Cratera de 6 km do Tambora. Acervo: Smithsonian Institution. |
O inverno de
2016 já se fez presente até em parte do outono. As baixas temperaturas tem sido
assunto coloquial nas conversas dos moradores de nossa cidade. E o inverno está
apenas no seu início!
No ano de
1816, duzentos anos no passado, o norte da Europa, norte da Península Ibérica,
a costa Atlântica do Canadá, Terra Nova, Labrador e o nordeste dos Estados
Unidos atravessavam um dos verões mais frios e nublados dos registros
históricos da Idade Contemporânea. A erupção do vulcão Tambora em abril de 1815
provocou mudanças climáticas ao longo de três anos. A atividade sísmica do
Tambora (localizado na Ilha de Sumbawa na Indonésia) provocou a mais intensa
erupção vulcânica dos últimos 1.600 anos no planeta. Num raio de 500 km o céu
virou noite e mais de 100.000 pessoas morreram na área de alcance das lavas ou
nas ilhas próximas devido à fome (as cinzas cobriram as plantações).
Conforme
Gillen D’Arcy Wood (Universidade de Illinois) no livro "Tambora: The Eruption that Changed the
World", a explosão da
montanha, jogou cerca de 50 quilômetros
cúbicos de matéria terrestre a uma altura de mais de 40 quilômetros. As
partículas grossas caíram, porém as finas foram levadas pelos ventos fortes
formando um véu global que refletiu os raios de sol e fez parte do planeta
resfriar, além de provocar tempestades. Wood destaca que rastro de sulfato projetado
pelo vulcão ficou impresso no gelo do Polo Norte e do Polo Sul.
Entre 1812 e
1814, outras quatro erupções ocorreram entre o Japão, Filipinas e Indonésia.
Erupções vulcânicas podem projetar na atmosfera grandes quantidades de poeira
podendo reduzir a passagem da luz solar e provocar resfriamento da superfície
do Planeta. A atividade solar também estava em baixa neste período, o que pode
ter agravado ainda mais o trágico fenômeno que levou a fome, ondas de saques e
a eventos climáticos extremos.
Em maio de
1816, geadas destruíram a maioria das plantações e em junho duas tempestades de
inverno mataram muitas pessoas no leste do Canadá (Quebec ficou coberta por 30
cm de neve) e na Nova Inglaterra. A destruição das lavouras provocou fome,
convulsão social, epidemias e alta mortalidade. Na Pensilvânia, a temperatura
apresentou variações absurdas entre os 35°C típicos do verão e horas depois registrou
temperaturas negativas. A grande dependência dos cereais fez com que ocorresse
uma forte inflação e a quebra das safras de milho e aveia. A China também teve
ondas de frio congelantes e a alteração do regime de chuvas com enchentes
devastadoras no Rio Yangtzé. Fortes enchentes atingiram a Índia, especialmente
o Rio Ganges. O Tambora também pode estar associado à pandemia do cólera que surgiu em 1817 na
Índia, decorrência de uma possível combinação entre mudanças nas monções e do
excesso de chuvas, tendo provocado nas décadas seguintes, dezenas de milhões de
mortos no planeta. Inclusive, a pandemia chegou a Rio Grande em 1855,
provocando centenas de mortes.
No ano de
1817, o inverno em Nova Iorque permitiu que se andasse a cavalo na cobertura de
gelo formada nas águas dos rios: a temperatura chegou a -32°. Uma epidemia de
febre tifoide pode ter provocado a morte de mais de 100 mil irlandeses entre
1816-1819.
Artigo publicado no “International Journal of
Climatology” (TRIGO, 2012) foi assinado por cientistas portugueses e espanhóis.
Os pesquisadores comprovaram que a Península Ibérica sofreu duramente com a
intensidade do frio. Um dos registros pesquisados foi o diário do padre e
advogado de Braga, José Manuel da Silva Tedim relativo a julho de 1816:
"Tenho 78 anos e nunca vi tanta chuva e tanto frio, nem mesmo em meses de
Inverno". Em Portugal, a produção
de cereais e de azeitonas sofreu acentuada queda e o vinho passou uma quebra na
colheita e na qualidade devido às uvas amadurecerem muito tarde. A nuvem
gigante de partículas permaneceu por três anos na atmosfera provocando o
esfriamento planetário. O vulcanologista Clive Oppenheimer (Universidade de
Cambridge) acredita que a chance de uma explosão do padrão do Tambora nos
próximos 50 anos é relativamente baixa, porém, as consequências, “poderiam ser
extraordinariamente terríveis”. Para ele, “o mundo moderno está longe de ter
imunidade contra impactos potencialmente catastróficos".
Relembrar o frio de duzentos anos atrás não buscou apresentar qualquer
analogia científica com o frio atual. Apenas é um assunto que pode interessar
aos gaúchos neste ano de 2016 que promete ter um inverno gélido. E sempre é bom
lembrar que foi num frio intenso que foi criado o romance Frankenstein (1816),
num período de neblinas, tempestades e de pôr-do-sol avermelhados, componentes
essenciais da literatura gótica.
*Matéria publicada no Jornal Agora no dia 28 de junho de 2016.
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