Porto do Rio Grande em 1908

Porto do Rio Grande em 1908

segunda-feira, 21 de agosto de 2023

PAUL WALLE E RIO GRANDE EM 1910

Porto Velho do Rio Grande em 1910. Paul Walle. Acervo: Biblioteca Nacional da França. 

 

WALLE, Paul. Au Brésil de L’Uruguay au Rio São Francisco. Préface de M. E. Levasseur. Librairie Orientale & Américaine. E. Guilmoto, Éditeur, Paris. 
Acervo: Biblioteca Nacional da França. 


Paul Walle foi Assessor de Comércio Exterior da França e responsável por missões econômicas na América do Sul. A sua quarta viagem ao Brasil resultou neste livro publicado em Paris no ano de 1910. A obra mostra o panorama das atividades econômicas brasileiras e das possibilidades de investimento francês. Sobre o Brasil o autor ainda tem publicações, mas, esta obra remete ao Rio Grande do Sul. 

Acessando um exemplar da Biblioteca Nacional da França fiz uma livre tradução do trecho referente a cidade do Rio Grande. Walle esteve na cidade e acompanhou o andamento das obras de construção do Porto Novo e dos Molhes da Barra pela Companhia Francesa do Porto do Rio Grande. Era um momento de grande expectativa de abertura da barra do Rio Grande para embarcações com calado de até 10 metros e a garantia da segurança da navegação no canal de acesso. Walle acreditou que a obra estaria encerrada em 1912 e de fato se estendeu até o ano de 1915. A Primeira Guerra Mundial estava no caminho das obras. Mas o objetivo foi cumprido e a maldição da “Barra Diabólica” (que promoveu centenas de afundamentos de navios) que recuava aos primórdios da ocupação do Rio Grande no século XVIII, estava cedendo frente a tecnologia/engenharia dos primórdios do século XX.

Eis as referências do autor em relação a navegação na Lagos dos Patos, a construção do Porto e a cidade do Rio Grande e suas perspectivas de crescimento econômico no ano de 1910:

“Agora temos que falar do Rio Grande, o porto e a grande saída do Estado do Rio Grande do Sul para o Oceano. A cidade, que tem perto de 35.000 habitantes e está em constante progresso; mas apesar de inúmeras novas construções, ainda mantém o seu aspecto de uma cidade provinciana portuguesa.

É iluminada a gás e tem várias linhas de bonde. As ruas mais importantes e movimentadas são a Marechal Floriano, 24 de Maio e Riachuelo. Prédios do Rio Grande não são numerosos e nem muito notáveis. Entre os melhores estão o Palácio da Municipalidade, a Beneficência Portuguesa, a Igreja Protestante do Salvador, a graciosa Igreja do Bomfim; a catedral é de arquitetura pesada e desinteressante. Rio Grande é antes de tudo um centro comercial e industrial. Existem, de fato, 48 fábricas ou estabelecimentos no município; moinhos fiações, fábricas de conservas, charutos, alimentos, sapatos, chapéus, biscoitos, etc. Mais importante são as fiações de tecidos de lã e algodão "União Fabril", sucessora de Rheingantz e C°, que possui três fábricas, uma de tecidos de lã com fiação, outra de tecidos de algodão e uma de tecidos de juta. Esta empresa ocupa cerca de 900 trabalhadores; o seu capital ascende a 3.500 contos e distribui aos seus acionistas dividendos. Outra grande fábrica é a “Sociedade de Tecelagem Italo Brazileira, Santos Becchi e C°”, fundada por industriais italianos, com um capital de 1 milhão de liras. Estabelecimento que emprega 750 trabalhadores, faz tecelagem e tecidos de algodão e linho. O algodão vem do norte do Brasil e o linho da Europa. Toda a produção escoa facilmente no país. Vem depois a fábrica de biscoitos e conservas da Leal, Santos e C°-; o engenho de farinha de trigo riograndense, Albino e C°; Mata e C°, uma importante fábrica de calçados. A grande fábrica de Charutos Pook e C°e as oficinas de fundição de A. Dias e James Campbell Osborne, etc.

Rio Grande certamente seria uma cidade de mais de 50.000 habitantes e o próprio Estado teria atingido um grau de prosperidade e desenvolvimento dez vezes maior, se a barra do Rio Grande não estivesse parcialmente obstruída o que dificulta a navegação e as comunicações com a Europa e o resto do Brasil, além de tornar as viagens mais caras e demoradas.

