Capa da edição alemã (Editora Severus, 2013). |
Irmãos Pongetti, edição de 1954. |
Edição do Senado Federal, 2002. |
O livro "Brasil: Terra e Gente", de autoria do alemão Oscar Canstatt, foi originalmente
publicado em 1877 (utilizei a edição do Senado Federal de 2002). O autor veio
para o Brasil em 1868 para trabalhar na Comissão Imperial de Agricultura.
Escreveu o livro para difundir a colonização alemã e incentivar a vinda de
novas levas de colonos para o Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Descreveu a
geografia, economia e as sociabilidades, expressando uma visão eurocêntrica
germânica em relação à miscigenação racial que encontrou no Brasil.
Dedicou
várias páginas do livro a sua viagem entre o Desterro (Florianópolis) e Rio
Grande e outras cidades do RS. O recorte que fiz nesta matéria se refere à
chegada a “Barra Diabólica” que ainda era fator de grande tensão aos
passageiros do navio. O canal de acesso e a chegada ao Porto Velho do Rio
Grande é um relato vívido do que foi sentido por inúmeros passageiros que
desembarcaram no século XIX em Rio Grande.
“No segundo dia depois da
partida de Desterro aproximamo-nos da temida barra do Rio Grande, de cujo
perigo todo viajante tem bastante que contar. Toda a costa plana entra tão
gradualmente no mar que só em poucos lugares é que os navios podem aproximar-se
dela. Além disso, aparecem em diversos pontos grandes e pequenos bancos de
areia, longe da costa, que devido às correntes marítimas mudam de lugar de
tempos em tempos. O perigo de encalhe torna-se maior quando o mar recua
consideravelmente, e a maré que sobrevém forma novos bancos de areia. O porto
do Rio Grande, que fica no extremo do lago de água salobra, lagoa dos Patos, e
que se comunica com o oceano Atlântico através de um canal curto e largo, mas
também raso, é tido pelos marinheiros como um dos mais temidos ancoradouros em
toda a costa oriental da América do Sul. Têm-se empregado todos os meios para
evitar o encalhe dos navios que se aproximam; um navio de guarda, que lhes
manda também o piloto, perto da cidade, dá-lhes ao mesmo tempo por meio do
telégrafo semafórico a profundidade da água na entrada do canal. A despeito
disso o número de naufrágios por ano na barra do Rio Grande é bastante grande.
A arrebentação das vagas naquela pequena profundidade, sobretudo com o mar
grosso, causa violenta ressaca, que com a espuma e o borrifo elevando-se a
grande altura é avistada de longe, como uma muralha branca no horizonte. A
profundidade da água varia muito depressa, conserva-se, porém muitas vezes tão
extraordinariamente baixa, portanto tempo, que navios muito carregados ou de
grande calado têm de ficar dias e semanas diante da barra. Cada tempestade joga
na costa novas massas de areia, que pouco a pouco modificam inteiramente o
fundo do mar. Em parte alguma são precisos pilotos mais hábeis do que os desse
porto. Tivemos muita sorte na nossa chegada, por que pudemos entrar
imediatamente no porto. De ambos os lados do navio, que entrava por um canal
assaz estreito, seguiram-nos por muito tempo bandos dos chamados botos, que
apostavam carreira com o nosso vapor e com saltos loucos pareciam dar
cambalhotas. As margens mostravam-se despidas de vegetação, parecendo inóspitas
e desertas com sua areia amarela. As únicas coisas que se podiam ver em terra
eram a mesquinha barraca dum pescador, cujas redes secavam diante dela, e os
inúmeros despojos de uma embarcação que outrora dera à costa. A própria água
tomara uma cor amarelada, e deixava ver uma correnteza bastante forte. Da
cidade do Rio Grande, de que se estava perto, não se viam senão as pontas de
alguns mastros. Depois de curto avanço surgiram também muitas casas e pouco a
pouco a cidade, em toda sua extensão. Defronte, na margem oposta, avistou-se
também, quando se aproximou mais, uma povoação, São José do Norte, defronte da
qual os navios de maior calado costumavam ancorar, enquanto no porto do Rio
Grande só navios até nove faden (1 faden = 1,8m) podem fundear. A floresta de
mastros com flâmulas e bandeiras de todas as nações que cruzam os mares
constituiu, ao dar a volta para entrar no porto, um espetáculo surpreendente. A
vida variegada que se agita em terra faz esquecer por algumas horas a desolação
da planície saárica onde se ergue a cidade. Era exatamente meio-dia quando o
Gerente largou ferro, e começou a cena, já muito minha conhecida, do
desembarque. Todos se apressavam, se empurravam e eram empurrados, gritavam e
eram gritados, de maneira que um bulício ensurdecedor substituiu o costumado
zunzum no vapor. O bulício não era menor no cais, do qual se estava afastado
apenas alguns 15 passos e de onde todos queriam chegar primeiro a bordo por uma
estreita prancha, parte para receber amigos esperados, parte para receber objetos,
cartas e novidades da Europa. Numa confusão babélica, chegavam-me aos ouvidos
palavras em inglês, francês, alemão e português, e tive trabalho para, com o
auxílio de três negros, safar-me, com a minha bagagem, daquele caos”.
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