|
Cartaz do filme A Múmia (1932), Universal Filmes. |
A "Maldição dos Faraós" é uma construção histórica que recua a milhares de anos.
Não apresenta uma sincronia coerente e premeditada que se repetiu de dinastia em dinastia egípcia. Eram ameaças escrita nas tumbas de efeitos sobrenaturais sobre os profanadores e não havia referência a múmias vingadoras.
A busca de coerência discursiva remete as investidas literárias desde os primórdios do século XIX, porém, não há uma estrutura definida e convincente que explicite a profanação de tumbas e a perseguição promovida por múmias ou entidades do panteão egípcio.
É com a descoberta do espaço funerário de Tutankamon e as mortes ocorridas após os trabalhos arqueológicos que foi edificado o mito da maldição dos faraós: uma construção discursiva da imprensa que se difundiu em jornais e revistas.
O status de cultura popular se deve as leituras recebidas no cinema: a Universal Filmes, no filme A Múmia (1932) foi essencial na difusão da maldição concretizada por uma múmia que teve uma historicidade ligada a uma paixão proibida e a tentativa de romper com as barreiras da vida e da morte. O resultado foi a mumificação em vida.
Às vésperas do centenário da grande descoberta da tumba de Tutankamon em 1922, procedo a uma nova apropriação das possíveis leituras das maldições.
Uma maldição muito mais palpável e que tem exigido de muitos governos toda uma construção ficcional de negação é a "Maldição do Clima".
É ficção falar nisso? Vejamos... No último dia 12 de novembro uma intensamente incomum tempestade atingiu a cidade egípcia de Aswan (950 km ao sul do Cairo). Uma populosa cidade que é um trampolim para sítios arqueológicos como Abu Simbel (templo de Ramsés II). A cidade é tão árida que a média anual de chuva é de 1mm. Ocorreu chuva intensa, granizo, atividade elétrica e um efeito colateral: uma invasão de cobras e escorpiões. A chuva torrencial arrastou os peçonhentos de morros nas cercanias e estes invadiram as casas provocando mais de 500 pessoas com picadas de escorpião.
Assistir os vídeos gravados sobre o fenômeno lembra um pouco as pragas proferidas pelos hebreus contra a dominação do faraó egípcio Ramsés II (exatamente o que construiu sua necrópole ao sul de Aswan): a chuva de pedras (granizo), escuridão total (o dia virou noite na região) e, poderia, numa livre leitura minha, trocar a invasão dos gafanhotos pelos escorpiões. Possivelmente não estamos lidando com "pragas" ou "maldições" (afirmo eu) e sim com "mudanças climáticas" como afirmou o Diretor do Centro de Análise e Previsões do Tempo da Autoridade Meteorológica Egípcia, Mahmoud Shaheen.
Na Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças do Clima realizada recentemente em Glasgow ficou explicitada que falar na "Maldição do Clima" não interessa ao alguns países industrializados ainda fundados na emissão de CO2.
Diga-se que a "Maldição do Clima" é uma construção histórica fruto da Revolução Industrial. Portanto, uma apropriação antrópica dos recursos naturais usados de forma irracional e da queima de combustíveis fósseis em ritmo avassalador.
Maldição no sentido que os medos serão partilhados de diferentes formas frente aos lugares sociais e as esferas do poder que cada comunidade estará inserida. Mas, para além das especificidades geopolíticas, a Maldição será global e impactará a todos. Chuvas demasiadas, secas devastadoras, furações e ciclones tropicais, ondas de calor tórridas, elevação do nível do mar, incêndios florestais, acidificação dos oceanos, imigrações intensificadas pela falta de alimentos ou água, avanço de doenças tropicais, novas pandemias, conflitos militares entre países devido as crises ambientais ou luta pelos recursos restantes, recurso a barbárie numa mistura de Mad Max com The Walking Dead.
O mundo que conhecemos está mudando num ritmo mais rápido que os piores prognósticos. A cada década poderá se intensificar novos perfis naturais e a necessidade de mutação de espécies para sobreviver. Como está acontecendo com os pássaros na Amazônia...
No início desta pandemia de Covid escrevi uma matéria no blog sobre o novo referencial para pensar o tempo: A.P. (antes da Pandemia) e D. P. (depois da Pandemia). Afinal, a Pandemia não foi superada (estamos no D. P. - durante a Pandemia) e com as novas informações climáticas que tem sido divulgadas, podemos pensar que as mudanças são mais profundas que o impacto de um vírus. Certamente, arrefecendo a normas de segurança, as viagens internacionais e a circulação será redobrada com vigor hercúleo preenchendo os céus com emissões de CO2 ejetadas pelas turbinas. Porém, dentro do meu perfil jurássico relaciono população, consumo excessivo e emissões para produção industrial com a palavra "grande encrenca". A pior encrenca que já construímos e não foram poucas ao longo da história. Desde a antiguidade, povos com capacidade bélica e com muita ira destroçaram seus inimigos e devastaram espaços naturais: mas suas tecnologias eram pífias e a vontade de domesticação do planeta se tornou esquálida.
Do século XIX ao presente, as coisas são totalmente diferentes. Frente a uma produção inclemente para satisfazer a necessidade insaciável de consumo de uma população que ruma para 8 bilhões de pessoas, os mecanismos do equilíbrio natural estão sendo rompidos e o aquecimento global da atmosfera poderá provocar modificações radicais nos ecossistemas marinhos e terrestres. Isto significa extinção de espécies e insuportabilidade de sobrevivência para o homo sapiens em áreas significativas do planeta.
As emissões de poluição industrial com CO2 chegaram ao ponto crítico em meados dos anos 1970! Meio século se passou e a produção com queima de combustíveis fósseis e devastação ambiental se intensificou. E não há um horizonte breve para amainar o ímpeto por produção/consumidores, especialmente, com a descoberta das beneses da economia de mercado pela China e pela Índia...
A Conferência do Clima fracassou e se espera avanços nas próximas rodadas. Haverá tanto tempo assim?
Será a "Maldição do Clima" apenas uma construção ficcional e não histórica?