Porto do Rio Grande em 1908

Porto do Rio Grande em 1908

terça-feira, 26 de novembro de 2019

VISÕES DO RIO GRANDE - HÖRMEYER


*Capítulo do livro de Francisco das Neves Alves e Luiz Henrique Torres, "Visões do Rio Grande: a cidade sob o prisma europeu no século XIX". Rio Grande: FURG, 1995. 


Hörmeyer

Joseph Hörmeyer nasceu na cidade de St. Polten (Áustria) em 1824 e faleceu em Viena no ano de 1873. Chegou ao Rio Grande do Sul em 1851 na condição de capitão de infantaria “contratado pelo governo imperial para integrar as tropas luso-brasileiras na campanha contra Rosas”.[1] Publicou em 1854 um livro sobre as potencialidades da Província do Rio Grande do Sul para a colonização européia.[2]  Para Carlos Reverbel, o livro deve ser incluído na estante dos forasteiros que contribuíram para o conhecimento do Rio Grande do Sul do século XIX.[3]
 O autor engajou-se à divulgação de propaganda do Brasil na Europa, montando um quadro positivo da emigração de agricultores através da caracterização das colônias fundadas no Rio Grande do Sul. O editor do livro, Michael Kröff, explica que Hörmeyer realizou uma exposição exata da situação da Província devido “a mesma pertencer àquelas regiões do Brasil que, tanto pelo seu clima ameno tão próprio à saúde, como pelas favoráveis condições de colonização e comunicação, conviriam muito particularmente ao emigrante alemão, abrindo-lhe um campo de mais lucrativa atividade”.[4] Os tópicos gerais desenvolvidos no livro são: panorama geográfico da província de São Pedro do Rio Grande do Sul, clima, produtos naturais, população, colonização, guia para emigrantes, relação de leis e documentos de interesse para a colonização.
Na introdução do livro, Hörmeyer afirma que a alavanca da emigração é à busca de liberdade e lucro e que sua intenção foi descrever uma região por ele conhecida, com o objetivo de oferecer aos emigrantes alemães uma alternativa colonizatória. Somente as províncias meridionais podem ser aconselhadas ao emigrante alemão. Situadas ao sul do trópico, pertencentes à zona temperada, como os países do sul e central da Europa, “com vias fluviais e portos, com um clima mais ameno e abençoadas em exagero com imensa fertilidade” essas regiões oferecem, com uma generosidade desconhecida na história de outros países “a mão aos emigrantes e, enquanto permitir a imperfeição humana, o gozo da maior liberdade junto com a certeza de um lucro seguro e abundante”.  O autor se propõe a “refutar as grosseiras e até mais que grosseiras calúnias que cursam a respeito”[5] da emigração alemã para o Brasil enquanto propaganda enganosa. Neste sentido, Hörmeyer engajou-se ao esforço colonizatório promovido pelo Império Brasileiro na segunda metade do século XIX e às denúncias vinculadas na Prússia de que a colonização para o Brasil era uma escravidão disfarçada, devido ao regime de parcerias nas lavouras de São Paulo.[6]
Se o objetivo do autor é o de apontar as possibilidades de povoamento da região dos Vales dos rios Jacuí, Sinos, Caí e Taquarí pelos colonos alemães, ele realiza um levantamento global das potencialidades da Província para viabilização do projeto colonizatório. Nesse sentido, insere-se Rio Grande e outras cidades de formação luso-brasileira.
       Descrevendo os rios da Província, aparecem referências a cidades localizadas em suas margens. Conforme Hörmeyer, Rio Grande está situada na ponta de uma península, no meio das areias, sendo de construção bastante bonita e podendo ter entre 12 a 14.000 habitantes. Quase toda a população estava ocupada com o comércio que estava em expansão, porém, as atividades mercantis poderiam decais com a recuperação de Montevidéu. Naquele período, muitas vezes havia 100 até 200 navios de vários tamanhos no porto.
         Em relação à segurança militar ele deixou o seguinte relato:
Rio Grande é muito fortificada, isto é, tem um número de fortes totalmente imprestáveis na costa e, contra o lado da terra, uma trincheira que corta a península em toda sua largura e serve muito bem como defesa contra as areias movediças. Menos, porém, contra um inimigo presuntivo, pois esse pode cavalgar, em toda a carreira, por cima da trincheira, até mesmo sem suspeitar que, neste lugar, haja uma valada. A areia amontoada pelo vento cobre, em muitos lugares, ambos os lados da barreira. Em Rio Grande está aquartelado, de momento, o Segundo Regimento de Artilharia a cavalo, a saber, as quatro baterias alemãs alistadas em Hamburgo. Zombateiramente podem ser chamadas de artilharia montada, visto que mal tem canhões, para não falar de que não tem animais de tração nem cavalos para montar. O corpo que, inicialmente, tinha um efetivo de 700 homens, conta, como dizem, atualmente (fins de setembro de 1852) apenas 300; os outros desertaram em grupos de 20 a 30 homens, não sendo tampouco perseguidos pelas autoridades por se realizar, de maneira barata, a dissolução do corpo a qual por todos os lados é desejada.[7]

