D. Pedro IV de Portugal, quadro de John Simpson de 1835. |
Os festejos dizem respeito à vitória dos
liberais na Guerra Civil Portuguesa ocorrida entre 1832-1834 envolvendo dois
irmãos: o conservador D. Miguel e o liberal D. Pedro IV (o D. Pedro I, que foi
derrubado no Brasil pelo “restrito espírito liberal” no ano de 1831 e que
abdica o trono em nome do filho que será conhecido por D. Pedro II). A luta
pelo poder em Portugal levou a um confronto sangrento e milhares de mortos.
Como o momento era de ressaltar as vitórias da liberdade, este grupo de
liberais promoveu festejos com aclamação de poesias, hinos e muitos discursos
anti-conservadores. Devido aos limites de espaço, somente algumas partes deste
documento, cujo original está na Biblioteca Rio-grandense, são aqui
transcritos.
“Os Portugueses residentes na Vila de São
Pedro do Rio Grande do Sul, ao receberem a fausta notícia de ter felizmente
terminado a luta heroica e porfiada dos Portugueses livres contra o Tirano, e
seus sequazes, acompanhados do Vice-Cônsul de sua Nação determinaram dar um
jantar, e um esplêndido baile em demonstração de seu jubilo e entusiasmo por
tão felizes acontecimentos, o jantar no dia 24 de Agosto. Aniversário daquele
em que na incomparável cidade do Porto se levantou o grito, que despertou na
Nação Portuguesa sentimento de seus direitos, dignidade, e glória, e da
necessidade de uma nova organização social segundo as formas representativas; e
o baile no dia 25 do mesmo mês, sendo depois adiado para o dia 26 por causa do
mal tempo. Para o jantar foram convidados os Srs. Juiz de Direito Municipal,
dos órfãos, os oito Juízes de Paz ajuramentados, Presidente, e Vereadores da
Câmara Municipal, Comandante dos Municipais Permanentes, Chefes das Estações
Fiscais, Párocos, e geralmente todas as pessoas investidas de autoridade
publica; e em assim todos os Agentes Consulares; e foram igualmente convidados
todos os Portugueses residentes nas Vilas de São Jose do Norte, e de São
Francisco de Paula: para o baile convidaram-se as famílias Brasileiras e
Estrangeiras das três Vilas, e suas imediações. No dia passado e hora
designada, tendo não obstante o mal tempo concorrido grande número de
convidados, foi o jantar anunciado por uma girândola de fogo, e uma salva de
morteiros. Servida a mesa convenientemente, em tempo oportuno foi pelo
Vice-Cônsul Português, o Sr. Manoel Jose Barreiros, proposto o primeiro brinde a
Nação Brasileira, Livre e Independente, o qual foi respondido por todos com o
mais vivo entusiasmo, acompanhado do Hino Brasileiro, executado por uma
excelente banda de Musica, para esse fim preparada, e foi também anunciado ao
Publico por uma salva de morteiros. Seguiu-se o segundo brinde ao Sr. D. Pedro
II., Imperador Cônsul-Nacional do Brasil, proposto pelo mesmo Vice-Cônsul
Português, e acompanhado de iguais demonstrações.
O Bacharel Jose Marcellino da Rocha Cabral,
uma das vitimas da perseguição, que se evadira de uma hórrida masmorra para
estas praias hospitaleiras, depois de um sucinto, mas enérgico discurso em que
memorou a tendência, e movimento irresistível do espírito humano para a
Liberdade, e para a Civilização de todos os Povos da terra: e pouco depois,
fazendo precedentemente a animada exposição dos justificados motivos que
operarão a separação da Grande Família Portuguesa acima dos prejuízos vulgares,
os recíprocos interesses políticos, e industriais do Portugal e do Brasil, as
suas mutuas e gloriosas recordações históricas; as suas particulares e fortes
simpatias, sobre tudo depois do triunfo da Liberdade Portuguesa; e a
necessidade de extirpar todo o gérmen de dissensão, e miseráveis rivalidades
entre estas duas Nações; assim como de apertar, quanto for possível, entre
Brasileiros e Portugueses os vínculos da amizade e fraternidade, propôs um novo
brinde a perpétua e nunca perturbada amizade e fraternidade das duas grandes
Nações Brasileiras e Portuguesa, Livre e Independentes. Seguiram-se outros
brindes, todos a objetos Liberais, e todos repetidos com o mais pronunciado
entusiasmo, e acompanhados do Hino Brasileiro, ou Português, segundo os objetos
a que estão destinados. (...) No dia 26 teve lugar o baile, no mesmo edifício
em uma espaçosa sala magnificamente iluminada, e mobiliada, e cujo pé direito
tinha sido de propósito forrado, e pintado com as cores Nacionais Portuguesas.
A muita chuva não embaraçou a concorrência de numerosas Famílias Brasileiras e
Estrangeiras, desejosas de partilharem o entusiasmo e evasão de sentimentos
liberais, que se manifestaram na primeira função; sendo sobre tudo notável o
grande numero de Sras. que concorreram, todas vestidas e ornadas com o maior
alinho, decência e gosto. (...) Voltando as Senhoras e convidados à sala do
baile, sucessivamente foram executadas diferentes danças, só interrompidas pela
música oral de algumas Senhoras, que cantaram ao piano; mas este interessante
entretenimento não ocupou tão exclusivamente as atenções, que o lugar onde se
viam os emblemas da Liberdade não fosse constantemente frequentado por grande
número de pessoas, que não se saciavam de contemplar, já o preço que custa
aquela Arvore preciosa, já a riqueza e mais subido valor de seus frutos, já
finalmente a glória dos Heróis, que com tantos sacrifícios a salvaram dos
embates e golpes do mais feroz tiranos; e os lugares e dias gloriosos, em que
os Liberais Portugueses colheram os louros, que nem o tempo, nem a morte fará
murchar. Assim se passou esta noite deliciosa, terminando o baile depois das 6
horas da manhã por uma contradança de 16 pares, seguida do Hino da Rainha
Constitucional, e separando-se as famílias, e convidados, como a seu pesar,
deste lugar, em que o pensamento, a imaginação e os sentidos simultaneamente
gozaram a mais viva, e pura satisfação”.
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