Porto do Rio Grande em 1908

Porto do Rio Grande em 1908

domingo, 10 de novembro de 2019

O ANO SEM VERÃO


 
Tambora em 2011. Acervo: www.peace-on-earth.org

Cratera de 6 km do Tambora. Acervo: Smithsonian Institution.


O inverno de 2016 já se fez presente até em parte do outono. As baixas temperaturas tem sido assunto coloquial nas conversas dos moradores de nossa cidade. E o inverno está apenas no seu início!
No ano de 1816, duzentos anos no passado, o norte da Europa, norte da Península Ibérica, a costa Atlântica do Canadá, Terra Nova, Labrador e o nordeste dos Estados Unidos atravessavam um dos verões mais frios e nublados dos registros históricos da Idade Contemporânea. A erupção do vulcão Tambora em abril de 1815 provocou mudanças climáticas ao longo de três anos. A atividade sísmica do Tambora (localizado na Ilha de Sumbawa na Indonésia) provocou a mais intensa erupção vulcânica dos últimos 1.600 anos no planeta. Num raio de 500 km o céu virou noite e mais de 100.000 pessoas morreram na área de alcance das lavas ou nas ilhas próximas devido à fome (as cinzas cobriram as plantações).
Conforme Gillen D’Arcy Wood (Universidade de Illinois) no livro  "Tambora: The Eruption that Changed the World",  a explosão da montanha,  jogou cerca de 50 quilômetros cúbicos de matéria terrestre a uma altura de mais de 40 quilômetros. As partículas grossas caíram, porém as finas foram levadas pelos ventos fortes formando um véu global que refletiu os raios de sol e fez parte do planeta resfriar, além de provocar tempestades. Wood destaca que rastro de sulfato projetado pelo vulcão ficou impresso no gelo do Polo Norte e do Polo Sul.
Entre 1812 e 1814, outras quatro erupções ocorreram entre o Japão, Filipinas e Indonésia. Erupções vulcânicas podem projetar na atmosfera grandes quantidades de poeira podendo reduzir a passagem da luz solar e provocar resfriamento da superfície do Planeta. A atividade solar também estava em baixa neste período, o que pode ter agravado ainda mais o trágico fenômeno que levou a fome, ondas de saques e a eventos climáticos extremos.
Em maio de 1816, geadas destruíram a maioria das plantações e em junho duas tempestades de inverno mataram muitas pessoas no leste do Canadá (Quebec ficou coberta por 30 cm de neve) e na Nova Inglaterra. A destruição das lavouras provocou fome, convulsão social, epidemias e alta mortalidade. Na Pensilvânia, a temperatura apresentou variações absurdas entre os 35°C típicos do verão e horas depois registrou temperaturas negativas. A grande dependência dos cereais fez com que ocorresse uma forte inflação e a quebra das safras de milho e aveia. A China também teve ondas de frio congelantes e a alteração do regime de chuvas com enchentes devastadoras no Rio Yangtzé. Fortes enchentes atingiram a Índia, especialmente o Rio Ganges. O Tambora também pode estar associado à  pandemia do cólera que surgiu em 1817 na Índia, decorrência de uma possível combinação entre mudanças nas monções e do excesso de chuvas, tendo provocado nas décadas seguintes, dezenas de milhões de mortos no planeta. Inclusive, a pandemia chegou a Rio Grande em 1855, provocando centenas de mortes. 
No ano de 1817, o inverno em Nova Iorque permitiu que se andasse a cavalo na cobertura de gelo formada nas águas dos rios: a temperatura chegou a -32°. Uma epidemia de febre tifoide pode ter provocado a morte de mais de 100 mil irlandeses entre 1816-1819.
Artigo publicado no “International Journal of Climatology” (TRIGO, 2012) foi assinado por cientistas portugueses e espanhóis. Os pesquisadores comprovaram que a Península Ibérica sofreu duramente com a intensidade do frio. Um dos registros pesquisados foi o diário do padre e advogado de Braga, José Manuel da Silva Tedim relativo a julho de 1816: "Tenho 78 anos e nunca vi tanta chuva e tanto frio, nem mesmo em meses de Inverno". Em Portugal, a  produção de cereais e de azeitonas sofreu acentuada queda e o vinho passou uma quebra na colheita e na qualidade devido às uvas amadurecerem muito tarde. A nuvem gigante de partículas permaneceu por três anos na atmosfera provocando o esfriamento planetário. O vulcanologista Clive Oppenheimer (Universidade de Cambridge) acredita que a chance de uma explosão do padrão do Tambora nos próximos 50 anos é relativamente baixa, porém, as consequências, “poderiam ser extraordinariamente terríveis”. Para ele, “o mundo moderno está longe de ter imunidade contra impactos potencialmente catastróficos".
Relembrar o frio de duzentos anos atrás não buscou apresentar qualquer analogia científica com o frio atual. Apenas é um assunto que pode interessar aos gaúchos neste ano de 2016 que promete ter um inverno gélido. E sempre é bom lembrar que foi num frio intenso que foi criado o romance Frankenstein (1816), num período de neblinas, tempestades e de pôr-do-sol avermelhados, componentes essenciais da literatura gótica.
*Matéria publicada no Jornal Agora no dia 28 de junho de 2016.

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