*Capítulo do livro de Francisco das Neves Alves e Luiz
Henrique Torres, "Visões do Rio Grande: a cidade sob o prisma europeu no
século XIX". Rio Grande: FURG, 1995.
Mapa dos itinerários de Saint-Hilaire. In: http://arquivos.ambiente.sp.gov.br/portalnovomedia/2015/06/1-mapa_saint_hilaire.png |
Saint-Hilaire
Em junho de 1816, chegou ao Brasil
em companhia do ministro francês no Rio de Janeiro, Duque de Luxemburgo,
iniciando sua excursão por Goiás, Minas Gerais e Espírito Santo, e,
posteriormente, excursionou aos Rio Uruguai e Prata. O naturalista coletou
milhares de exemplares minerais, zoológicos e botânicos, parte dos quais,
atualmente, encontram-se no Museu de Paris. Segundo Abeillard Barreto, Viagem
ao Rio Grande do Sul somente foi publicada em 1887 em Órleans com o título
francês Voyage à Rio-Grande do Sul - Brésil, sendo a mais
“ordenada de suas descrições de viagem e ainda hoje, sob o ponto de vista do
leitor, o manancial mais sadio e mais profundo para o estudo dos homens e das
coisas rio-grandenses”.[2]
O itinerário de Saint-Hilaire no Rio
Grande do Sul iniciou no Rio manpituba em Torres, seguindo para Tramandaí,
Viamão até chegar em Porto Alegre a 21 de junho de 1820. Permaneceu em Porto
Alegre por mais de um mês, seguindo para Viamão e posteriormente para Rio
Grande, onde realizou descrições geográficas, botânicas e da vida econômica e
social da cidade. Parte para Pelotas e depois Taim e Chuí, percorrendo por
quatro meses a então Província Cisplatina. Retorna ao Rio Grande do Sul em 26
de janeiro de 1821 pelo rio Quaraí, percorrendo as Missões Jesuíticas e depois
Tupanciretã, Santiago, Santa Maria, Cachoeira, Rio Pardo e novamente Porto
Alegre. Em 18 de junho de 1821 embarca, via Rio Grande, para o Rio de Janeiro,
passando o restante de sua vida organizando o material coletado no Brasil e
redigindo dezenas de livros e memórias. Em 1822, apresentou uma exposição Aperçu
d'un voyage dans l'interieur du Brésil, la Province Cisplatine et les Missions
dites du Paraguay, a qual tornou o autor membro da Acadêmia de Ciências de
Paris.
O estilo irreverente utilizado por
Saint-Hilaire ao descrever o cotidiano dos habitantes, sua visão européia
baseada no racionalismo científico e na valorização da intelectualidade, a
caracterização das pessoas e lugares sociais ocupados, demonstram a projeção de
valores europeus dos primórdios do século passado. Nesse sentido, não é somente
os negros e índios que sofreram leituras depreciativas, mas as próprias elites
são muitas vezes associadas a falta de preparo intelectual, exatamente pelo
restrito acesso ao universo literário e científico.
Após uma breve passagem pelo Norte
(São José do Norte), Saint-Hilaire acompanhando o Conde de Figueiras, fez a
travessia para o Rio Grande do Sul (Rio Grande) no dia 06 de agosto de
1820. Ele relata que navegou numa barca conduzida por vários remadores vestidos
de branco que, a intervalos, bradavam vivas ao Conde de Figueiras, sendo este
grito repetido pela tripulação das embarcações que se achavam no porto. Já era
noite quando chegaram ao Rio Grande. “O conde foi recebido no cais da cidade
pelos membros da Câmara, todos de traje completo, de bengala à mão. Tanto
quanto pude verificar a noite, o cais tinha sido muito bem ornamentado. No meio
da ponte de desembarque, construíram um pequeno arco do triunfo e à extremidade
da mesma ponte ergueram dois imensos pedestais, encimados cada um por uma
estátua. Esses diferentes trabalhos eram feitos de madeira e pano pintado,
tendo sido executados por um francês”.[3]
Saint-Hilaire e o Conde são
conduzidos à Igreja que “se achava enfeitada com faixas de damasco vermelho,
como nos maiores dias de festa e os degraus do altar-mor completamente cheios
de velas acesas”. O Te-Deum foi cantado e após um “pregador subir ao púlpito”
tecendo elogios e “mil outras lisonjas vulgares e mal expressadas” ao Conde.
“Durante todo esse tempo ficara exposto o Santíssimo Sacramento, mas a
assistência nem por isso guardava respeito, portando-se quase como se estivesse
num mercado”.[4]
Após a cerimônia religiosa, o padre
conduziu os visitantes à casa do Tenente-General Marques para um esplêndido
jantar pois “a mesa estava coberta de uma quantidade de travessas, guisados
e ensopados de toda qualidade”. Num segundo momento foram servidos “assados,
saladas e massas”. Após o jantar “levantamo-nos da mesa e fizeram-nos passar a
uma outra sala, onde encontramos uma sobremesa magnífica, composta de uma
variedade de bombons e doces”. Saint-Hilaire ainda fez referência a uma fruta deliciosa chamada laranja-de-umbigo
ou laranja-da-Bahia. Após a sobremesa foram servidos café e licores. A
reunião prolongou-se pela madrugada estando a maioria dos convidados
embriagados. “Os portugueses e os brasileiros costumam beber o vinho puro, e
nos grandes banquetes, o nocivo hábito de erguer brindes excita-os a tomarem em
excesso”. Em decorrência deste hábito, no dia seguinte todos estavam tristes
e fatigados.[5]
[1] BARRETO, Abeillard. Bibliografia
Sul-Riograndense: a contribuição portuguesa e estrangeira para o conhecimento e
a integração do Rio Grande do Sul. Rio de Janeiro, Conselho Federal de
Cultura, vol. II, 1976, p. 1181.
[2] BARRETO. 1976, p. 1182.
[3] SAINT-HILAIRE. Auguste.
Viagem ao Rio Grande do Sul. Porto Alegre, ERUS/Martins Livreiro, 1987,
p. 57.
[4] SAINT-HILAIRE. p.58.
[5] SAINT-HILAIRE. p. 58.
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