*Capítulo do livro de Francisco das
Neves Alves e Luiz Henrique Torres, "Visões do Rio Grande: a cidade sob o
prisma europeu no século XIX". Rio Grande: FURG, 1995.
Hörmeyer
Joseph Hörmeyer
nasceu na cidade de St. Polten (Áustria) em 1824 e faleceu em Viena no ano de
1873. Chegou ao Rio Grande do Sul em 1851 na condição de capitão de infantaria
“contratado pelo governo imperial para integrar as tropas luso-brasileiras na
campanha contra Rosas”.[1]
Publicou em 1854 um livro sobre as potencialidades da Província do Rio Grande
do Sul para a colonização européia.[2] Para Carlos Reverbel, o livro deve ser
incluído na estante dos forasteiros que contribuíram para o conhecimento
do Rio Grande do Sul do século XIX.[3]
O autor engajou-se à divulgação de propaganda
do Brasil na Europa, montando um quadro positivo da emigração de agricultores
através da caracterização das colônias fundadas no Rio Grande do Sul. O editor
do livro, Michael Kröff, explica que Hörmeyer realizou uma exposição exata da
situação da Província devido “a mesma pertencer àquelas regiões do Brasil que,
tanto pelo seu clima ameno tão próprio à saúde, como pelas favoráveis condições
de colonização e comunicação, conviriam muito particularmente ao emigrante
alemão, abrindo-lhe um campo de mais lucrativa atividade”.[4]
Os tópicos gerais desenvolvidos no livro são: panorama geográfico da província
de São Pedro do Rio Grande do Sul, clima, produtos naturais, população,
colonização, guia para emigrantes, relação de leis e documentos de interesse
para a colonização.
Na introdução do
livro, Hörmeyer afirma que a alavanca da emigração é à busca de liberdade e
lucro e que sua intenção foi descrever uma região por ele conhecida, com o
objetivo de oferecer aos emigrantes alemães uma alternativa colonizatória.
Somente as províncias meridionais podem ser aconselhadas ao emigrante
alemão. Situadas ao sul do trópico, pertencentes à zona temperada, como os
países do sul e central da Europa, “com vias fluviais e portos, com um clima
mais ameno e abençoadas em exagero com imensa fertilidade” essas regiões
oferecem, com uma generosidade desconhecida na história de outros países “a mão
aos emigrantes e, enquanto permitir a imperfeição humana, o gozo da maior
liberdade junto com a certeza de um lucro seguro e abundante”. O autor se propõe a “refutar as grosseiras e
até mais que grosseiras calúnias que cursam a respeito”[5]
da emigração alemã para o Brasil enquanto propaganda enganosa. Neste sentido,
Hörmeyer engajou-se ao esforço colonizatório promovido pelo Império Brasileiro
na segunda metade do século XIX e às denúncias vinculadas na Prússia de que a
colonização para o Brasil era uma escravidão disfarçada, devido ao regime de
parcerias nas lavouras de São Paulo.[6]
Se o objetivo do
autor é o de apontar as possibilidades de povoamento da região dos Vales dos
rios Jacuí, Sinos, Caí e Taquarí pelos colonos alemães, ele realiza um
levantamento global das potencialidades da Província para viabilização do
projeto colonizatório. Nesse sentido, insere-se Rio Grande e outras cidades de
formação luso-brasileira.
Descrevendo os rios da Província, aparecem
referências a cidades localizadas em suas margens. Conforme Hörmeyer, Rio
Grande está situada na ponta de uma península, no meio das areias, sendo de
construção bastante bonita e podendo ter entre 12 a 14.000 habitantes. Quase
toda a população estava ocupada com o comércio que estava em expansão, porém,
as atividades mercantis poderiam decais com a recuperação de Montevidéu.
Naquele período, muitas vezes havia 100 até 200 navios de vários tamanhos no
porto.
Em relação à segurança militar ele deixou o
seguinte relato:
Rio Grande é muito
fortificada, isto é, tem um número de fortes totalmente imprestáveis na costa
e, contra o lado da terra, uma trincheira que corta a península em toda sua
largura e serve muito bem como defesa contra as areias movediças. Menos, porém,
contra um inimigo presuntivo, pois esse pode cavalgar, em toda a carreira, por
cima da trincheira, até mesmo sem suspeitar que, neste lugar, haja uma valada.
