Porto do Rio Grande em 1908

Porto do Rio Grande em 1908

domingo, 10 de novembro de 2019

O COMMERCIAL

Jornal O Commercial de 17-12-1865. Acervo: Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.


           Rio Grande é a porta de entrada, por via marítima, no Rio Grande do Sul! Esta importância ajuda a explicar o pioneirismo da imprensa local, a qual é multifacetada em áreas de atuação: política, caricatura, noticiosa, literária, feminina, pasquim etc. Também se fez presente o jornalismo voltado às atividades comerciais que eram essenciais para o desenvolvimento de uma cidade portuária.
           Conforme Francisco das Neves Alves no artigo “Uma Folha Mercantil na cidade do Rio Grande: um histórico do jornal O Commercial” (Indústria e Comércio na cidade do Rio Grande: estudos históricos. Rio Grande: Furg, 2001), um jornal se destacou neste campo de atuação: o jornal O Commercial. O periódico foi criado em maio de 1857 por Francisco de Paula Cardoso, um comerciante rio-grandino, ligado às lides tipográficas. O proprietário atuou nesta folha até a sua morte, em 1865, quando foi substituído em suas atividades por seu filho homônimo.
A linha editorial desta folha, conforme seu próprio título foi essencialmente comercial, pois seu proprietário pretendia organizar uma publicação que prestasse a melhor informação, quantitativa e qualitativamente, a respeito do setor mercantil, intentando, assim, auxiliar na organização e desenvolvimento de uma das bases da estrutura econômica da cidade do Rio Grande. Além de preocupar-se com as atividades comerciais, o periódico buscava atender também a outros setores produtivos da Província, chegando à auto-intitular-se como “jornal de indústria e agricultura”.
           Conforme Alves, a folha propunha a ocupar-se “dos interesses gerais do país”, dando “uma atenção especial ao sul da Província, atendendo com preferência a tudo quanto interessasse ao comércio” (13/2/1859).
           De acordo com estes objetivos eminentemente comerciais, a folha mercantil, durante os anos iniciais de sua circulação, insistia em apresentar-se como uma folha apolítica. Os intentos basicamente mercantis do periódico rio-grandino, em detrimento das discussões políticas ficavam expressos numa das principais campanhas movidas pela folha durante a sua existência, mormente na primeira década, que consistia no combate ao contrabando, através da instauração da “tarifa especial” que protegeria a negociação dos produtos rio-grandenses.
           A busca da neutralidade política vai se dispersando e o vínculo ao ideário conservador se confirma a partir da inversão política de 1868, quando a folha comercial deixou transparecer mais abertamente a sua filiação partidária ao Partido Conservador de D. Pedro II.        O jornal buscou estabelecer uma imagem extremamente negativa dos liberais os quais deveriam ser sempre combatidos, referindo-se à agremiação liberal como “uma planta parasita, que nascera e se sustentara da seiva da massa da nação”. De acordo com o diário mercantil o Partido Liberal não ambicionava “o poder pelo bem do povo”, e sim, “apenas para satisfazer planos individuais, e levar ao cabo combinações efêmeras, que teriam por resultado, a desgraça do Brasil”.
           O Commercial enaltecia os valores morais demonstrados pelos conservadores ao longo da história brasileira. Neste sentido, o jornal censurava as formas de combate político utilizadas pelos liberais, os quais, “para sustentar uma causa pouco sincera, encontravam por únicos esteios a mentira, o insulto e o frenesi das paixões”.
           A partir da inversão partidária de 1868, O Commercial apresentaria-se como um dos arautos do pensamento e das práticas do partido da ordem o qual promoveria, segundo a concepção daquele, o engrandecimento do país progressivamente, dentro das normas constitucionais, sem precisar apelar para atitudes que colocassem em risco a integridade das instituições nacionais, como era no caso da conduta dos inimigos liberais, revolucionários e subversivos por natureza, de acordo com a opinião do jornal. Mesmo após a ascensão dos liberais, em 1878, o jornal adotou uma postura inicialmente apolítica, porém, a partir dos anos oitenta, retomaria a discussão em prol da agremiação conservadora. Já o debate político, promovido durante o segundo semestre de 1882, ainda que realizado sob a visão da emoção e do despeito do redator, traduziu as circunstâncias em que vivia o Partido Conservador no Rio Grande do Sul de então, fragmentado e enfraquecido pelas disputas internas.
           O desequilíbrio entre os interesses comerciais e a veemência na exposição das ideias político-partidárias foi um dos elementos constitutivos mais importantes para determinar a decadência do Commercial durante a década de oitenta, exatamente quando a imprensa rio-grandina passava por uma de suas mais brilhantes fases. Enquanto se manteve como um jornal essencialmente comercial, cujo objetivo era prestar informações sobre movimento portuário, entradas e saídas de navios da Barra, valor das mercadorias e variações no câmbio, o jornal garantiu sua sobrevivência, mesmo quando deixou transparecer abertamente sua postura partidária. Porém, perdida a credibilidade nos boletins comerciais e passando a servir quase que unicamente a interesses políticos individuais, o diário mercantil perdera seu norte editorial e tornou-se inevitável o caminho para o seu desaparecimento, conclui Alves.

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