Enchente de 2015 em Rio Grande. Fotos: Luiz Henrique Torres. |
As intensas
chuvas e temporais que estão marcando a primavera de 2015 no Rio Grande do Sul,
é coerente com um evento forte de El Niño. Pesquisadores da NASA alertam que o
El Niño de 2015/2016 pode se equivaler ou superar o de 1997/1998, que foi o mais
intenso já registrado. A previsão do Bureau of
Meteorology, da Austrália, é ainda mais pessimista: o fenômeno pode durar até
junho de 2016.
As perdas
econômicas nas atividades agrícolas são preocupantes e os danos patrimoniais
tem sido avultados, especialmente devido ao granizo. Nas últimas semanas a Lagoa
dos Patos tem sido um fator de apreensão com a elevação de seu nível e
alagamento de vastas áreas. Ao escrever
o livro “Águas de Maio: a enchente de 1941 em Rio Grande”, busquei na
documentação escrita e fotográfica uma interpretação daquele fenômeno que se
preservou no imaginário dos mais idosos. Para mim ficou claro que o lugar
geográfico em que a cidade foi edificada apresenta fragilidades que foram se
intensificando com o mais que triplicar da população: em 1941 eram 60 mil
habitantes e atualmente supera os 200 mil. Ocupações urbanas irregulares e
deposição intensa de lixo nas margens da Lagoa podem contribuir para intensificar
o problema do não escoamento da água. A
água tem avançado por várias ruas e gerado apreensão no meio urbano. A região
das ilhas paga um alto preço com o avanço das águas com centenas de
desabrigados além da perda total dos plantios.
Historicamente, várias vezes as águas
superaram a linha do cais do Porto Velho e causaram sobressalto ou prejuízos. Vários
são os relatos de enchentes em Rio Grande. Um dos registros mais antigos das
águas da Lagoa dos Patos terem transbordado, recua a 3 de abril de 1857 quando
a água invadiu a rua da Boa Vista (rua Riachuelo), área essencial para a
dinâmica da cidade, que é o atual Porto Velho. No dia 15 de outubro de 1873 as
águas trazidas pela Lagoa dos Patos, novamente romperam o limite do cais: “Com
a descida das águas do Guaíba, encheu extraordinariamente nossa baía. A água,
na rua Riachuelo, chegou em alguns lugares até a calçada. A praça do Comércio e
o Mercado, ficaram quase circundados de água, atracando as lanchas na banca do
peixe. Os terrenos do litoral, assim como o pântano estão todos alagados (...)
as águas invadiram quase todos os terrenos da Caridade Nova. O caminho que vai
a Capitania ficou interceptado pelas águas. Segundo afirmaram pessoas idôneas é
uma cheia que há longos anos não tem tido igual”. Vários outros episódios
ocorreram, mas nenhuma vez como em 1941, quando o evento forte de El Niño atuou
de forma implacável. Cerca de 30% da área urbana ficou alagada. Na
Torotama, onde moravam 1.500 pessoas, uma lâmina de até 1 metro de água permaneceu
por 34 dias, provocando o abandono temporário da localidade e a morte de 2.000
cabeças de gado. Na Ilha dos Marinheiros, onde viviam 2.400 pessoas em 300
chácaras, o chamado pela imprensa de “celeiro do Rio Grande”, os prejuízos com
a enchente fizeram com que muitos moradores desejassem “abandonar aquelas
plagas”. Os prejuízos nas ilhas, com o plantio da cebola, vinhedos e
hortifrutigranjeiros foi total. Os pescadores também tiveram grandes perdas de
redes, barcos e utensílios, além da inviabilidade ou redução do pescado nas
semanas seguintes a enchente. Neste ano de 2015, o impacto na atividade de
pesca artesanal mais agregadora de valor, o camarão, deve se expressar em mais
uma safra frustrada para 2016 e a não circulação de milhões de reais na
comunidade local.
A cidade do
Rio Grande é uma expectadora da passagem de um contínuo fluxo das águas que
serão despejadas no Oceano, águas nem sempre pacíficas mas que são alimentadas
pela grande bacia hidrográfica de inúmeros arroios e rios que escoam desde o
planalto, depressão central, serra do sudeste e planície litorânea. O evento da
Grande Enchente de 1941 é um exemplo de que este convívio faz parte de um
processo dinâmico e não imutável. Não podemos esquecer que não é só o homem que
modela as paisagens, mas a natureza continua a fazer novas modelagens de acordo
com dinâmicas climáticas complexas ligadas ao aquecimento global (fundadas na
autonomia do ciclo solar ou com a intervenção industrial humana?). Estes
eventos extremos, como a Enchente de 1941 e a enchente de 2015, fazem
questionar a suposta imutabilidade da paisagem e especialmente, refletir sobre
os fatores e também as prevenções para acontecimentos climáticos de grande
porte que tem se intensificado no Brasil nas últimas décadas.
É preciso
pensar/gerenciar Rio Grande a partir de suas especificidades locais mas
enquadrada num cenário global de um clima que tem apresentado mudanças nas
últimas décadas. Repensar a ocupação da orla da Lagoa dos Patos, projetar obras
de proteção, educar/autuar os poluidores da Lagoa, plantar uma nova mentalidade
de convívio com a natureza local seria essencial para minimizar os danos de
eventos que podem ser mais persistentes do que no passado. A caixa de pandora
climática ainda está sendo aberta e que surpresas poderá conter?
*Matéria publicada no Jornal Agora no dia 27 de outubro de 2015.
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