*Capítulo do livro de Francisco das Neves Alves e Luiz
Henrique Torres, "Visões do Rio Grande: a cidade sob o prisma europeu no
século XIX". Rio Grande: FURG, 1995.
Dreys
O francês Nicolau Dreys (1781-1843)
permaneceu dez anos no Rio Grande do Sul, aproximadamente entre 1818 e 1828,
estando boa parte desse tempo na Vila do Rio Grande. Emigrado político, serviu
no seu país natal como militar e funcionário público, mas, em 1815 a denominada Santa
Aliança provocou o exílio dos bonapartistas que procuraram abrigo em outros
países[1],
caso de Dreys, que veio para o Brasil, com a família, em 1817, ficando pouco
tempo no Rio de Janeiro, deslocando-se para o Rio Grande do Sul. A sua formação
como militar facilitou o ingresso nas forças rio-grandenses que combatiam as
tropas de Artigas na fronteira com o Uruguai[2],
entretanto, já nas terras meridionais, se dedicaria mais às lides comerciais.
Ao sair da Província, viajou para Santa Catarina e São Paulo, onde residiu, em
Iguape, entre 1829 e 1837, ano no qual se estabeleceu no Rio de Janeiro, onde
viria a falecer em janeiro de 1843.
Foi no Rio de Janeiro que Dreys
publicou a sua Notícia Descritiva da
Província de São Pedro do Sul, em 1839, considerada pelo próprio autor como
um excerto de uma obra bem maior, que descrevia suas observações elaboradas
durante a sua longa estada no Brasil Meridional e que ficara inédita devido aos
altos custos tipográficos naquela cidade. Também não foram publicados os
desenhos das cidades do Rio Grande, Pelotas e Porto Alegre, que acompanhariam a
obra, por terem sido extraviados na oficina litográfica responsável pelo
trabalho. Mesmo assim, esses escritos são de considerável importância, traçando
um quadro descritivo, rico em informações sobre o Rio Grande do Sul à época da
formação do Estado Nacional Brasileiro e da fermentação revolucionária que
resultaria na Guerra Civil de 1835.
Nicolau Dreys dividiu sua oba em três
capítulos: no primeiro – Topografia Física – abordou as montanhas, a
hidrografia, a geografia, a história natural e a meteorologia (agricultura,
mineralogia, vegetação, ornitologia, ictiologia e zoologia); no segundo –
Topografia Política – descreveu as localidades de Porto Alegre, Rio Pardo,
Missões, Piratini, São Pedro, Pelotas, São José do Norte, Estreito, Mostardas,
Viamão, Nossa Senhora da Serra, Nossa Senhora dos Anjos da Aldeia, Santo
Antonio da Patrulha, São Leopoldo, Triunfo, Santo Amaro, Cachoeira,
Encruzilhada, Caçapava, Santa Maria, Alegrete, Bagé, Cerrito, Santa Vitória e
Vacaria, também destacando a indústria, o comércio e a navegação; e, no
terceiro capítulo – Da população – tratou de diversos elementos constitutivos
concernentes à sociedade provincial.
É o próprio autor quem apresenta obra,
destacando sua admiração pela terra rio-grandense e o desejo de ver logo
sanados os seus conflitos internos ligados ao contexto da Revolução
Farroupilha, negando-se, inclusive, a tratar ou tomar posição diante dos
mesmos. Afirmava ele que o autor escrevera como testemunha ocular, uma vez que,
dez anos de residência na província lhe teriam facultado bastante proporções
para estudar essa bela região que deixa um sentimento de predileção tão vivo,
tão perseverante no coração dos homens que a viram. Destacava ainda que, fiel à
sua epígrafe, limitar-se-ia a fazer votos para que a possibilidade de persuadir
dispensasse a necessidade de combater, manifestando-se como feliz, pela
esperança de ver ainda florescerem à sombra da paz esses campos amados do céu,
que durante os mais belos anos de sua vida, nunca deixara sem saudade, nem
tornaria a ver sem prazer[3].
Ao abordar a então Vila do Rio Grande,
denominando-a de Cidade de São Pedro, o autor destacava a desgraçada posição
dessa vila patronímica, geralmente conhecida pelo nome genérico de Rio Grande[4].
Dreys fazia referência às areias como um grande mal que circundava a
localidade. Descrevia o francês que as areias tinham um movimento contínuo, o
qual modificava o horizonte urbano com mobilidade extraordinária, segundo o
vento reinante, de modo que tanto no Rio Grande, como em São José do Norte, uma
porção de casas foram soterradas e, naquela “nova Pompéia”, só se reconhecia o
lugar das habitações sepultadas pelos galhos secos de algumas árvores de seus
antigos quintais, aparecendo ainda na superfície da massa usurpadora[5].
Dreys relatava os comentários de que a
culpa pelo avanço das areias devia-se ao período da invasão espanhola
(1763-1776), pois seria a planície em que estava edificada a cidade, a
princípio, agradável, rica de vegetação e coberta de árvores, entretanto, a
situação mudara com a chegada dos hispânicos, acompanhados de tantos animais, e
tanto tempo os conservaram no território para o serviço da tropa, que na
retirada dela, a vegetação circunvizinha se achava completamente arruinada.
Desse modo, permanecia explicando o francês, depois dessa grande dilapidação,
as areias arrebatadas pelos ventos, não achando mais obstáculos, progrediram em
suas constantes irrupções até chegarem ao centro da cidade e sepultarem uma
parte dela[6].
Nesse quadro, Nicolau Dreys considerava
que apesar da sua desgraçada posição, a povoação do Rio Grande consistia uma vitória
do homem sobre o ambiente natural, pois, no meio das areias estéreis que a
circundam e invadem continuamente, ela se apresenta como uma criação
excepcional da política e do comércio, já que, indiferente e como estrangeira
ao território que ocupa, não deve nada senão ao caráter ativo, industrioso e
empreendedor dos habitantes. Sobre o tema, arrematava o autor, afirmando que no
Rio Grande, o homem pode mais que a natureza, tendo em vista que, onde achou
impotência e miséria, ele fez nascer prosperidade, de maneira que a cidade de
S. Pedro, com suas casas suntuosas, seus ricos armazéns, seus cais regulares e
seu Porto retificado, poderia concorrer com as mais notáveis cidades da América
do Sul.
[1]
FLORES, Moacyr. Introdução. In: DREYS, Nicolau. Notícia descritiva da Província do Rio Grande do Sul. 4.ed. Porto
Alegre: Nova Dimensão/EDIPUCRS, 1990. p. 9.
[2]
BARRETO, Abeillard. Bibliografia
sul-rio-grandense: a contribuição portuguesa e estrangeira para o conhecimento
e a integração do Rio Grande do Sul. Rio de Janeiro: Conselho Federal de
Cultura, 1973. v. 1. p. 453.
[3] DREYS. p. 11 e 13.
[4] DREYS. p. 77.
[5] DREYS. p. 46.
[6] DREYS. p. 47.
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