*Capítulo do livro de
Francisco das Neves Alves e Luiz Henrique Torres, "Visões do Rio Grande: a
cidade sob o prisma europeu no século XIX". Rio Grande: FURG, 1995.
Porto Velho do Rio Grande em 1870. Ambauer presencial as obras de concreto do Porto que tiveram início em 1872. Acervo: Biblioteca Rio-Grandense. |
A primeira perspectiva traçada pelo
autor sobre o Rio Grande constituiu um brevíssimo histórico e uma descrição
geográfica da localidade, com destaque para o acesso, a hidrografia, o relevo e
o conjunto de ilhas no entorno da urbe. Os riscos da costa gaúcha estão
presentes na narrativa do escritor que descrevia que, entre o 29º e o 33º
austral e 49º e 53º ocidental estava uma costa baixa, árida, monótona e triste,
a qual o cauteloso navegante evitava, se não se dirigia ao único Porto
acessível da região. Sobre esta faixa litorânea, relatava que as correntezas,
os ventos, os descuidos e as espertezas tinham dado a essa costa e ao seu Porto
uma reputação pouco lisonjeira, num quadro em que, todas essas circunstâncias
promoviam a demora do desenvolvimento da navegação de alto bordo para a
Província, impedindo assim a ela tomar rapidamente o grau de adiantamento que
poderia atingir[2].
A respeito do acesso à comunidade portuária, Ambauer destacava que o Rio
Grande era o único que permitia a entrada de navios que não demandassem mais de
18 palmos, e isso nem sempre, sendo mais regular de 14 a 15. Explicava que,
dificultavam a passagem pela da Barra dois bancos que lhe obstruíam a entrada,
formando-se entre eles um canal mutável segundo a direção mais longa dos ventos
e correntezas. Narrava ainda que a massa das águas que escoava pela Barra do
Rio Grande seria mais que suficiente para ter um canal de franca navegação, se
ela não tivesse perdido o declive nos dois lagos internos e na bacia que os
recebia, de maneira que o nivelamento, que formava esse espraiamento das águas
fluviais, paralisava um tanto o seu curso e apenas o escoamento com diminuta
força permitia a conservação desse pequeno Canal da Barra. Refletindo uma das
maiores aspirações rio-grandinas, o escritor explicava que era de desejar que,
para o futuro, se encontrasse meio de aumentar a profundidade do canal, para
que a Província do Rio Grande pudesse conseguir a afluência de uma navegação
mais desenvolvida, enriquecendo-se na grande permuta internacional. O serviço
de praticagem, a sinalização náutica, as embarcações de apoio e os pontos de
desembarque também se faziam presentes na narrativa do italiano[3].
Com referência à organização econômica e urbana, o autor destacava que,
comercialmente a cidade do Rio Grande era considerada o interposto geral, sendo
o ponto no qual convergem tanto o comércio exterior como o interior. Nesse
quadro, relatava que a parte mais importante da cidade era o seu litoral, em linha
quase reta, de leste a oeste, no qual duas linhas de embarcações corriam na
mesma direção, deixando entre si um canal de poucas braças de largura, por onde
transitavam as embarcações que demandavam o ancoradouro. Fazia referência ainda
ao fato de que as casas que margeavam o litoral, como eram quase todas de
sobrado de um e dois andares, algumas elegantes com graciosos mirantes, davam
agradável aspecto ao panorama visto do mar, seguindo-se, porém, algumas ruas
paralelas e outras transversais, que não valeriam a primeira, havendo apenas
algumas praças e casas particulares de aparência regular. Descrevia também que
a cidade possuía uma alfândega e um excelente cais para o serviço da mesma,
tendo uma praça de comércio, onde funcionava igualmente o correio, casa da
câmara, mercado, um enorme edifício – hospital de caridade – que, segundo sua
concepção, poderia ser menor e ter mais acomodações. As praças, as chácaras, o
incômodo com as areias e o abastecimento de água são outros temas abordados por
Ambauer, para quem era fora de dúvida que a cidade do Rio Grande viria a ser
uma das mais importantes das do Sul da América, quando um caminho de ferro a
ligasse com a fronteira da Província[4].
O escritor fazia alusão a uma certa rivalidade existente entre os
habitantes da cidade do Rio Grande e os de Pelotas, a qual, segundo ele, não
tinha razão de ser, ligadas como estavam ambas pelos interesses mútuos, que,
unindo o capital do comércio do Rio Grande ao produto especial da indústria
especial de Pelotas, facilitava os meios de riqueza e o bem-estar dos moradores
das duas cidades[5].
De acordo com essa perspectiva o autor apontava para o caráter complementar
daquelas que eram duas das principais comunidades sul-rio-grandenses de então,
quer seja, a produção pecuário-charqueadora concentrada no contexto pelotense e
o porto de escoamento dessa “indústria”, representado pelo Rio Grande.
A obra de Ambauer, mesclando conhecimentos históricos e geográficos, bem
como narrativas fruto de seu próprio testemunho ou da utilização da literatura
disponível, abrangia um amplo conjunto de localidades gaúchas, vislumbrando
praticamente todas as regiões da Província naquele final de século XIX. O autor
encaminhou seus escritos ao Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, para
ser submetido à revisão e apreciação no intento de ser incluso na revista da
instituição. Ele pedia atenção ao seu “insignificante trabalho”, que estaria a
carecer de estudos mais profundos e de gramática e, caso não fosse incluído na
edição em vista, solicitava a devolução de seu manuscrito, visando publicá-lo
em italiano[6].
O breve texto acabaria por ser publicado na Revista
do Instituto, servindo à época para divulgação de algumas facetas da vida
rio-grandense de então. As apreciações de Enrico (ou Henrique Schutel) Ambauer
sobre a cidade do Rio Grande refletiam a perspectiva de um morador que
permaneceu largo tempo junto à comuna, prestando um testemunho in loco que traz em si o significado do
registro histórico da urbe portuária numa época de amplas transformações como o
foi a virada do século XIX para a seguinte centúria.
[1]
BARRETO, Abeillard. Bibliografia
sul-rio-grandense: a contribuição portuguesa e estrangeira para o conhecimento
e a integração do Rio Grande do Sul. Rio de Janeiro: Conselho Federal de
Cultura. 1973. v. 1. p. 37-38.
[2]
AMBAUER, Henrique Schutel. A Província do Rio Grande do Sul: descrição e
viagens. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. t. 51, 2ª parte. Rio de Janeiro: IHGB, 1888.
p. 25-26.
[3]
AMBAUER. p. 27-32.
[4]
AMBAUER. p. 32-33.
[5]
AMBAUER. p. 45.
[6]
AMBAUER. p. 71-72.
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