Porto do Rio Grande em 1908

Porto do Rio Grande em 1908

segunda-feira, 29 de novembro de 2021

O MALHO E O RELHO


 

O Malho, 04-01-1930. Acervo: Biblioteca Nacional (Rio de Janeiro). 

Espetacular esta charge publicada na revista O Malho (Rio de Janeiro) em 4 de janeiro de 1930. A criatividade em associar revólveres com cavalos, a qualidade da arte e a representatividade do momento histórico são uma referência para desenvolver uma longa reflexão. Vou me apegar apenas a alguns elementos. 

 Um século depois da Revolução Farroupilha (1835-1845), a imprensa ainda tem uma grande dificuldade em fugir do esteriótipo do rio-grandense como um bandoleiro inserido no espaço platino dos gauchos. O historiador Moysés Vellinho destacou nos anos 1920 que os rio-grandenses ainda eram vistos como bárbaros e militaristas que resolviam tudo na força das armas. 

Getúlio Vargas está se projetando no cenário nacional com forte oposição dos segmentos ligados as políticas clientelistas do café com leite. Porém, a crise de 1929 abalou a estrutura do poder e outros projetos estão emergindo. 

O que os editores do periódico não sabiam neste momento é que realmente Getúlio iria "baixar o terror" nestes segmentos acostumados a comandar a República Velha desde os primórdios da República em 1889. Diga-se que O Malho apoiava o candidato opositor de Getúlio, e sistematicamente tentava desmoralizar os opositores como Getúlio e vários outros personagens que consideram non gratos no cenário político. 

Os dizeres são os seguintes: "A chegada triunfal do sr. Getúlio (C)Vargas... de Cavalaria. Logo depois do seu desembarque, o Dr Getúlio Vargas, acompanhado dos chefes da Aliança foi amarrar o seu cavalo no obelisco. Essa imponente cerimônia, que causou uma viva comoção a assistência, provocou aplausos frenéticos d'uma multidão de Colts, Smith and Wesson, Nagan, Browning, Bull-Dogs e outros exaltados correligionários".    

Getúlio e os integrantes da Aliança Liberal são mostrados como bandoleiros armados até os dentes que eram saudados por outros bandoleiros simpatizantes, identificados com o nome de armas como os famosos Colt ou Smith & Wesson.

Getúlio, na primeira fila à direita, está de lenço, bota com espora e bombacha. Numa mão conduz o cavalo/revólver e na outra um relho. 

 Está presente a perspectiva de mostrar o Rio Grande do Sul como uma terra de bárbaros que andavam armados e tiroteando. Seus aliados estavam seguindo o mesmo caminho. Eles estavam profanando as ruas do Rio de Janeiro onde reinava a modernidade e a civilização. De fato, a capital era o reduto do coronelismo e do clientelismo que sustentavam a sociedade patrimonialista da época. Obviamente que  o período posterior a 1930 não desmontou uma estrutura quase sobrenatural e que parece eterna no país. Mas exigiu rearticulações, promoveu exclusões de muitas figuras carimbadas da política, lançou uma nova geração tenentista no cenário nacional e passou a combater o regionalismo em prol da brasilidade. O novo projeto estava em sintonia com um tumultuado período histórico, marcado por nacionalismos e ideologias, que desaguou na Segunda Guerra Mundial.     

A referência ao obelisco é ainda mais hilariante! O que os editores do O Malho não sabiam é que este é apenas o prenúncio da amarração de cavalos no obelisco da Avenida Rio Branco no centro nervoso do Rio de Janeiro. Em outubro do mesmo ano, os revolucionários vitoriosos na campanha militar, ocuparão o centro do Rio e voltarão a amarrar os cavalos. Eles depõem o presidente Washington Luis e assumem o comando administrativo da capital federal. Getúlio se torna o novo presidente e assim persistiu até 1945. 

O bárbaro teve de ser engolido e o malho cedeu o discurso para o relho.    

Nenhum comentário:

Postar um comentário