LUCCOCK, John - NOTES ON RIO DE JANEIRO, AND THE SOUTHERN PARTS OF BRAZIL. London: Printed for Samuel Leigh, in the Strand, MDCCCXX (1820). https://www.veranunesleiloes.com.br/peca.asp?Id=5766032 |
*Capítulo do livro de Francisco das Neves Alves e Luiz Henrique Torres, "Visões do Rio Grande: a cidade sob o prisma europeu no século XIX". Rio Grande: FURG, 1995.
Luccock
A preponderância inglesa no comércio exterior para o Brasil, alcançada após a vinda de D. João VI, canalizou o interesse de muitos comerciantes ingleses. John Luccock (Yorkshire 1770 - Leeds 1826) embarcou para o Brasil em abril de 1808, trazendo consignações de produtos como tecidos de lã, cutelaria e ferragens. A forte concorrência de outros comerciantes ingleses, o levam a Buenos Aires e a Rio Grande em busca de mercado para seus produtos.
A perspectiva de negócios com os países platinos parecia boa para Luccock que veio a Rio Grande para estabelecer esses contatos. Seus correspondentes portenhos “serão David de Forest e Patrick Mac Intyre e no Rio Grande, a firma Lewis Parry & Cia será a sua representante.”[1]
Luccock permaneceu no Rio Grande do Sul durante dois meses do ano de 1809, rumando para Buenos Aires que nessa época estava agitada devido à invasão inglesa e o processo de independência das antigas colônias espanholas. Ele ingressa no mercado de venda de armas para os patriotas que lutam pela independência, porém não recebe o pagamento pela mercadoria.
Regressando à Inglaterra, em 1818, Luccock publicou em 1820 as observações colhidas durante sua permanência no Brasil e no Prata com o título de Notas sobre o Rio de Janeiro e partes Meridionais do Brasil. Para Rubens Borba de Morais o autor “não quis somente escrever uma narração de viagem, mas dar ao leitor a sua opinião imparcial sobre os usos e costumes do povo, sobre os acontecimentos políticos, sobre toda a paisagem social de um país imenso e desconhecido”.[2]
Durante os dois meses que visitou o Rio Grande do Sul, esteve em Rio Grande e Pelotas, viajando a Porto Alegre já de regresso à Corte. O resultado dessa estadia e atentas observações dos lugares por onde passou foi um livro “tão informativo, com tantas minúcias sobre a vida social da época, que tornou-se uma das fontes de consulta mais autorizadas de que se possa dispor.”[3] Ainda para Barreto, “a vida urbana e rural é retratada tão superiormente, com uma nitidez tão perfeita, com uma técnica tão avantajada e com minúcias tão sedutoras, que as tornam em conjunto a melhor imagem do Rio Grande do Sul” na primeira metade do século XIX.[4]
Historicamente, Luccock está inserido às atividades comerciais britânicas que foram implementadas após a assinatura em 28 de janeiro de 1808, por D.João VI, da Carta Régia que franqueou os portos brasileiros ao comércio estrangeiro, abrindo um novo mercado para os comerciantes ingleses[5], que instalaram centenas de firmas nas praças do Rio de Janeiro, Bahia, Pernambuco, Maranhão, Pará e até na então vila do Rio Grande de São Pedro.
As primeiras referências a Rio Grande feitas por Luccock, são descrições das dificuldades de acesso ao porto devido aos bancos de areia. Após muita ansiedade dos tripulantes e passageiros “surgiu um bote que veio ao nosso encontro, com um piloto a bordo que, por meio de sinais apropriados”, indicou a rota que o navio devia seguir. “O primeiro desses sinais é dado erguendo-se do bote uma bandeirinha, na direção que o navio deve tomar; os outros dois, abaixando completamente a bandeira”, significando que o navio deite âncora onde está. Segundo ele “quando alcançamos o bote, este não nos entregou o piloto, mas prosseguiu um pouco à frente, sondando com uma longa vara, que viravam de ponta a ponta com agilidade, à medida que avançávamos através de uma barra rasa e ampla, situada numa angra profunda e perigosa”. O acesso ao porto foi fator de apreensão ao comerciante inglês, um lugar comum aos viajantes no período anterior a construção dos molhes da barra na década de 1910. Luccock descreve a chegada à barra do Rio Grande como se penetrassem em um rio com uma longa ponta baixa e arenosa, “para leste, por uma passagem de cerca de meia milha de largura,guardada por um punhado de míseras construções denominadas de Fortes e Baterias”. Para dentro dessa passagem, ficam os navios que “acabam de receber seus fretes e se acham prontos para seguir viagem, à espera de uma profundidade d'água suficiente sobre a barra”.