Além desses comentários sobre a situação militar na cidade, Hörmeyer deu especial atenção à barra do Rio Grande que é considerado por ele como o lugar mais perigoso para navegação. “Como o rio carrega consigo uma imensa quantidade de areia, sendo toda a terra em redor coberta por areias movediças, naturalmente também a barra é obstruída por areia e apenas um canal estreito e não muito fundo, que além disso sempre muda, permite que as massas de água se lancem no oceano”. O deslocamento da entrada, a variação na profundidade e o movimento da areia, “causam o freqüente naufrágio de navios”. O autor chama, erroneamente, de Rio Grande, o volume de água que nasce no Rio Jaguarão, percorre a Lagoa Mirim, canal de São Gonçalo, Lagoa dos Patos e porto e baía do Rio Grande até lançar-se no oceano.[8] Junto à desembocadura do Rio Grande no oceano localizava-se a Barra, um complexo de casas com no máximo 100 moradores e dois faróis dos quais apenas um, concluído em dezembro de 1851, está em funcionamento. Esse farol “é uma construção de ferro, delgada e bonita, de cerca de 90' de altura, provido de um fogo rotativo, alternadamente crescente e decrescente” construído por um engenheiro inglês. Ainda na Barra, fica ancorado um rebocador para “diante da periculosidade da passagem, orientar a entrada dos navios que chegam. Do farol mais antigo é sinalizado aos navios o nível momentâneo das águas”".[9]
Aspectos da vida cultural e intelectual são apontados ao descrever genericamente a população das cidades luso-brasileiras.  O trabalho de empregada doméstica, cavalariços, carregador de água ou bagagem, não eram feitos por homens livres por estarem associados à função de escravos. “O costume do país proíbe às mulheres brasileiras a se mostrar na rua sem acompanhante, assim como aos homens a carregar qualquer pacote, mesmo um livro, na rua”. Nas cidades menores da Província esse costume ainda vigorava enquanto em Rio Grande e Porto Alegre começa a vingar uma vida metropolitana, européia. A educação formal é precária devido à “falta de bons institutos de ensino, não pode ampliar em muito sua formação e, se a menina souber bordar algo, dedilhar um pouco no piano ou até cantar, ela deve ser considerada como formada, mesmo que não tenha feito grande progresso no escrever”. Ensina-se francês e inglês em Porto Alegre e Rio Grande “mas, por Deus! pouquíssima gente aprende algo”.[10]
Comentários são feitos sobre o homem campeiro, o homem urbano, a escravidão negra e a substituição pelo trabalho familiar de pequenos proprietários alemães. O livro avança para seu principal objetivo que é o de ser um guia para imigrantes. O oficial de infantaria da Legião Alemã[11] Joseph Hörmeyer expôs positivamente seu projeto de colonização alemã no Rio Grande do Sul, caracterizando o atraso que vivia a Província relacionando com a escravidão, a covardia e crueldade dos bugres que atacavam os colonos, os quais eram os emissários da marcha do progresso. Em relação ao Rio Grande, apenas ficaram esses comentários gerais ligados à porta de entrada na Província e os perigos de naufrágios. O projeto colonizatório do centro e norte e a caracterização da população provincial, enquanto síntese entre o campeiro e o urbano, são os objetivos centrais perseguidos pelo autor.


