ligados a facilidade de defesa militar, a centralização do território, o solo propício à agricultura, a existência de madeiras para construção civil e naval, a abundância de água potável entre outros fatores.
Na encruzilhada histórica do ano de 1780, o peso político não favoreceu Rio Grande, decisão que teria mudado todo o seu ritmo de desenvolvimento e de diferenciadas experiências somente projetáveis no exercício intelectual da imaginação.

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