John Polidori. |
Mary Shelley. |
A mais de duzentos anos, ocorreu o início de uma reclusão de literatos
que propiciou a criação de personagens referenciais para a literatura e para à
reflexão sobre a existência humana.
A erupção do vulcão Tambora em Java
(Indonésia), em abril de 1815, provocou muitos dias nublados, frios e chuvosos
em parte da Europa no verão de 1816. O resfriamento causado pelo fenômeno teve consequências
críticas em muitos países, inclusive na Suíça, ao longo de três anos.
Cinco amigos ingleses, entre os dias 15 e 17
de junho daquele ano, ficaram isolados na mansão Villa Diodati, às margens do
Lago Genebra na Suíça. Sem saber viviam um momento climático de extrema
gravidade e também um momento histórico literário de relevantes desdobramentos.
O grupo era formado pelo poeta romântico lorde Byron (que alugou a mansão),
pelo médico e escritor John William Polidori, pelo renomado poeta Percy
Shelley, por Mary Godwyng (amante de Percy e com quem se casaria no ano
seguinte aos 19 anos de idade) e sua meia-irmã Claire Clairmont (também amante
de Percy).
A mansão já havia recebido intelectuais de
renome como John Milton, Rousseau e Voltaire. O encontro rumou para a expressão
literária com a leitura de contos de terror e o desafio lançado por Byron para
que os presentes escrevessem sua própria história fantasmagórica. O resultado
superou qualquer previsão e surgiram dois clássicos da literatura: O Vampiro e
Frankenstein.
O responsável pela elaboração de O Vampiro
(publicado em 1819) foi o dr. John Polidori que edificou o primeiro vampiro
contextualizado nos padrões europeus: o lorde Ruthven. Poemas e contos de
vampiros circulavam, ao lado de relatos documentais, desde o século 18, porém,
o componente europeu oriental ainda é muito forte naqueles escritos. A
ocidentalização do vampiro está explícita em Polidori e será desenvolvida com maestria
no romance Drácula de Bram Stoker em 1897. O livro suscitou polêmicas e foi
creditado a Lorde Byron quando de seu lançamento. Como Polidori e Byron
romperam relações de amizade (1816) pairou a dúvida de quem realmente havia
sido o autor de O Vampiro (Byron reconheceu publicamente que Polidori o havia
escrito). Os dois autores tiveram finais trágicos com Polidori se suicidando em
1821 e Byron morrendo em 1824 (lutando contra os turcos e ao lado dos
carbonários na Grécia).
Outra obra clássica surgida naqueles dias de
claustro numa mansão repleta de inspiração gótica foi Frankenstein. Escrito
pela novel escritora Mary, que ao iniciar a obra tinha apenas 18 anos (era
filha de um filósofo e de uma escritora de forte personalidade), nova polêmica
se formou sobre a autoria da obra. A primeira edição, publicada em 1818, não
foi assinada por Mary, pois uma mulher escrever uma obra desta profundidade e
com esta temática poderia causar uma reação negativa neste período.
Acreditava-se que o autor era Percy Shelley um dos grandes poetas ingleses do
seu tempo. Porém, a partir da segunda
edição Mary Shelley assina como autora de um dos livros maiores importantes da
literatura de horror. Com fortes componentes góticos na narrativa, os limites
da vida e da morte são questionados e o direito do saber médico buscar a
criação da vida e questionar o poder que era considerado monopólio de Deus
parece um sacrilégio. A proposta inicial de uma história de fantasma
transcendeu para uma reflexão sobre a manipulação da vida a partir do
conhecimento e suas consequências éticas.
Questões sobre o bom selvagem de Jean-Jacques
Rousseau estão presentes em Frankenstein: a rejeição da sociedade levou a
criatura - construída com restos de corpos roubados de cemitérios- a se tornar um assassino e ter a sua maldade
despertada. Mary Shelley também questionou o
desenvolvimento iluminista que sacraliza a ciência como único caminho
confiável, podendo conduzir a uma pretensão divina de poder, criando o dogma da
ciência.
Enquanto Frankenstein persiste como uma obra
extremamente reflexiva no campo da história da ciência, o personagem vampiro
continua a apresentar leituras multifacetadas e que tiveram uma de suas
melhores construções na obra de John Polidori.
Nenhum comentário:
Postar um comentário