*Capítulo do livro de Francisco das Neves Alves e Luiz
Henrique Torres, "Visões do Rio Grande: a cidade sob o prisma europeu no
século XIX". Rio Grande: FURG, 1995.
Arsène
Isabelle
Um de seus maiores objetivos era o
estabelecimento de uma empresa colonizadora para o extremo sul da América
Meridional, chegando a elaborar projetos para esse intento, os quais não se efetivaram
basicamente devido às agitações e conflitos políticos – nos quais inclusive o
escritor tomou parte – típicos da região naquele período. Após a viagem ao Rio
Grande do Sul, ainda permaneceu considerável tempo na América, atuando como
jornalista, militar, professor e funcionário do consulado da França. Seus
escritos que tratam da viagem à Província datam de 1835 e denominaram-se Excursions dans La Province de
Rio-Grande-do-Sul au Brésil (1834) e Voyage
a Buenos-Aires et a Porto-Alegre, par La Banda-Oriental, les Missions d’Uruguay
et La Province de Rio-Grande-do-Sul (1830-1834), com diversas traduções,
parciais ou integrais, em português e espanhol[2].
Seguindo seus pendores de naturalista, descreveu a paisagem, a flora e a fauna
dos locais visitados, não deixando porém de abordar as características das
populações que encontrava.
Durante sua permanência no Rio Grande
do Sul, Isabelle visitou, entre outras localidades, Uruguaiana, Itaqui, São
Borja (permanecendo dois meses nas Missiões), Alegrete, Santiago do Boqueirão,
São Francisco de Assis, São Vicente, Santa Maria, Cachoeira, Cruz Alta, Rio
Pardo, Porto Alegre, Viamão, São Leopoldo, Pelotas, São José do Norte e Rio
Grande (na qual esteve no primeiro semestre de 1834).
Arsène Isabelle, na primeira referência
que faz à cidade do Rio Grande, destacou-a como a principal porta da província,
embora tenha considerado que tanto esta, quanto São José do Norte tivessem a
mesma denominação, afirmando que havia duas cidades reunidas com esse nome –
Rio Grande –, levando a da margem esquerda o nome de São José, ou simplesmente
do Norte e a da margem direita, o nome de São Pedro, ou do Sul. Suas primeiras
apreciações sobre as duas localidades não foram nada lisonjeiras, considerando
a situação de ambas não só como moralmente triste, mas ainda insuportável de
todas as maneiras e que somente o atrativo do ganho, uma atividade portuária,
ou algum interesse muito grande serviriam como razões para induzi-las a viver.
Apontou como principal argumento para essa triste situação o problema das
areias que assolavam as duas cidades, afirmando que se via por todos os lados
areia, areia... e só areia, não podendo, segundo ele, ser de outra maneira,
visto que ambas estavam no meio de dunas e o menor pampero levantava avalanches de areia que enchiam as ruas e
enterravam, algumas vezes, as casas baixas[3].
Ao descrever especificamente Rio
Grande, Isabelle deu novo destaque à questão das areias, narrando que na cidade
do Sul havia três ruas principais muito compridas, na direção leste-oeste, e, a
fim de garanti-las, tanto quanto possível, contra a invasão das areias, tendo
essas ruas apenas calçados os passeios e vendo-se com pesar, fora da cidade,
grandes dunas ameaçando soterrá-la como outra Herculano. Diante disso, o autor
aconselhava que se deveria fazer obras para deter a invasão das dunas, ou que o
melhor meio seria ainda plantar árvores, tais como espinilhos, mandubais, carandis, ou outras que se dessem bem em
terreno arenoso[4].
Isabelle, apontando o comércio como
principal atividade econômica rio-grandina, observou que, pelo bem-estar dos
habitantes, eram bons os negócios naquela parte da Província, havendo no meio
deles, alguns imensamente ricos, que construíram casas e armazéns espaçosos.
Argumentava que a maior contribuição para a prosperidade de S. Pedro vinha do
espírito de associação de seus negociantes que empregavam grande parte das
fortunas em empresas de utilidade pública, tentando atrair o comércio
estrangeiro, assim como modificar, por obras importantes, os graves inconvenientes de uma situação tão desagradável quanto pouco
cômoda que apresentava a cidade. Desse modo, para o viajante francês, os
principais responsáveis pelo progresso rio-grandino eram os comerciantes que,
movidos por seus interesses econômicos, dotavam a cidade de uma série de
melhoramentos, como os que o próprio autor citava, afirmando que se construíra
uma alfândega espaçosa, fora feito um cais, um teatro acabara de ser levantado,
o Paço do Conselho estava em construção e tudo isso à custa dos negociantes[5].