A areia amontoada pelo vento cobre, em muitos lugares, ambos os lados da
barreira. Em Rio Grande está aquartelado, de momento, o Segundo Regimento de
Artilharia a cavalo, a saber, as quatro baterias alemãs alistadas em Hamburgo.
Zombateiramente podem ser chamadas de artilharia montada, visto que mal tem
canhões, para não falar de que não tem animais de tração nem cavalos para
montar. O corpo que, inicialmente, tinha um efetivo de 700 homens, conta, como
dizem, atualmente (fins de setembro de 1852) apenas 300; os outros desertaram
em grupos de 20 a 30 homens, não sendo tampouco perseguidos pelas autoridades
por se realizar, de maneira barata, a dissolução do corpo a qual por todos os
lados é desejada.[7]
Além desses
comentários sobre a situação militar na cidade, Hörmeyer deu especial atenção à
barra do Rio Grande que é considerado por ele como o lugar mais perigoso para
navegação. “Como o rio carrega consigo uma imensa quantidade de areia, sendo
toda a terra em redor coberta por areias movediças, naturalmente também a barra
é obstruída por areia e apenas um canal estreito e não muito fundo, que além disso
sempre muda, permite que as massas de água se lancem no oceano”. O deslocamento
da entrada, a variação na profundidade e o movimento da areia, “causam o
freqüente naufrágio de navios”. O autor chama, erroneamente, de Rio Grande, o
volume de água que nasce no Rio Jaguarão, percorre a Lagoa Mirim, canal de São
Gonçalo, Lagoa dos Patos e porto e baía do Rio Grande até lançar-se no oceano.[8]
Junto à desembocadura do Rio Grande no oceano localizava-se a Barra, um
complexo de casas com no máximo 100 moradores e dois faróis dos quais apenas
um, concluído em dezembro de 1851, está em funcionamento. Esse farol “é uma
construção de ferro, delgada e bonita, de cerca de 90' de altura, provido de um
fogo rotativo, alternadamente crescente e decrescente” construído por um
engenheiro inglês. Ainda na Barra, fica ancorado um rebocador para
“diante da periculosidade da passagem, orientar a entrada dos navios que
chegam. Do farol mais antigo é sinalizado aos navios o nível momentâneo das
águas”".[9]
Aspectos da vida
cultural e intelectual são apontados ao descrever genericamente a população das
cidades luso-brasileiras. O trabalho de
empregada doméstica, cavalariços, carregador de água ou bagagem, não eram
feitos por homens livres por estarem associados à função de escravos. “O
costume do país proíbe às mulheres brasileiras a se mostrar na rua sem
acompanhante, assim como aos homens a carregar qualquer pacote, mesmo um livro,
na rua”. Nas cidades menores da Província esse costume ainda vigorava enquanto
em Rio Grande e Porto Alegre começa a vingar uma vida metropolitana, européia.
A educação formal é precária devido à “falta de bons institutos de ensino, não
pode ampliar em muito sua formação e, se a menina souber bordar algo, dedilhar
um pouco no piano ou até cantar, ela deve ser considerada como formada,
mesmo que não tenha feito grande progresso no escrever”. Ensina-se francês e
inglês em Porto Alegre e Rio Grande “mas, por Deus! pouquíssima gente aprende
algo”.[10]
Comentários são
feitos sobre o homem campeiro, o homem urbano, a escravidão negra e a
substituição pelo trabalho familiar de pequenos proprietários alemães. O livro
avança para seu principal objetivo que é o de ser um guia para imigrantes. O
oficial de infantaria da Legião Alemã[11]
Joseph Hörmeyer expôs positivamente seu projeto de colonização alemã no Rio
Grande do Sul, caracterizando o atraso que vivia a Província relacionando com a
escravidão, a covardia e crueldade dos bugres que atacavam os colonos, os quais
eram os emissários da marcha do progresso. Em relação ao Rio Grande, apenas
ficaram esses comentários gerais ligados à porta de entrada na Província e os
perigos de naufrágios. O projeto colonizatório do centro e norte e a
caracterização da população provincial, enquanto síntese entre o campeiro e o
urbano, são os objetivos centrais perseguidos pelo autor.
[1] REVERBEL, Carlos (apresentação) IN: HÖRMEYER,
Joseph. O Rio Grande do Sul de 1850: descrição da Província do Rio Grande do
Sul no Brasil meridional. Porto Alegre, D.C. Luzzato, Ed.: EDUNI-SUL, 1986,
p. 9. A tradução do livro é de Heinrich A.W. Bunse.
