Porto do Rio Grande em 1908

Porto do Rio Grande em 1908

segunda-feira, 11 de novembro de 2019

UM GRAU

Elevação do nível dos mares. Acervo: NASA.


 
        O preço que estamos pagando pela ação do El Niño no Rio Grande do Sul está sendo muito caro. A previsão é que ele se mantenha atuante pelos próximos meses. El Niño e aquecimento global passaram a ser palavras pronunciadas com cada vez maior frequência pelos gaúchos. As ondas de calor, as linhas organizadas de tempestade com poder de destruição e as inundações nos fazem ficar sintonizados nas discussões sobre o futuro do clima no planeta. Daí o olhar para as decisões que serão tiradas na Conferência do Clima de Paris, que inicia no próximo dia 30 de novembro. 
        O relatório do MetOffice, Serviço Britânico de Meteorologia, evidenciou que o aquecimento global persiste e avança para a marca histórica de 1,02°C acima da média registrada entre 1850-1900. Hoje a temperatura média do planeta é de 14°C e a mais de cem anos era de 13°C. As hipóteses de desaceleração do aquecimento não se confirmam com os dados que vem sendo coletados. Porém, como a emissão de CO2 (queima de combustível fóssil e carvão) é cada vez mais intensa (desde a Revolução Industrial já foram lançados 2 mil giga toneladas de gases de efeito estufa na atmosfera), os efeitos esperados do aquecimento planetário deveriam ser ainda mais sentidos. Um estudo de pesquisadores da Nasa publicado na revista Science buscou explicar onde foi parar o excesso de calor do planeta e combater o discurso dos céticos do aquecimento global (devido à elevação do nível dos mares e do degelo dos polos ainda ser tímido). A hipótese é que o calor acumulado nos últimos anos na atmosfera e pela água dos mares se deslocou para camadas mais profundas dos oceanos. Os primeiros cem metros de profundidade resfriaram mas as águas mais profundas de até 300 metros sofreram um aquecimento. Os pesquisadores acreditam que esse calor deve voltar à superfície em curto prazo aumentado bruscamente a temperatura global. Segundo eles, os oceanos são reguladores da temperatura do planeta, temperatura que já poderia ter chegado a um preocupante aquecimento de 1,5°C.
        O último mês de julho de 2015 foi o mais quente na Terra desde que os registros começaram a ser feitos, conforme informou a Agência Nacional de Oceanos e Atmosfera dos Estados Unidos (NOAA, sigla em inglês). Segundo o relatório da NOAA, nove dos dez meses mais quentes ocorreram desde 2005, e os primeiros sete meses de 2015 são o período mais quente de janeiro a julho desde que se têm registros. Possivelmente este será o ano mais quente já registrado: "Esse recorde nos mostra que a Terra continua aquecendo", analisou Jessica Blunden, especialista em clima da NOAA, que enfatizou a elevação na temperatura acarretará em aumento do nível do mar e no derretimento das geleiras. Para Blunden as atuais condições do fenômeno climático El Niño "estão realçando o efeito do aquecimento global que vemos com o passar do tempo". Para ela, é importante levar em conta que as temperaturas "são só uma parte da história" e que a população mundial já presencia as mudanças causadas por esse aumento. "Vimos recentemente um recorde de temperatura no oceano, recorde no aumento dos níveis do mar e recorde no degelo das geleiras de todo o mundo". Blunden também afirmou que são cada vez "mais severas" as condições meteorológicas extremas como "secas, ondas de calor e inundações" e enfatizou que nestes incidentes é possível observar os "inúmeros" impactos das altas temperaturas "na população e nos ecossistemas de todo o mundo".
     O diretor da Agência Meteorológica Britânica, Stephen Belcher, afirmou que as altas temperaturas registradas em 2015 mostram a dimensão do impacto dos gases do efeito estufa. "Sabemos que tendências naturais afetam as temperaturas globais todos os anos, mas as temperaturas muito quentes deste ano indicam o impacto contínuo dos gases do efeito estufa (produzidos pelo homem). Com o potencial de que o próximo ano seja tão quente quanto este, fica claro que nosso clima continua mudando", completou.
     Rowan Sutton, da Universidade de Reading, também enfatizou que “mundialmente, 2014, 2015 e 2016 estarão entre os anos mais quentes da história. Isso não é um acaso. Vemos os efeitos da energia acumulados de forma constante nos oceanos e na atmosfera, e eles são causados pelos gases do efeito estufa."
      Duas tendências que afetam os "padrões" climáticos a médio e longo prazo estão no oceano Pacífico. O fenômeno do El Niño acontece quando uma corrente do Pacífico se inverte - algo que ocorre a cada três, quatro ou cinco anos -, trazendo chuvas onde normalmente há secas, e secas onde normalmente há chuvas. O El Niño tende a elevar as temperaturas mundiais. Este fenômeno está se expressando de forma intensa e semelhante ao de 1998 que provou bilhões de dólares em prejuízos no planeta. O El Niño de 2015 poderá aumentar as secas na África do Sul, no leste da Ásia e nas Filipinas – e pode trazer enchentes ao sul da América do Sul, como já constatamos no Rio Grande do Sul.
Projeções para o aumento de temperatura até o final do século XXI não são nada animadoras com uma elevação de 1,0 a 3,7°C. É preciso frear o aumento da temperatura pois se a elevação chegar a 2,0°C isto significará 60 cm de aumento no nível dos oceanos provocando o alagamento de áreas densamente povoadas em cidades litorâneas (desde 1850, o nível do mar subiu 20 cm).
      Portanto, a Conferência do Clima de Paris reunirá 190 países para novamente buscar um pacto de sobrevivência no planeta. Como sempre, o momento será de difícil negociação com os grandes emissores de CO2 como, por exemplo, a China (citado por ser o mais difícil de ser sensibilizado) que não pretende entrar num processo recessivo ao frear a sua produção industrial. Parece que as reações da natureza deverão ser ainda mais contundentes para que “a voz da razão não estritamente financeira” se faça ecoar para a sobrevivência humana neste planeta cada vez mais aquecido.
*Matéria publicada no Jornal Agora no dia 17 de novembro de 2015. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário