Porto do Rio Grande em 1908

Porto do Rio Grande em 1908

segunda-feira, 11 de novembro de 2019

A REVOLUÇÃO PORTUGUESA

D. Pedro IV de Portugal, quadro de John Simpson de 1835.

       Na tipografia de Francisco Xavier Ferreira foi publicado em 1834, um documento relevante para entender o acirramento do ambiente político entre liberais e conservadores que conduziria a Revolução Farroupilha no ano seguinte. O título é RELAÇÃO DOS FESTEJOS, QUE FIZERAM OS PORTUGUESES RESIDENTES NA VILA DO RIO GRANDE DO SUL, EM DEMONSTRAÇÃO DE SEU JUBILO PELO RESTABELECIMENTO DA PAZ, E DA LIBERDADE NA SUA PÁTRIA. Vila do Rio Grande do Sul 1834.
Os festejos dizem respeito à vitória dos liberais na Guerra Civil Portuguesa ocorrida entre 1832-1834 envolvendo dois irmãos: o conservador D. Miguel e o liberal D. Pedro IV (o D. Pedro I, que foi derrubado no Brasil pelo “restrito espírito liberal” no ano de 1831 e que abdica o trono em nome do filho que será conhecido por D. Pedro II). A luta pelo poder em Portugal levou a um confronto sangrento e milhares de mortos. Como o momento era de ressaltar as vitórias da liberdade, este grupo de liberais promoveu festejos com aclamação de poesias, hinos e muitos discursos anti-conservadores. Devido aos limites de espaço, somente algumas partes deste documento, cujo original está na Biblioteca Rio-grandense, são aqui transcritos.

“Os Portugueses residentes na Vila de São Pedro do Rio Grande do Sul, ao receberem a fausta notícia de ter felizmente terminado a luta heroica e porfiada dos Portugueses livres contra o Tirano, e seus sequazes, acompanhados do Vice-Cônsul de sua Nação determinaram dar um jantar, e um esplêndido baile em demonstração de seu jubilo e entusiasmo por tão felizes acontecimentos, o jantar no dia 24 de Agosto. Aniversário daquele em que na incomparável cidade do Porto se levantou o grito, que despertou na Nação Portuguesa sentimento de seus direitos, dignidade, e glória, e da necessidade de uma nova organização social segundo as formas representativas; e o baile no dia 25 do mesmo mês, sendo depois adiado para o dia 26 por causa do mal tempo. Para o jantar foram convidados os Srs. Juiz de Direito Municipal, dos órfãos, os oito Juízes de Paz ajuramentados, Presidente, e Vereadores da Câmara Municipal, Comandante dos Municipais Permanentes, Chefes das Estações Fiscais, Párocos, e geralmente todas as pessoas investidas de autoridade publica; e em assim todos os Agentes Consulares; e foram igualmente convidados todos os Portugueses residentes nas Vilas de São Jose do Norte, e de São Francisco de Paula: para o baile convidaram-se as famílias Brasileiras e Estrangeiras das três Vilas, e suas imediações. No dia passado e hora designada, tendo não obstante o mal tempo concorrido grande número de convidados, foi o jantar anunciado por uma girândola de fogo, e uma salva de morteiros. Servida a mesa convenientemente, em tempo oportuno foi pelo Vice-Cônsul Português, o Sr. Manoel Jose Barreiros, proposto o primeiro brinde a Nação Brasileira, Livre e Independente, o qual foi respondido por todos com o mais vivo entusiasmo, acompanhado do Hino Brasileiro, executado por uma excelente banda de Musica, para esse fim preparada, e foi também anunciado ao Publico por uma salva de morteiros. Seguiu-se o segundo brinde ao Sr. D. Pedro II., Imperador Cônsul-Nacional do Brasil, proposto pelo mesmo Vice-Cônsul Português, e acompanhado de iguais demonstrações.
O Bacharel Jose Marcellino da Rocha Cabral, uma das vitimas da perseguição, que se evadira de uma hórrida masmorra para estas praias hospitaleiras, depois de um sucinto, mas enérgico discurso em que memorou a tendência, e movimento irresistível do espírito humano para a Liberdade, e para a Civilização de todos os Povos da terra: e pouco depois, fazendo precedentemente a animada exposição dos justificados motivos que operarão a separação da Grande Família Portuguesa acima dos prejuízos vulgares, os recíprocos interesses políticos, e industriais do Portugal e do Brasil, as suas mutuas e gloriosas recordações históricas; as suas particulares e fortes simpatias, sobre tudo depois do triunfo da Liberdade Portuguesa; e a necessidade de extirpar todo o gérmen de dissensão, e miseráveis rivalidades entre estas duas Nações; assim como de apertar, quanto for possível, entre Brasileiros e Portugueses os vínculos da amizade e fraternidade, propôs um novo brinde a perpétua e nunca perturbada amizade e fraternidade das duas grandes Nações Brasileiras e Portuguesa, Livre e Independentes. Seguiram-se outros brindes, todos a objetos Liberais, e todos repetidos com o mais pronunciado entusiasmo, e acompanhados do Hino Brasileiro, ou Português, segundo os objetos a que estão destinados. (...) No dia 26 teve lugar o baile, no mesmo edifício em uma espaçosa sala magnificamente iluminada, e mobiliada, e cujo pé direito tinha sido de propósito forrado, e pintado com as cores Nacionais Portuguesas. A muita chuva não embaraçou a concorrência de numerosas Famílias Brasileiras e Estrangeiras, desejosas de partilharem o entusiasmo e evasão de sentimentos liberais, que se manifestaram na primeira função; sendo sobre tudo notável o grande numero de Sras. que concorreram, todas vestidas e ornadas com o maior alinho, decência e gosto. (...) Voltando as Senhoras e convidados à sala do baile, sucessivamente foram executadas diferentes danças, só interrompidas pela música oral de algumas Senhoras, que cantaram ao piano; mas este interessante entretenimento não ocupou tão exclusivamente as atenções, que o lugar onde se viam os emblemas da Liberdade não fosse constantemente frequentado por grande número de pessoas, que não se saciavam de contemplar, já o preço que custa aquela Arvore preciosa, já a riqueza e mais subido valor de seus frutos, já finalmente a glória dos Heróis, que com tantos sacrifícios a salvaram dos embates e golpes do mais feroz tiranos; e os lugares e dias gloriosos, em que os Liberais Portugueses colheram os louros, que nem o tempo, nem a morte fará murchar. Assim se passou esta noite deliciosa, terminando o baile depois das 6 horas da manhã por uma contradança de 16 pares, seguida do Hino da Rainha Constitucional, e separando-se as famílias, e convidados, como a seu pesar, deste lugar, em que o pensamento, a imaginação e os sentidos simultaneamente gozaram a mais viva, e pura satisfação”.

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