Divisão administrativa da Capitania, com os quatro primeiros municípios em 1809. Acervo: Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul. |
A desconcertante situação que chegamos em relação à segurança pública
permite compreender parcialmente a criação desta Junta que se voltou à
radicalização do trato desta questão que atingia e atinge duramente a sociedade
rio-grandense. Alguns trechos deste documento (Coleção de Leis do Império do
Brasil - 1816, vol. 1) são reproduzidos a seguir:
“Cria uma Junta de
Justiça na Capitania do Rio Grande de S. Pedro do Sul para julgar todos os
crimes, com exceção dos que enumera. Honrado Marquez de Alegrete, Governador e
Capitão General da Capitania do Rio Grande de S. Pedro do Sul. Amigo. Eu El-Rei
vos envio muito saudar como aquele que amo e Prezo. Constado na minha real
presença, pela Vossa conta de 30 de março do corrente ano, que nessa capitania
se cometem muitos atrozes delitos com dano dos meus fiéis vassalos, perturbações
e ofensa da pública tranquilidade e da segurança pessoal, e de que devem gozar
todos debaixo da proteção das leis; e que o motivo desta frequência,
multiplicidade, e atrocidade de crimes é, além da ferocidade e falta de civilização
de muitos dos habitantes desse vasto, e ainda pouco povoado território, a
impunidade dos delitos que, ou ficam de todo por punir, ou se lhes impõe as
penas de muito tempo depois, e muito longe do lugar em que aconteceram, por se
remeterem às Cadeias da Casa da Suplicação alguns réus, que em conformidade da
lei do Reino devem ser a elas enviados com seus respectivos processos, onde se
demoram pela concorrência dos que nelas se ajuntam, vindo a verificar-se o
castigo quando já não ha memória dos delitos, e em lugar mui remoto daqueles em
que se perpetraram: querendo remediar estes funestos males, estabelecendo
meios com que sejam aí mesmo punidos os réus com a mais possível brevidade,
ajuntando-se à certeza da pena a presteza da execução, e o ser presenciada pelos
que viram cometer os crimes ou os ouviram contar, o que muito evita a frequência
deles; e sendo a instituição das Juntas de Justiça um estabelecimento mui
proporcionado para se conseguirem úteis fins, como se tem verificado em outras
Capitanias em que se acham estabelecidas (...) Nesta Junta que vós convocareis
quando pela ocorrência dos processos e réus presos, vos parecer necessário,
serão julgados breve e sumariamente os réus de todos e quaisquer crimes,
salvo os de Lesa-majestade de primeira cabeça, e que não forem eclesiásticos ou
militares que gozem de privilégios de foro, sem exceção de qualidade de
brancos, índios, mulatos e pretos, sendo primeiro ouvidos com sua defesa e
tempo breve na forma da lei do Reino, e as sentenças que se proferirem nesta
conformidade serão executadas, sem que se suspendam jamais por qualquer motivo
(...) Cumpri-o assim sem embargo de quaisquer leis ou disposições em contrário,
que todas hei por derrogadas para este efeito somente. Escrita no Palácio do
Rio de Janeiro em 19 de Julho de 1816. REI. Para o honrado Marquez de Alegrete.”
Se a impunidade e
os privilégios caracterizavam o Brasil Colonial e deixaram raízes no Império e
República, o Rio Grande do Sul apresentava algumas práticas ainda mais
enraizadas: era uma área de fronteira com circulação de forasteiros e
pilhadores, assassinos de aluguel que poderiam se deslocar pelo território
ainda pouco controlado pela esfera policial e judicial. Ou seja, a impunidade
dos crimes era acobertada pelo dilatado pampa brasileiro-uruguaio e pela
organização de núcleos de
mandonismo local e redes de proteção. No presente, a segurança é uma palavra chave
repleta de angústia e que expressa insegurança. Devemos esperar, como numa
crença messiânica, o retorno de D. João VI para tentar impor o Império da Lei
onde à República do privilégio e do coitadismo social falhou?
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