Luccock, relatando a chegada pela barra, escreve sobre a sua impaciência a bordo do navio “induzindo-me a trepar ao mastro, na esperança de avistar algo para além daquele deserto chato, temível e desolado que se apresentava diretamente à nossa vista”. Para leste, somente areiões soltos eram visíveis; mais além, “uma ampla linha d'água, a Baía da Mangueira” e ainda mais longe “a pequenina e linda cidadezinha branca de São Pedro do Sul, mais comumente chamada de Rio Grande”. Luccock afirma que a igreja, que o povo exaltava com o nome de catedral elevava-se no centro das edificações, formando o principal acidente do panorama. Vários navios ancorados, inclusive uma escuna de bandeira inglesa, indicavam “sinais de comércio que animaram nossos espíritos”.
O ancoradouro do navio ficava “rente à aldeia de São Pedro do Norte” e a três milhas da “cidade principal, já que os bancos de areia não permitiram uma maior proximidade. Da entrada do rio até o ancoradouro, por uma extensão de nove milhas predominam as mesmas obstruções, deixando apenas um canal estreito e intrincado com água escassamente suficiente para um brique bem carregado”. O Saco da Mangueira é comparado a uma grande enseada a que ainda chamam de Baía da Mangueira, apesar de que poucas dessas árvores restam nos pântanos circunvizinhos. Nesta Baía peixes de “todas as qualidades de tal maneira abundam que, ao atravessarmos em hora tardia, grande número deles se atirava por sobre a canoa em todas as direções e alguns caíram dentro dela”. A Ilha dos Marinheiros chama a atenção de Luccock que a relaciona a uma pequena enseada onde se encontram “alguns dos terrenos mais altos e dos sítios melhor cultivados de toda a vizinhança”, sendo célebre pela sua produção de cebolas e de sua reservas de água potável que basicamente abastecem Rio Grande.
O passeio matinal favorito de Luccock enquanto esteve na Vila do Rio Grande, foi o de visitar as ruínas de um Forte (Nossa Senhora da Conceição do Estreito) situado “no cume do morro mais elevado de perto do lugar; dali, apesar de que a altitude efetiva da posição é pequena, abraça-se uma ampla vista do rio e de uma região bravia e desolado, em quase todos os setores”. Quando o vento sopra com força do sudeste, “traz consigo tanta areia, que revoluteia do alto das dunas feito a fumaça de um vulcão, que os olhos dificilmente se atrevem a olhar na sua direção”. Ficando de costas ao vento, “vê-se a areia que avança como uma tempestade de neve; uma parte dela, interceptada pela cidade, amontoa-se de encontro às casas, alcançando e derruindo por vezes seus telhados”.
Ao desembarcar, ele foi conduzido por um sentinela até a presença do Governador Dom Diogo de Souza, que após examinar o passaporte “e sabido que eu era estrangeiro, despachou uma praça para o coronel D'Elbeux, fidalgo que servira na nossa armada, pedindo-lhe que me apresentasse aos meus conterrâneos e a outras pessoas cujas relações pudessem ser-me agradáveis”. Como o desembaraço do navio foi rápido pois “ele vinha consignado a uma casa inglesa já estabelecida”, ele pode sair a passeio acompanhado de outro estrangeiro para visitar a cidade. O fato de nenhum soldado escoltá-los pelas ruas, “convenceu-me de que o povo não possuía nenhuma prevenção violenta contra a nossa nação”.
[1] BARRETO, Abeillard. Bibliografia
Sul-Riograndense: a contribuição portuguesa e estrangeira para o conhecimento e
a integração do Rio Grande do Sul. Rio de Janeiro: Conselho Federal de
Cultura, volume II, 1976, p. 789.
[2] MORAIS, Rubens de Borba In: LUCCOCK, John. Notas
sobre o Rio de Janeiro e partes meridionais do Brasil. Belo
Horizonte: Ed. Itatiaia; São Paulo, Ed. da Universidade de São Paulo, 1975,
p.XIII.
[4] BARRETO, Abeillard. Viajantes estrangeiros no
Rio Grande do Sul até 1900 In: Fundamentos da Cultura Rio-grandense. Porto
Alegre: Faculdade de Filosofia da Universidade do Rio Grande do Sul, 5ª série,
1962, p.41.
[5] "A preeminência da Grã-Bretanha nos mercados,
nos investimentos e na navegação brasileira era já um fato consumado, quando a
colônia se tornou um império independente. A posição favorecida no território
português durante os tempos coloniais; a bem sucedida transferência dos
privilégios históricos desfrutados no continente europeu para a possessão
sul-americana, quando a sede da monarquia foi transferida para o Rio de
Janeiro; o período de participação monopolista no comércio brasileiro, enquanto
a Europa estava em guerra; a grande vantagem resultante da taxa de importação
de quinze por cento, contra os vinte e quatro por cento cobrados às outras
potências estrangeiras; a penetração econômica, levada avante sob
circunstâncias favoráveis entre 1808 e 1825; e a consolidação final dessas
vantagens no jovem império, pelo tratado de 1827, tudo contribuiu para
assegurar à Grã-Bretanha a posição favorecida na vida econômica
brasileira". MANCHESTER, Alan K. Preeminência Inglesa no Brasil.
São Paulo: Brasiliense, 1973, p. 265.
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