*Capítulo
do livro de Francisco das Neves Alves e Luiz Henrique Torres, "Visões do
Rio Grande: a cidade sob o prisma europeu no século XIX". Rio Grande:
FURG, 1995.
Saint-Hilaire
O Saco da Mangueira é descrito como
uma enseada que se encontra a meio quarto de légua a sudoeste da cidade.
Recentemente “construíram, através do banhado, uma larga estrada que vai da
cidade à Mangueira”. Seria necessário arborizar esta estrada pois nos arredores
não há sombra, estendendo-se, a leste e sudeste, banhados lamacentos. Na
cidade, o maior problema é a areia associada ao vento, pois a oeste e a
sudoeste, “um areal de finura extrema que fatiga a vista pela sua cor
esbranquiçada, forma montículos que avançam até as casas situadas atrás da
cidade, elevando-se tanto que ameaçam aterrá-las a cada instante”.
Saint-Hilaire observou “negros ocupados em desentulhar os arredores das casas
de seus donos, que me informaram serem obrigados a repetir, sem descanso, esse
trabalho”.
Em relação ao porto, o naturalista é
pessimista, pois em frente à cidade não haveria profundidade bastante para outras
embarcações além de pequenos iates. Os navios maiores “ancoram diante da Aldeia
do Norte, que pode ser considerada como porto de São Pedro”. Rio Grande
“situada em terreno estéril, no meio de pântanos e areais, ameaçada
constantemente de ser aterrada pelas areias” seria provável “que esta cidade
fosse em breve abandonada, se não tivessem colocado a alfândega e não fossem
obrigados a transportar para aí todas as mercadorias que chega ao Norte”.
No dia 12 de agosto “soprou um vento
violentíssimo, nuvens de areia extremamente fina enchiam o ar; saí por alguns
instantes, sendo muito importunado pela areia que me entrava nos olhos e me
cobria as vestes”. A tempestade de areia fez com que todas as lojas e vendas
fechassem. No dia seguinte, foi oferecido um baile aos visitantes, que chegaram
ao local marcado às dezenove horas, “onde encontramos cerca de sessenta
senhoras reunidas em um salão forrado de papel francês”. As senhoras estavam
“todas muito bem trajadas; usavam vestidos de seda branca, sapatos e meias de
seda; jovens e velhas, traziam à cabeça descoberta, os cabelos armados por uma
travessa e enfeitados com flores artificiais”. As mulheres estavam “sentadas ao
redor do salão, em cadeiras colocadas uma diante das outras” enquanto os homens
“em muito menor número, conservavam-se de pé”. Observando as vestimentas
masculinas, o naturalista destacou alguns detalhes. Os oficiais apresentam-se
rigorosamente fardados; os civis trajavam “fraque, camisa com jabô de renda,
colete branco, geralmente de seda, meias de seda brancas, sapatos com fivela,
finalmente calça branca de seda ou de casemira”.
O baile foi considerado monótono
pelo francês que assim o descreveu:
Os oficiais traziam a
cintura esses espadins, de um pé a um pé e meio de comprimento, usados pelos
portugueses e pelos oficiais da marinha inglesa, tendo a mão um chapéu de três
bicos. Vários padres, entre eles o cura da paróquia assistiram o baile, e um
deles fazia parte da orquestra; todos estavam de batina. O baile começou poucos
instantes após a chegada do conde, mas nunca vi coisa tão monótona. Era
preciso, por assim dizer, obrigar os homens a tirar as senhoras para dançar e,
a exceção do conde, nenhum cavalheiro lhes dirigia a palavra. Dançaram
'inglesas' e valsas (...) Uma jovem dançou um solo, mas, embora reconhecendo
sua graciosidade, não pude deixar de lamentar que uma mãe honesta expusesse sua
filha aos olhares de todos. Não tendo com quem conversar e achando-me
francamente aborrecido, resolvi retirar-me logo que começou a ceia.
Mas se as mulheres deixam a desejar
em relação à educação européia, os homens também estão distantes daquele
universo “Entre os homens do Rio Grande, todos negociantes, talvez a mesma
indiferença e os mesmos modos desdenhosos dos habitantes do Rio de Janeiro”.
Esses homens são, em parte, “europeus, nascidos em um meio inferior e que não
receberam educação alguma”, iniciando suas atividades como caixeiros de lojas e
acabam fazendo negócios por conta própria. Os lucros do comércio eram
consideráveis e estes negociantes não “tardam a fazer fortuna que jamais
conseguiriam em sua pátria”, chegando ao “cúmulo de comprar à Secretaria do
Estado, a Comenda da Ordem de Cristo, hoje, considerada como símbolo da riqueza
e fruto da corrupção”. O naturalista observa que fora do Rio de Janeiro ele não
vira um número tão grande de homens condecorados, “isso nada mais é do que uma
das provas da riqueza do lugar”.
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