Porto do Rio Grande em 1908

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segunda-feira, 11 de novembro de 2019

BRUCE LEE E O EL NIÑO

Enchente de 1941 na Rua General Osório.


          Um cenário trágico envolve o Rio Grande do Sul no ano de 2015! Além das décadas de sucateamento do aparelho de Estado que conduz a falta de capacidade de investimentos e de penúria de caixa (até para pagamento de salário do funcionalismo) temos um cenário nacional de turbulência política, inflação, desaceleração econômica e crise ética. Especialmente em nível estadual e local, o cenário no campo da segurança pública é de profunda preocupação devido à sensação de abandono da população e do avanço célere da bandidagem. A trilogia macabra se completa para os moradores do município do Rio Grande com o peso da crise estatal, além de em nível estadual e nacional, somar com os problemas advindos da frustração do mega projeto Polo Naval do Rio Grande: desemprego, retração do comércio, tráfico de drogas e medo em circular nos espaços públicos devido aos assaltos.
Se os homens, ao longo do tempo de média duração (últimas décadas), não conseguiram organizar a complexa administração governamental de forma saudável, precisávamos torcer para que pelo menos a natureza seja generosa e nos poupasse neste momento de ampla crise! Porém, o prognóstico de El Niño forte está começando a se confirmar e preocupar. Nesta direção, é preciso trabalhar, em Rio Grande, com quatro dimensões de crise, inclusive a natural com o excesso de chuvas e danos ao patrimônio público e dos moradores.
O "El Niño" é caracterizado pelas temperaturas altas na superfície do Pacífico tropical. O evento começa no leste do Pacífico e se amplia até o Equador em direção para o Oeste. É um fenômeno climático oceânico-atmosférico que é identificado quando do aquecimento (de até 8 graus acima da média) das águas do Oceano Pacífico nas proximidades da Linha do Equador, podendo estender-se por milhares de quilômetros e modificando o clima de forma regional e global. As medições da temperatura oceânica do Pacífico permitem monitorar o fenômeno desde 1877, mas nas últimas décadas é que ocorreram os eventos mais fortes. Eventos de El Niño forte significam mais chuva para o Rio Grande do Sul e Santa Catarina (além de outros estados) e seca mais acentuada no Nordeste do Brasil. Eventos muito significativos ocorreram em 1982, 1997 e pode estar novamente ocorrendo em 2015.
A Administração Oceânica e Atmosférica Nacional, do Departamento de Comércio Americano (NOAA), emitiu relatórios no último mês de agosto, alertando para a ocorrência do fenômeno com intensidade forte e com a possibilidade de se estender até o início da primavera de 2016. A provável intensidade superior de sua ação, fez com que o NOAA batiza-se este evento atual com o nome do famoso lutador de Kung Fu “Bruce Lee”.
A ocorrência do El Niño pode significar perdas bilionárias na agricultura, pecuária e indústria de beneficiamento. Também ocorrem alagamentos pelas enxurradas ou aumento do nível de rios, perdas materiais e inflação de produtos. No evento de 1997-1998, às perdas estimadas em 27 países foram de pelo menos 33 bilhões de dólares e 21 mil pessoas morreram pelos eventos extremos provocados (inundações, tempestades, incêndios florestais etc).
Nas últimas semanas o Rio Grande do Sul e o município do Rio Grande sentiram duramente o excesso de chuva e os temporais com raios e granizo. Os temporais da semana passada pouparam a cidade mas castigaram cidades do oeste do Estado e a Região Central como as enchentes em Santa Maria. Rio Grande ainda tenta se recuperar dos estragos das chuvas e do granizo que provocou amplo destelhamento pela cidade. Coincidência ou não, o brutal fenômeno do granizo que se abateu na cidade em julho de 1998 ocorreu no ano de fechamento do El Niño mais intenso já registrado no planeta. Este ano já tivemos pelo menos três episódios de granizo sendo um deles grave. A previsão para a primavera continua a ser de possíveis temporais e chuvas acima da média.
O esforço, já implementado pela Defesa Civil, deverá ser redobrado para enfrentar os estragos e minimizar o sofrimento da população. Precisamos pensar Rio Grande como uma cidade que necessidade de uma visão crítica de gerenciamento costeiro e onde os fenômenos extremos podem se manifestar de maneira acentuadamente problemática. Foi num evento de El Niño forte entre 1940-1941 que ocorreu a famosa Enchente de 41 que causou transtornos/prejuízos a pelo menos 30% da população da época e perdas totais nas ilhas produtoras de hortifrutigranjeiros. Hoje, com a intensa ocupação humana das áreas junto a Lagoa dos Patos e Saco da Mangueira, significaria atingir de forma direta mais de sessenta mil pessoas.
A posição geográfica da cidade, no Estuário da Lagoa dos Patos, abrange a área de escoamento deste complexo lagunar no Oceano Atlântico. E a Lagoa é o canal de escoamento de grande parte das chuvas que caíram no Rio Grande do Sul e buscam uma saída para o mar. Este e o próximo ano serão de expectativa para que não se confirmem novos eventos extremos e de mobilização para gerenciar racionalmente possíveis impactos produzidos pelo El Niño na comunidade local. Torcer que os golpes de Bruce Lee se restrinjam ao enredo dos seus filmes.    
*Matéria publicada no Jornal Agora no dia 13 de outubro de 2015. 

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