[2] O título original do livro é Beschreibung
der Provinz Rio Grande do Sul in Südbrasilien mit besonderer Ruecksicht auf
deren Kolonisation. Von Joseph Hörmeyer.
Herausgegeben von Michael Kroeff, Selbst-Verlag der Herausgeber, Coblentz,
Hildebrandt'sche Buchdruckerei, 1854.
[3]
"Com a Descrição da Província do Rio Grande do Sul no Brasil
Meridional, Joseph Hörmeyer bem merece figurar na ilustre companhia
daqueles cronistas do passado rio-grandense. O seu livro, além de revelar o
interesse do autor pelo progresso da terra que adotara, desfazendo intrigas que
se propalavam na Europa contra a emigração alemã para o Rio Grande do Sul,
apresenta uma visão pessoal e, não raro, das mais agudas e compreensivas, sobre
as potencialidades e peculiaridades rio-grandenses, visualizando-as e
descrevendo-as com simpatia e, muitas vezes, com originalidade e graça. Entre
outras passagens marcantes, as observações do autor sobre o campeiro
rio-grandense podem figurar, com expressividade e vigor, em qualquer
antologia sobre o tipo social do gaúcho". REVERBEL,
C. In: HÖRMEYER. p. 10.
[5] HÖRMEYER. p. 15-16.
[6] Ver BARRETO, Abeillard. Bibliografia Sul-RioGrandense: a contribuição
portuguesa e estrangeira para o conhecimento e a integração do Rio Grande do
Sul. Rio de Janeiro, Conselho
Federal de Cultura, vol. I, p. 655-658.
[7] HÖRMEYER. p. 37.
[8] "O Rio Grande é, devido a seus bancos de
areia, perigoso para a navegação e embora, com nível alto das águas, navios de
400 toneladas possam chegar a Rio Grande e navios de 100 toneladas a Pelotas,
sendo até a lagoa Mirim navegada por pequenos navios do mar; o rio apresenta,
em especial na desembocadura na lagoa dos Patos, assim como na sua saída da
lagoa Mirim, com nível baixo das águas, muitas vezes mal uns 2 1/2' de
profundidade". In: HÖRMEYER. p. 32-33.
[9] HÖRMEYER. p. 36.
[10] HÖRMEYER. p. 66-67.
[11] "No ano de 1850, o Governo Imperial do
Brasil recrutou, diante da ameaça à integridade de sua fronteira meridional,
legionários alemães, em sua maior parte veteranos da guerra de
Scheleswig-Holstein com a Dinamarca (1848-1850); mas havia também gente
envolvida na revolução de 1848 e aventureiros. Formou-se assim a Legião Alemã,
também chamada de Batalhão Alemão, cujo contrato previa o serviço de quatro
anos. A partir de 7 de abril de 1851 embarcaram em Hamburgo 1770 legionários
para o Brasil. A legião era composta de um batalhão de infantaria, quatro
baterias de artilharia e duas companhias de sapadores. A Quinta e Sexta
companhias do batalhão e a Primeira bateria de artilharia montada ficaram no
Rio de Janeiro, seguindo para o Rio Grande do Sul quatro companhias, das quais
a Segunda tinha como comandante o capitão Hörmeyer, autor deste livro, e a
Segunda bateria de artilharia montada. Mas desde a sua chegada ao Rio de
Janeiro, a Legião alemã - foi atacada também, sem dó nem piedade, pela imprensa
brasileira da oposição. Agravou-se a situação ainda com as lutas internas da
Legião, fato que levou muitos soldados a desertar. Do efetivo da Legião
entraram em combate, na guerra contra Rosas e seu aliado Oribe apenas 80
soldados da infantaria e as duas companhias de sapadores que foram dissolvidas
e integradas na infantaria brasileira. Após a batalha decisiva de Monte Caseros
(3 de fevereiro de 1852), os legionários foram distribuídos por várias
guarnições no Rio Grande do Sul. Dissolvido o Corpo, alguns voltaram para a
Alemanha; a maior parte, porém, radicou-se no Rio Grande do Sul. São chamados
de brummer ". Nota de BUNSE, Heinrich. In:
HÖRMEYER. p. 37-38.
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