Esta infeliz barra, que dificulta a entrada na Lagoa dos Patos, é o desespero dos riograndenses que, há quase meio século, buscam resolver o problema de seu acesso. Está localizada na entrada do oceano, a 11 milhas do atual porto de Rio Grande, ao qual está ligada por dois canais naturais, um dos quais, o “Canal do Norte”, é muito largo e uma profundidade de quase 10 metros; é neste canal que um outro ramo muito mais raso leva a cidade. O obstáculo é constituído pelos depósitos de areia que se forma na saída do Canal do Norte, onde a ação do mar e da corrente que vem do interior se unem colidindo, na maioria das vezes permitindo apenas o acesso a navios com menos de 11 pés de calado. Esta profundidade não é constante, e muitas vezes acontece que os vapores do "Lloyd" e "Costeira", que costumam fazer a viagem, mas especialmente o primeiro, deve esperar vários dias antes de entrar com profundidade de água suficiente. Os navios alemães do “Hamburg Sudamerikanischen” e do “Hamburg-Amerika Linie”, seção da América do Sul, que fazem o serviço direto duas vezes por mês o serviço direto (duração 40 dias) entre Hamburgo, Antuérpia e Rio Grande, devem descarregar em batelões e sua entrada, quando ocorre, é retardada por quatro a cinco dias. É o mesmo na saída, e nós mesmos esperamos dois dias para que a profundidade fosse suficiente; o navio deu sacolejos para conseguir sair da barra. Os viajantes nunca sabem quanto tempo vai demorar para cumprir sua jornada, pois podem ficar vários dias antes de poder entrar ou sair da Lagoa dos Patos. Apresenta também diferentes lugares onde, devido aos baixios existentes, a profundidade não é suficiente para embarcações maiores. De Rio Grande a Porto Alegre, uma distância de 300 quilômetros, a profundidade da lagoa é de 7 metros na maior parte do percurso; apesar de tudo, a navegação só é possível para embarcações com calado inferior a 10 pés (3 metros). O primeiro obstáculo que frustra a grande navegação, subindo a lagoa em direção a Porto Alegre, é o baixio próximo a barra do São Gonçalo (que é francamente navegável até Pelotas), que demora quatro a cinco horas depois de sair de Rio Grande. Além dessas águas rasas do sul, a navegação é direta com uma profundidade de 7 metros numa extensão de 99 milhas. A partir deste ponto, perto do Guaíba, que é muito largo e cuja entrada é marcada pelo farol de Itapuã, a navegação volta a ser difícil e os navios precisam seguir um canal que nem sempre chega aos 3 metros de profundidade. O vapor que nos trouxe de volta à costa, tendo saído um pouco do canal, teve que rastejar por seis horas em um baixio antes de poder sair dele; pode-se ficar dias inteiros nesta situação. Os canais acessíveis a navegação são indicados em toda a extensão da lagoa por marcos que indicam os baixios e a direção, e por um grande número de bóias iluminadas queimando noite e dia. Este estado de coisas, que torna incerta a duração das viagens, resulta num transporte extremamente caro: calculou-se que as mercadorias para Rio Grande e Porto Alegre pagaram o dobro das que são direcionadas para Buenos Aires, porto que é muito mais distante. As cartas também demoram mais de um mês para chegar ao destino. Os produtos de exportação do Rio Grande do Sul, destinados, aos demais Estados do Brasil, sofrem os efeitos da dificuldade de navegação e, devido ao preço do transporte, sofrem concorrência nos mercados do norte com os produtos similares da Argentina e do Uruguai. Esses países vendem, de fato, 34.000 toneladas de charque por ano nestes Estados, pagando uma taxa de 60 réis por quilo.

Em diversas ocasiões, projetos foram elaborados e concessões concedidas com o objetivo de abir a barra, mas as obras iniciadas não tiveram continuidade, tanto que frente a forte decepção os rio-grandense acabaram duvidando que algum dia concretizariam sua mais cara esperança. Mas parece que esse velho problema está prestes a ser resolvido; a questão de fato, acaba de entrar numa nova e decisiva fase. Em 1906, a concessão para a abertura da barra, foi concedida ao engenheiro americano Lawrence Corthell. Este concessão foi transferida, em julho de 1908, para a "Compagnie Française du Port Rio Grande do Sul”. A concessão envolve a escavação da barra e a construção de um porto de águas profundas na cidade de Rio Grande. No que diz respeito a barra, um canal marítimo, que dá acesso a navios de 10 metros de calado, terá de ser escavado a partir do Canal do Norte até as águas profundas do Oceano, dentro de seis anos, a partir de setembro de 1906. O porto, que será construído um pouco a sudeste da cidade, no Canal do Norte, a oito milhas da barra, terá de ser acessível a navios de 10 metros de calado, e equipado estruturas e extensão ncessária para atender aos requisitos atuais de um porto de primeira ordem. A obra deve ser concluída em agosto de 1912. As obras de escavação da barra e a construção do porto são da responsabilidade da “Société Générale de Construction”, empresa constituída em Paris. O empreiteiro principal desta empresa é a casa Daydé e Pillé, de Creil. A importância do trabalho realizado pela Compagnie Française du Port de Rio Grande do Sul deve estar perto de 60 milhões; o projeto das obras portuárias prevêem um gasto de 46 milhões 206.400 francos. Durante nossa passagem por Rio Grande, no início de setembro de 1909, a obra estava bem adiantada, tudo feito por pessoal técnico, bem como cerca de sessenta funcionários e uma dúzia de engenheiros. Com o engenheiro gerente-chefe da casa Daydé-Pillé, visitamos o progresso das obras. Apesar das dificuldades, estão evoluindo normal e satisfatoriamente. As barras destinadas a reter as areias foram construídas a uma grande distância. Mais de 15 milhões em equipamentos, incluindo várias dragas potentes e aperfeiçoadas, estavam no local, e mais equipamentos eram aguardados. Esta empresa constrói uma ferrovia a partir de Monte Bonito, pedreiras localizadas a 22 quilômetros de Pelotas, até a barra, ou seja, 74 quilômetros, agora quase totalmente concluídos. Trecho entre Monte Bonito e Pelotas está concluída. A Companhia, temporariamente, utiliza a linha de Bagë a Rio Grande para o transporte de suas pedras, que também podem ser transportadas por barcaças. Pelo que vimos e nos foi informado recentemente, é razoável acreditar que esta empresa será desta vez coroada com sucesso total e então nada vai parar o boom comercial do Rio Grande”.

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