A respeito da Barra do Rio Grande, o
escritor francês esclarecia que ela dificultava a entrada de embarcações com
mais de dez ou onze pés e informava a respeito dos cuidados e providências
tomadas para permitir a passagem dos navios, explicando que existiam novos
regulamentos, publicados em língua nacional, inglesa e francesa, tratando da
ordem de estacionamento a observar nas duas Barras, estando três navios de
guerra encarregados dessa execução. Ainda no que tange ao acesso à vila,
descrevia que, durante a noite, um fogo colocado na margem direita e que se
avistava a quatro léguas de distância indicava a “entrada do rio”, ao passo
que, durante o dia, bandeiras de diversas cores, içadas no cimo do farol,
assinalavam a quantidade de água no canal e a direção a seguir. Detalhava
também que um outro canal acabara de ser formado ao sul, mas pelo mesmo apenas
podiam passar navios de oito pés de água ou menos. A explicação a respeito
desta temática era ainda complementada com a informação de que havia sempre
pilotos experimentados na desembocadura “do rio” para conduzir os navios além
de uma das duas cidades, e se esses navios se destinassem a Porto Alegre, novos
pilotos os guiavam através da Lagoa dos Patos[6].
Isabelle calculou a população
rio-grandina na base de quatro mil habitantes, destacando os edifícios públicos
e particulares construídos no gosto e na forma dos de Porto Alegre, havendo
soberbas casas de três andares, com balcões de ferro e fachadas de pedra
lavada. Considerou, também, outra causa da prosperidade crescente do Rio Grande
a proximidade e facilidade de transporte para outras cidades como São Francisco
de Paula, com a qual as comunicações tornaram-se prontas e fáceis por meio de
um barco a vapor que ia e vinha diariamente de um ponto ao outro, transportando
mercadorias e passageiros, ou através de muitas lanchas e balandras que faziam
constantemente o trajeto, assim como o de Porto Alegre[7].
No que concerne ao aspecto cultural, o
escritor francês destacou razoável desenvolvimento da cidade de S. Pedro,
apontando a existência de das tipografias, dois jornais políticos e uma pequena
biblioteca, composta em grande parte de livros franceses. Os dois jornais
citados por ele eram O Noticiador
(1832-1836) e O Observador
(1832-1835), com suas respectivas tipografias. Estranhamente, o autor não
contou com um outro periódico que circulava na vila à época de sua visita,
talvez pelo seu caráter não-político – O
Propagador da Industria Rio-Grandense. Já em matéria de línguas
estrangeiras, comentava que no sul se aprendia de preferência o francês, como
em todo o Brasil e nas províncias do Prata[8].
A obra de Arsène Isabelle é considerada
por determinados autores como limitada por algumas de suas convicções e
afirmações contrárias à Província, embora esse fator não seja diretamente
identificado no seu relato quanto aos rio-grandinos. Abeillard Barreto afirma
que Isabelle tinha certa “má vontade” com respeito aos rio-grandenses, a qual
não encontrava apoio talvez em nenhum outro autor estrangeiro[9].
Para Dante de Laytano, o escritor francês não foi honesto com o Rio Grande do
Sul, uma vez que seus conceitos são impiedosos e quase nunca correspondem à
verdade, não perdendo ocasião de procurar diminuir os brasileiros, ficando isso
evidenciado em todo o seu livro. Mesmo assim, Laytano reconhece a importância
dos escritos de Isabelle, pois suas observações, quando não são de caráter
político ou religioso, representam interessantes depoimentos que reconstituem a
paisagem rio-grandense-do-sul do século XIX[10].
[1]
BARRETO, Abeillard. Bibliografia
sul-rio-grandense: a contribuição portuguesa e estrangeira para o conhecimento
e a integração do Rio Grande do Sul. Rio de Janeiro: Conselho Federal de
Cultura, 1973. v. 1. p. 708.
[2]
Nesse trabalho sera utilizada a tradução feita por Dante de Laytano: ISABELLE,
Arsène. Viagem ao Rio Grande do Sul
(1833-1834). 2.ed. Porto Alegre: Martins Livreiro, 1983.
[3] ISABELLE. p. 77.
[4] ISABELLE. p. 79.
[5] ISABELLE. p. 77-78.
[6]
ISABELLE. p. 79-80. Sobre as afirmações do autor quanto à Barra, observar
também: NEVES, Hugo Alberto Pereira. Estudos do Porto e da Barra do Rio Grande.
In: ALVES, Francisco das Neves & TORRES, Luiz Henrique (orgs.). A cidade do Rio Grande: estudos históricos.
Rio Grande: FURG\SMEC, 1995. p. 103-104.
[7] ISABELLE. p. 78-79.
[8] ISABELLE. p. 80.
[9] BARRETO. v. 1. p. 711.
[10]
LAYTANO, Dante de. Biografia e viagens de Arsène Isabelle. In: ISABELLE. P. 107
e 109.
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