Porto do Rio Grande em 1908

Porto do Rio Grande em 1908

quarta-feira, 27 de novembro de 2019

VISÕES DO RIO GRANDE - DREYS I


*Capítulo do livro de Francisco das Neves Alves e Luiz Henrique Torres, "Visões do Rio Grande: a cidade sob o prisma europeu no século XIX". Rio Grande: FURG, 1995. 

 
Nicolau Dreys e a edição de 1990.
Dreys
         O francês Nicolau Dreys (1781-1843) permaneceu dez anos no Rio Grande do Sul, aproximadamente entre 1818 e 1828, estando boa parte desse tempo na Vila do Rio Grande. Emigrado político, serviu no seu país natal como militar e funcionário público, mas, em 1815 a denominada Santa Aliança provocou o exílio dos bonapartistas que procuraram abrigo em outros países[1], caso de Dreys, que veio para o Brasil, com a família, em 1817, ficando pouco tempo no Rio de Janeiro, deslocando-se para o Rio Grande do Sul. A sua formação como militar facilitou o ingresso nas forças rio-grandenses que combatiam as tropas de Artigas na fronteira com o Uruguai[2], entretanto, já nas terras meridionais, se dedicaria mais às lides comerciais. Ao sair da Província, viajou para Santa Catarina e São Paulo, onde residiu, em Iguape, entre 1829 e 1837, ano no qual se estabeleceu no Rio de Janeiro, onde viria a falecer  em janeiro de 1843.
         Foi no Rio de Janeiro que Dreys publicou a sua Notícia Descritiva da Província de São Pedro do Sul, em 1839, considerada pelo próprio autor como um excerto de uma obra bem maior, que descrevia suas observações elaboradas durante a sua longa estada no Brasil Meridional e que ficara inédita devido aos altos custos tipográficos naquela cidade. Também não foram publicados os desenhos das cidades do Rio Grande, Pelotas e Porto Alegre, que acompanhariam a obra, por terem sido extraviados na oficina litográfica responsável pelo trabalho. Mesmo assim, esses escritos são de considerável importância, traçando um quadro descritivo, rico em informações sobre o Rio Grande do Sul à época da formação do Estado Nacional Brasileiro e da fermentação revolucionária que resultaria na Guerra Civil de 1835.
         Nicolau Dreys dividiu sua oba em três capítulos: no primeiro – Topografia Física – abordou as montanhas, a hidrografia, a geografia, a história natural e a meteorologia (agricultura, mineralogia, vegetação, ornitologia, ictiologia e zoologia); no segundo – Topografia Política – descreveu as localidades de Porto Alegre, Rio Pardo, Missões, Piratini, São Pedro, Pelotas, São José do Norte, Estreito, Mostardas, Viamão, Nossa Senhora da Serra, Nossa Senhora dos Anjos da Aldeia, Santo Antonio da Patrulha, São Leopoldo, Triunfo, Santo Amaro, Cachoeira, Encruzilhada, Caçapava, Santa Maria, Alegrete, Bagé, Cerrito, Santa Vitória e Vacaria, também destacando a indústria, o comércio e a navegação; e, no terceiro capítulo – Da população – tratou de diversos elementos constitutivos concernentes à sociedade provincial.
         É o próprio autor quem apresenta obra, destacando sua admiração pela terra rio-grandense e o desejo de ver logo sanados os seus conflitos internos ligados ao contexto da Revolução Farroupilha, negando-se, inclusive, a tratar ou tomar posição diante dos mesmos. Afirmava ele que o autor escrevera como testemunha ocular, uma vez que, dez anos de residência na província lhe teriam facultado bastante proporções para estudar essa bela região que deixa um sentimento de predileção tão vivo, tão perseverante no coração dos homens que a viram. Destacava ainda que, fiel à sua epígrafe, limitar-se-ia a fazer votos para que a possibilidade de persuadir dispensasse a necessidade de combater, manifestando-se como feliz, pela esperança de ver ainda florescerem à sombra da paz esses campos amados do céu, que durante os mais belos anos de sua vida, nunca deixara sem saudade, nem tornaria a ver sem prazer[3].
         Ao abordar a então Vila do Rio Grande, denominando-a de Cidade de São Pedro, o autor destacava a desgraçada posição dessa vila patronímica, geralmente conhecida pelo nome genérico de Rio Grande[4]. Dreys fazia referência às areias como um grande mal que circundava a localidade. Descrevia o francês que as areias tinham um movimento contínuo, o qual modificava o horizonte urbano com mobilidade extraordinária, segundo o vento reinante, de modo que tanto no Rio Grande, como em São José do Norte, uma porção de casas foram soterradas e, naquela “nova Pompéia”, só se reconhecia o lugar das habitações sepultadas pelos galhos secos de algumas árvores de seus antigos quintais, aparecendo ainda na superfície da massa usurpadora[5].
         Dreys relatava os comentários de que a culpa pelo avanço das areias devia-se ao período da invasão espanhola (1763-1776), pois seria a planície em que estava edificada a cidade, a princípio, agradável, rica de vegetação e coberta de árvores, entretanto, a situação mudara com a chegada dos hispânicos, acompanhados de tantos animais, e tanto tempo os conservaram no território para o serviço da tropa, que na retirada dela, a vegetação circunvizinha se achava completamente arruinada. Desse modo, permanecia explicando o francês, depois dessa grande dilapidação, as areias arrebatadas pelos ventos, não achando mais obstáculos, progrediram em suas constantes irrupções até chegarem ao centro da cidade e sepultarem uma parte dela[6].
         Nesse quadro, Nicolau Dreys considerava que apesar da sua desgraçada posição, a povoação do Rio Grande consistia uma vitória do homem sobre o ambiente natural, pois, no meio das areias estéreis que a circundam e invadem continuamente, ela se apresenta como uma criação excepcional da política e do comércio, já que, indiferente e como estrangeira ao território que ocupa, não deve nada senão ao caráter ativo, industrioso e empreendedor dos habitantes. Sobre o tema, arrematava o autor, afirmando que no Rio Grande, o homem pode mais que a natureza, tendo em vista que, onde achou impotência e miséria, ele fez nascer prosperidade, de maneira que a cidade de S. Pedro, com suas casas suntuosas, seus ricos armazéns, seus cais regulares e seu Porto retificado, poderia concorrer com as mais notáveis cidades da América do Sul.


[1] FLORES, Moacyr. Introdução. In: DREYS, Nicolau. Notícia descritiva da Província do Rio Grande do Sul. 4.ed. Porto Alegre: Nova Dimensão/EDIPUCRS, 1990. p. 9.
[2] BARRETO, Abeillard. Bibliografia sul-rio-grandense: a contribuição portuguesa e estrangeira para o conhecimento e a integração do Rio Grande do Sul. Rio de Janeiro: Conselho Federal de Cultura, 1973. v. 1. p. 453.
[3] DREYS. p. 11 e 13.
[4] DREYS. p. 77.
[5] DREYS. p. 46.
[6] DREYS. p. 47.

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