[1] REVERBEL, Carlos (apresentação) IN: HÖRMEYER, Joseph. O Rio Grande do Sul de 1850: descrição da Província do Rio Grande do Sul no Brasil meridional. Porto Alegre, D.C. Luzzato, Ed.: EDUNI-SUL, 1986, p. 9. A tradução do livro é de Heinrich A.W. Bunse.
[2] O título original do livro é Beschreibung der Provinz Rio Grande do Sul in Südbrasilien mit besonderer Ruecksicht auf deren Kolonisation. Von Joseph Hörmeyer. Herausgegeben von Michael Kroeff, Selbst-Verlag der Herausgeber, Coblentz, Hildebrandt'sche Buchdruckerei, 1854.
[3]  "Com a Descrição da Província do Rio Grande do Sul no Brasil Meridional, Joseph Hörmeyer bem merece figurar na ilustre companhia daqueles cronistas do passado rio-grandense. O seu livro, além de revelar o interesse do autor pelo progresso da terra que adotara, desfazendo intrigas que se propalavam na Europa contra a emigração alemã para o Rio Grande do Sul, apresenta uma visão pessoal e, não raro, das mais agudas e compreensivas, sobre as potencialidades e peculiaridades rio-grandenses, visualizando-as e descrevendo-as com simpatia e, muitas vezes, com originalidade e graça. Entre outras passagens marcantes, as observações do autor sobre o campeiro rio-grandense podem figurar, com expressividade e vigor, em qualquer antologia sobre o tipo social do gaúcho". REVERBEL, C. In: HÖRMEYER.  p. 10.
[4] KRÖFF, Michael  In: HÖRMEYER.  p. 13.
[5] HÖRMEYER. p. 15-16.
[6] Ver BARRETO, Abeillard. Bibliografia Sul-RioGrandense: a contribuição portuguesa e estrangeira para o conhecimento e a integração do Rio Grande do Sul. Rio de Janeiro, Conselho Federal de Cultura, vol. I,  p. 655-658.
[7] HÖRMEYER. p. 37.
[8] "O Rio Grande é, devido a seus bancos de areia, perigoso para a navegação e embora, com nível alto das águas, navios de 400 toneladas possam chegar a Rio Grande e navios de 100 toneladas a Pelotas, sendo até a lagoa Mirim navegada por pequenos navios do mar; o rio apresenta, em especial na desembocadura na lagoa dos Patos, assim como na sua saída da lagoa Mirim, com nível baixo das águas, muitas vezes mal uns 2 1/2' de profundidade". In: HÖRMEYER. p. 32-33.
[9] HÖRMEYER. p. 36.
[10] HÖRMEYER. p. 66-67.
[11] "No ano de 1850, o Governo Imperial do Brasil recrutou, diante da ameaça à integridade de sua fronteira meridional, legionários alemães, em sua maior parte veteranos da guerra de Scheleswig-Holstein com a Dinamarca (1848-1850); mas havia também gente envolvida na revolução de 1848 e aventureiros. Formou-se assim a Legião Alemã, também chamada de Batalhão Alemão, cujo contrato previa o serviço de quatro anos. A partir de 7 de abril de 1851 embarcaram em Hamburgo 1770 legionários para o Brasil. A legião era composta de um batalhão de infantaria, quatro baterias de artilharia e duas companhias de sapadores. A Quinta e Sexta companhias do batalhão e a Primeira bateria de artilharia montada ficaram no Rio de Janeiro, seguindo para o Rio Grande do Sul quatro companhias, das quais a Segunda tinha como comandante o capitão Hörmeyer, autor deste livro, e a Segunda bateria de artilharia montada. Mas desde a sua chegada ao Rio de Janeiro, a Legião alemã - foi atacada também, sem dó nem piedade, pela imprensa brasileira da oposição. Agravou-se a situação ainda com as lutas internas da Legião, fato que levou muitos soldados a desertar. Do efetivo da Legião entraram em combate, na guerra contra Rosas e seu aliado Oribe apenas 80 soldados da infantaria e as duas companhias de sapadores que foram dissolvidas e integradas na infantaria brasileira. Após a batalha decisiva de Monte Caseros (3 de fevereiro de 1852), os legionários foram distribuídos por várias guarnições no Rio Grande do Sul. Dissolvido o Corpo, alguns voltaram para a Alemanha; a maior parte, porém, radicou-se no Rio Grande do Sul. São chamados de brummer ". Nota de BUNSE, Heinrich. In: HÖRMEYER. p. 37-38.

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