Porto do Rio Grande em 1908

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segunda-feira, 11 de novembro de 2019

A ENCHENTE DA LAGOA DOS PATOS



Enchente de 2015 em Rio Grande. Fotos: Luiz Henrique Torres.

As intensas chuvas e temporais que estão marcando a primavera de 2015 no Rio Grande do Sul, é coerente com um evento forte de El Niño. Pesquisadores da NASA alertam que o El Niño de 2015/2016 pode se equivaler ou superar o de 1997/1998, que foi o mais intenso já registrado. A previsão do Bureau of Meteorology, da Austrália, é ainda mais pessimista: o fenômeno pode durar até junho de 2016.
As perdas econômicas nas atividades agrícolas são preocupantes e os danos patrimoniais tem sido avultados, especialmente devido ao granizo. Nas últimas semanas a Lagoa dos Patos tem sido um fator de apreensão com a elevação de seu nível e alagamento de vastas áreas.  Ao escrever o livro “Águas de Maio: a enchente de 1941 em Rio Grande”, busquei na documentação escrita e fotográfica uma interpretação daquele fenômeno que se preservou no imaginário dos mais idosos. Para mim ficou claro que o lugar geográfico em que a cidade foi edificada apresenta fragilidades que foram se intensificando com o mais que triplicar da população: em 1941 eram 60 mil habitantes e atualmente supera os 200 mil. Ocupações urbanas irregulares e deposição intensa de lixo nas margens da Lagoa podem contribuir para intensificar o problema do não escoamento da água.  A água tem avançado por várias ruas e gerado apreensão no meio urbano. A região das ilhas paga um alto preço com o avanço das águas com centenas de desabrigados além da perda total dos plantios.
         Historicamente, várias vezes as águas superaram a linha do cais do Porto Velho e causaram sobressalto ou prejuízos. Vários são os relatos de enchentes em Rio Grande. Um dos registros mais antigos das águas da Lagoa dos Patos terem transbordado, recua a 3 de abril de 1857 quando a água invadiu a rua da Boa Vista (rua Riachuelo), área essencial para a dinâmica da cidade, que é o atual Porto Velho. No dia 15 de outubro de 1873 as águas trazidas pela Lagoa dos Patos, novamente romperam o limite do cais: “Com a descida das águas do Guaíba, encheu extraordinariamente nossa baía. A água, na rua Riachuelo, chegou em alguns lugares até a calçada. A praça do Comércio e o Mercado, ficaram quase circundados de água, atracando as lanchas na banca do peixe. Os terrenos do litoral, assim como o pântano estão todos alagados (...) as águas invadiram quase todos os terrenos da Caridade Nova. O caminho que vai a Capitania ficou interceptado pelas águas. Segundo afirmaram pessoas idôneas é uma cheia que há longos anos não tem tido igual”. Vários outros episódios ocorreram, mas nenhuma vez como em 1941, quando o evento forte de El Niño atuou de forma implacável.   Cerca de 30% da área urbana ficou alagada. Na Torotama, onde moravam 1.500 pessoas, uma lâmina de até 1 metro de água permaneceu por 34 dias, provocando o abandono temporário da localidade e a morte de 2.000 cabeças de gado. Na Ilha dos Marinheiros, onde viviam 2.400 pessoas em 300 chácaras, o chamado pela imprensa de “celeiro do Rio Grande”, os prejuízos com a enchente fizeram com que muitos moradores desejassem “abandonar aquelas plagas”. Os prejuízos nas ilhas, com o plantio da cebola, vinhedos e hortifrutigranjeiros foi total. Os pescadores também tiveram grandes perdas de redes, barcos e utensílios, além da inviabilidade ou redução do pescado nas semanas seguintes a enchente. Neste ano de 2015, o impacto na atividade de pesca artesanal mais agregadora de valor, o camarão, deve se expressar em mais uma safra frustrada para 2016 e a não circulação de milhões de reais na comunidade local.
A cidade do Rio Grande é uma expectadora da passagem de um contínuo fluxo das águas que serão despejadas no Oceano, águas nem sempre pacíficas mas que são alimentadas pela grande bacia hidrográfica de inúmeros arroios e rios que escoam desde o planalto, depressão central, serra do sudeste e planície litorânea. O evento da Grande Enchente de 1941 é um exemplo de que este convívio faz parte de um processo dinâmico e não imutável. Não podemos esquecer que não é só o homem que modela as paisagens, mas a natureza continua a fazer novas modelagens de acordo com dinâmicas climáticas complexas ligadas ao aquecimento global (fundadas na autonomia do ciclo solar ou com a intervenção industrial humana?). Estes eventos extremos, como a Enchente de 1941 e a enchente de 2015, fazem questionar a suposta imutabilidade da paisagem e especialmente, refletir sobre os fatores e também as prevenções para acontecimentos climáticos de grande porte que tem se intensificado no Brasil nas últimas décadas.
É preciso pensar/gerenciar Rio Grande a partir de suas especificidades locais mas enquadrada num cenário global de um clima que tem apresentado mudanças nas últimas décadas. Repensar a ocupação da orla da Lagoa dos Patos, projetar obras de proteção, educar/autuar os poluidores da Lagoa, plantar uma nova mentalidade de convívio com a natureza local seria essencial para minimizar os danos de eventos que podem ser mais persistentes do que no passado. A caixa de pandora climática ainda está sendo aberta e que surpresas poderá conter?
*Matéria publicada no Jornal Agora no dia 27 de outubro de 2015. 

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